DISCOS
Alla Polacca & Stowaways
Why Not You?
· 07 Dez 2003 · 08:00 ·
Alla Polacca & Stowaways
Why Not You?
2003
Bor Land
Sítios oficiais:
- Alla Polacca & Stowaways
- Bor Land
Why Not You?
2003
Bor Land
Sítios oficiais:
- Alla Polacca & Stowaways
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Alla Polacca & Stowaways
Why Not You?
2003
Bor Land
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Why Not You?
2003
Bor Land
Sítios oficiais:
- Alla Polacca & Stowaways
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Chama-se Rosa. Tem vinte e oito anos e, qual Mouchette do filme de Robert Bresson, o seu olhar era dos mais tristes que tinha visto. Nunca conhecera o amor. Um dia, ao abrir a caixa de correio, no meio da parafernália de livrinhos de publicidade a tudo e mais alguma coisa – de nenucos a telemóveis, de vibradores a caixas de chocolate chique –, surgiu-lhe, aos seus olhos tristes, uma pequena caixa de cartão, diferente de todas as outras papeladas vulgares e cheias de números. Nesta se inscrevia uma frase emblemática: «We have made thousands of lonely people happy: Why not you?» a letras carregadÃssimas de preto. Do lado oposto da caixa, um cupão pedia dados pessoais - endereço, peso, altura, profissão, entre outros atributos. Um cupão para a felicidade - o que Rosa sempre desejou mas que sempre lhe pareceu longe - chegara à s suas mãos.
Subiu as escadas do apartamento. O elevador encontrava-se estragado de velho. Contava cinco anos mais do que a triste Rosa. Teria deixado de transportar inquilinos desde o ano passado. Tinha sido botado ao abandono, à solidão. Às vezes, quando Rosa se sentia só, chorava com ele. Depois de se fechar no seu cubÃculo, finalmente abriu a caixa de cartão. Uma pequena rodela de música como primeira oferta de algumas que a instituição - que teria deixado misteriosamente a caixa no seu correio - disponibilizaria no seu trajecto para a felicidade: era essa a surpresa. Parecia, no entanto, haver espaço para mais uma rodela.
«Alla Polacca». Era esse o nome inscrito na parte superior da rodela que recebera. Um sonho, pensou ela. Pô-la a tocar. O primeiro tema fê-la flutuar. Rosa acreditou ver ao longe a fada boa do Coração Selvagem, de David Lynch. Dos seus lábios parece ter visto cair três palavras curtas, numa voz pouco nÃtida: qualquer coisa como «it will come». De repente, desapareceu. «D-Floated», o estado-limbo para o sono de Rosa, deu lugar a «Secret Satellite». Pareceu escutar a Islândia dos Sigur Rós que, aliás, a acompanhara desde o piano inicial da flutuação. Esperança num flash, visionou ela. Música bonita – por vezes excessivamente bonita – mas quase sempre triste, como ela. Ironicamente, sentir-se-ia melhor assim. Quem a espreitasse da janela do prédio da frente, facilmente se aperceberia de uma qualquer mudança na sua face. Ouviria também pianos, guitarras ora melodiosas e melosas ora em crescendo para um final em jeito de epifania. A voz, essa, não era nem de homem nem de mulher. Vivia na ambiguidade, como as palavras da fada boa. O final de «Fake Blue» comovera Rosa. Era mágico. Parecia querer expandir-se para junto das estrelas. Parecia querer revelar-lhe algo, um futuro grande, uma porta para uma nova Rosa.
De súbito, o mundo pareceu-lhe um bombom pop. «Wrong Like Us» foi servido em breves minutos como um cruzamento distorcido entre a doçura inicial de uns Pavement e o desespero final de uns Joy Division a brincar com as guitarras eléctricas de uns Sonic Youth. O assobio que se ouvia ao fundo foi se desvanecendo. Pela primeira vez na viagem voltou a sentir o desconforto e o desespero de um ser habituado a viver em solidão. O que à primeira audição lhe pareceu aborrecido e igual ao anterior, passou a ter cada vez mais encanto. Tirando um ou outro momento bem inspirado mas pouco Alla Polacca – os fantasmas Mogwai, Sigur Rós, Grandaddy e Smashing Pumpkins pairam algumas vezes na audição e a saturação de alguns momentos, por vezes, levam Rosa ao bocejo -, a rodela começa, paulatinamente, a fazer esboçar um sorriso tÃmido no rosto de Rosa, qual Claudia na cena final de Magnólia, filme de Paul Thomas Anderson. Pássaros ouvem-se ao fundo, por detrás do piano e das guitarras em delÃrio. «It will come soon» anuncia o final de «Morning Vs Jupiter».
No preciso momento em que Rosa se deleita no sofá a ouvir «Astray», numa pequena vila a quarenta e sete quilómetros da cidade impessoal por onde Rosa deambula quando a solidão aperta, Alferes, quarenta e dois anos, camionista de serviço de uma companhia de transporte de gás, estaciona o seu veÃculo em frente à vivenda onde mora com os pais reformados. Quem abre a porta é a sua mãe, com correspondência na mão. Entre cartas do banco, uma caixa castanha. Ao ler as dezenas de caracteres que se tornavam disponÃveis aos seus olhos cansados, Alferes centrou-se num parágrafo particular: «Are you lonely? (...) Find yourself a sweetheart through the country’s foremost select social correspondence club». Uma rodela dentro dizia «Stowaways».
Em pouco mais de meia hora ouviu diversidade em sons e uma grande sensibilidade e capacidade de fazer boa pop. Apaixonou-se. Atirou o cansaço para trás de si. Saltou e dançou ao som dos Balcãs que no segundo seguinte já era música das arábias e nos dois segundos imediatos era valsa e simultaneamente rock. Ouve o majestoso contributo de ElÃsio Donas, ex-Ornatos Violeta, num dos melhores momentos do ano no que toca à cançoneta nacional, «Bed Bugs». Depois do poppy «The Room Upstairs» à la Grant-Lee Phillips, Alferes escuta a delicadeza acústica de «Boogie List» que, apesar de interessante, não consegue disfarçar o fascÃnio dos Stowaways pelo repertório dos Radiohead. O facto da voz dos Stowaways não se demarcar grandemente da de Thom Yorke também não ajudará a espantar o fantasma. No entanto, Alferes dá-lhe uma oportunidade porque lhe parece que há futuro ali, tal como na sua vida. Até tempo lhe deu para se deitar no sofá, com um copo de whisky na mão, a escutar relaxadamente os ritmos quentes da bossanova quando «Chimney-Sweeper» e «Rented body» rodam na aparelhagem. Ainda há um momento para avacalhar quando o ye-ye «Your Prop» se faz ouvir. Alferes parece ver uma luz. Não compreende o porquê desta dádiva. Questiona-a enquanto ouve uma caixinha de música que o remete para a sua felicidade na sua infância distante, «Giants Of The Mountain». Parece ouvir os Doors em versão indie. No último tema da rodela, «Amputed Leg», há o tropicalismo samba do Brasil a conviver com as guitarras de um «Can’t Stand It» dos Wilco. Alferes sorri, ao mesmo tempo que se rebola no chão. Os Stowaways ofereceram-lhe algo eficazmente dócil para os ouvidos, fresco para a alma.
Rosa preenchia o cartão com os seus dados pessoais nesse mesmo instante em que a rodela dos Stowaways pára. Alferes fê-lo minutos depois. Dias depois, as rodelas tornavam-se vizinhas dentro de uma mesma caixa.
Tiago CarvalhoSubiu as escadas do apartamento. O elevador encontrava-se estragado de velho. Contava cinco anos mais do que a triste Rosa. Teria deixado de transportar inquilinos desde o ano passado. Tinha sido botado ao abandono, à solidão. Às vezes, quando Rosa se sentia só, chorava com ele. Depois de se fechar no seu cubÃculo, finalmente abriu a caixa de cartão. Uma pequena rodela de música como primeira oferta de algumas que a instituição - que teria deixado misteriosamente a caixa no seu correio - disponibilizaria no seu trajecto para a felicidade: era essa a surpresa. Parecia, no entanto, haver espaço para mais uma rodela.
«Alla Polacca». Era esse o nome inscrito na parte superior da rodela que recebera. Um sonho, pensou ela. Pô-la a tocar. O primeiro tema fê-la flutuar. Rosa acreditou ver ao longe a fada boa do Coração Selvagem, de David Lynch. Dos seus lábios parece ter visto cair três palavras curtas, numa voz pouco nÃtida: qualquer coisa como «it will come». De repente, desapareceu. «D-Floated», o estado-limbo para o sono de Rosa, deu lugar a «Secret Satellite». Pareceu escutar a Islândia dos Sigur Rós que, aliás, a acompanhara desde o piano inicial da flutuação. Esperança num flash, visionou ela. Música bonita – por vezes excessivamente bonita – mas quase sempre triste, como ela. Ironicamente, sentir-se-ia melhor assim. Quem a espreitasse da janela do prédio da frente, facilmente se aperceberia de uma qualquer mudança na sua face. Ouviria também pianos, guitarras ora melodiosas e melosas ora em crescendo para um final em jeito de epifania. A voz, essa, não era nem de homem nem de mulher. Vivia na ambiguidade, como as palavras da fada boa. O final de «Fake Blue» comovera Rosa. Era mágico. Parecia querer expandir-se para junto das estrelas. Parecia querer revelar-lhe algo, um futuro grande, uma porta para uma nova Rosa.
De súbito, o mundo pareceu-lhe um bombom pop. «Wrong Like Us» foi servido em breves minutos como um cruzamento distorcido entre a doçura inicial de uns Pavement e o desespero final de uns Joy Division a brincar com as guitarras eléctricas de uns Sonic Youth. O assobio que se ouvia ao fundo foi se desvanecendo. Pela primeira vez na viagem voltou a sentir o desconforto e o desespero de um ser habituado a viver em solidão. O que à primeira audição lhe pareceu aborrecido e igual ao anterior, passou a ter cada vez mais encanto. Tirando um ou outro momento bem inspirado mas pouco Alla Polacca – os fantasmas Mogwai, Sigur Rós, Grandaddy e Smashing Pumpkins pairam algumas vezes na audição e a saturação de alguns momentos, por vezes, levam Rosa ao bocejo -, a rodela começa, paulatinamente, a fazer esboçar um sorriso tÃmido no rosto de Rosa, qual Claudia na cena final de Magnólia, filme de Paul Thomas Anderson. Pássaros ouvem-se ao fundo, por detrás do piano e das guitarras em delÃrio. «It will come soon» anuncia o final de «Morning Vs Jupiter».
No preciso momento em que Rosa se deleita no sofá a ouvir «Astray», numa pequena vila a quarenta e sete quilómetros da cidade impessoal por onde Rosa deambula quando a solidão aperta, Alferes, quarenta e dois anos, camionista de serviço de uma companhia de transporte de gás, estaciona o seu veÃculo em frente à vivenda onde mora com os pais reformados. Quem abre a porta é a sua mãe, com correspondência na mão. Entre cartas do banco, uma caixa castanha. Ao ler as dezenas de caracteres que se tornavam disponÃveis aos seus olhos cansados, Alferes centrou-se num parágrafo particular: «Are you lonely? (...) Find yourself a sweetheart through the country’s foremost select social correspondence club». Uma rodela dentro dizia «Stowaways».
Em pouco mais de meia hora ouviu diversidade em sons e uma grande sensibilidade e capacidade de fazer boa pop. Apaixonou-se. Atirou o cansaço para trás de si. Saltou e dançou ao som dos Balcãs que no segundo seguinte já era música das arábias e nos dois segundos imediatos era valsa e simultaneamente rock. Ouve o majestoso contributo de ElÃsio Donas, ex-Ornatos Violeta, num dos melhores momentos do ano no que toca à cançoneta nacional, «Bed Bugs». Depois do poppy «The Room Upstairs» à la Grant-Lee Phillips, Alferes escuta a delicadeza acústica de «Boogie List» que, apesar de interessante, não consegue disfarçar o fascÃnio dos Stowaways pelo repertório dos Radiohead. O facto da voz dos Stowaways não se demarcar grandemente da de Thom Yorke também não ajudará a espantar o fantasma. No entanto, Alferes dá-lhe uma oportunidade porque lhe parece que há futuro ali, tal como na sua vida. Até tempo lhe deu para se deitar no sofá, com um copo de whisky na mão, a escutar relaxadamente os ritmos quentes da bossanova quando «Chimney-Sweeper» e «Rented body» rodam na aparelhagem. Ainda há um momento para avacalhar quando o ye-ye «Your Prop» se faz ouvir. Alferes parece ver uma luz. Não compreende o porquê desta dádiva. Questiona-a enquanto ouve uma caixinha de música que o remete para a sua felicidade na sua infância distante, «Giants Of The Mountain». Parece ouvir os Doors em versão indie. No último tema da rodela, «Amputed Leg», há o tropicalismo samba do Brasil a conviver com as guitarras de um «Can’t Stand It» dos Wilco. Alferes sorri, ao mesmo tempo que se rebola no chão. Os Stowaways ofereceram-lhe algo eficazmente dócil para os ouvidos, fresco para a alma.
Rosa preenchia o cartão com os seus dados pessoais nesse mesmo instante em que a rodela dos Stowaways pára. Alferes fê-lo minutos depois. Dias depois, as rodelas tornavam-se vizinhas dentro de uma mesma caixa.
tcarvalho@esec.pt
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