DISCOS
Millionaires
Tonight
· 15 Mar 2013 · 09:45 ·
Millionaires
Tonight
2013
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Millionaires
Millionaires
Tonight
2013
Ed. de Autor


Sítios oficiais:
- Millionaires
Foi você que pediu um guilty pleasure?
Há muito, muito tempo, o que em «anos da Internet» se traduz em cerca de quatro a cinco anos, certos círculos berraram aos quatro ventos - ou a quem quer que estivesse por perto para ouvir - que a música tinha morrido. Assim mesmo: morrido, assassinada de forma violenta, espezinhada e torturada pela ditadura infantil que gere o que é pop e o que não é. Os culpados? Três simples memes que nunca o deveriam ter sido, três projectos de projectos que olharam para as suas vidas miseráveis e decidiram que um pózinho a mais de música de merda não traria qualquer mal ao mundo. Encabeçando essa lista ácida, caldeirão composto por quantidades semelhantes de: uma MTV a transmitir epilepsia 24/7, o elenco do Jersey Shore numa orgia de DSTs, cópias pirata chinesas do Auto-Tune e do Fruity Loops, penteados urinados a gel e uma pitada de dinheiro manchado a cocaína porque os idiotas comprarão qualquer coisa, verdadeira mixórdia cultural norte-americana que faz do vómito uma arte (mas sem o elã credível dos accionistas de Viena), estavam os saudosos (para quem?) BrokeNCYDE, cuja "FreaXXX" continua a ser, ainda hoje, um exemplo de tudo aquilo que de mais degradante pode acontecer a um pré-pubescente white trash a tentar crescer à força. Formando a base desta extremosa, ou estrumosa, meta-pirâmide onde tudo é permitido, estavam de um lado os Attack Attack!, que viverão para sempre pela força da estupidez do anti-género crabcore, e do outro as Millionaires, um então trio trashy composto exclusivamente por raparigas tatuadas de alto a baixo com os nomes dos seus ídolos - que então não seria tanto Justin Bieber - que apregoavam a vontade que tinham de beber, foder, morrer, projectos de vida que associamos, nós que lemos e ouvimos e vemos, mais aos grandes nomes do rock n' roll do que propriamente a três estarolas com quinze anos, sem esquecer que esses grandes nomes foram eles próprios estarolas com quinze anos; somos um bando de hipócritazinhos, é o que é.

Memes estes que, na verdade, nunca foram mais do que isso, do que piadas, alvos fáceis para a bílis dos críticos que anseiam pelo respeito dos seus pares e dos seus leitores, que avidamente buscam sacos de pancada nos quais depositar toda a sua raiva pendente por não conseguirem pagar as contas do fim do mês, por não conseguirem papar a miúda que encontraram no outro dia na galeria (todos os críticos são homens, até as mulheres), por estarem desiludidos com a opção de Iggy Pop em fazer publicidade ou pelo facto de que as raves não salvaram o mundo e já ninguém se lembrar dos Spiral Tribe; e eram fáceis porque era música fácil, sem qualquer espécie de sentido que não o existir apenas para aquele momento e para aquelas crianças, sem o rótulo da pop mais mainstream porque essa granjeará sempre a sua quota parte de elogios, e porque, bem, todos os outros olharam para eles e gritaram moche ao gordo! ao mesmo tempo que afagavam as teclas do seu Macintosh e já se sabe que nesta coisa da "crítica" existem os que são carneiros e os que lideram o rebanho. Até enquanto piadas, tiveram o seu momento; agora vivem no esquecimento, excepção feita àquele ocasional lembrete nostálgico, à memória, por exemplo, daquele dia em 2008 em que uma thread no Chupa-mos nos fez rir às gargalhadas durante horas a fio, daquela imagem que circulou o mundo de uma suástica feita à pressão num jogo online para miúdos. Se era a música que não fazia sentido anteriormente, agora é o relembrar dessa música que não o faz.

Só que estes "grupos" (coloca-se entre aspas para não ferir susceptibilidades mais indie) nunca deixaram realmente de existir - e como tal, merecem atenção se tal se justificar. Os BrokeNCYDE editaram um disco no ano passado; os Attack Attack!, agora com dois novos membros, preparam novo trabalho para este ano; e as Millionaires acabam de lançar o seu primeiro longa-duração, este mesmo de que se fala ou de que se tenta falar neste texto. (Entretanto, ao longo deste período, nomes como Kreayshawn brotaram que nem bagas do cisto pilonidal da pop sem que ninguém parasse para pensar "outra vez?!?!" - havendo até quem a considerasse uma lufada de ar fresco e outras expressões do mesmo género. E, pasme-se, a própria participou numa mixtape destas mesmas odiadas Millionaires, no passado ano.) Onde é que queremos chegar? Talvez à ideia de que o lixo na pop na verdade não existe, quer seja porque toda a pop é um lixo ou porque a pop não poderá nunca ser um lixo; talvez à ideia de que há demasiadas injustiças para com grupos de miúdos que decidem emular o pior da televisão e da cultura da fama e do capital porque não conhecem melhor; talvez criticar os críticos, defender a merda, uma mistura de ambos. Na verdade, aquilo onde deveríamos querer chegar era a esta simples frase: Tonight é um compêndio de canções dance-pop básicas e no entanto orelhudas o suficiente para não nos enjoar muito, um pouco como mergulhar o rosto inteiro numa pia cheia de caramelo derretido porque somos glutões mas depois paramos para pensar foda-se, fiquei todo besuntado, e, talvez acima de tudo, assaz divertidas. Lá está; não é música feita para que pensemos nela. A temática continua a ser aquela mencionada ali em cima, o Auto-Tune novamente exagerado, o espírito rave uma miragem de uma miragem de três miúdas nascidas numa roulote perdida na Califórnia. Mas precisávamos de uma justificação para este texto. Uma melhor explicação sobre o porquê da abordagem a um disco do qual qualquer mente dita sã quererá manter distância. Não deviam: Tonight é possivelmente a coisa mais pop e menos pretensiosa que ouvirão este ano, contando já com os nomes da praxe e não esquecendo que os One Direction actuarão no Pavilhão Atlântico daqui a alguns meses. Prazer culpado? Pessoalmente falando, nós não temos culpa nenhuma.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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