DISCOS
The Constantines
Shine a Light
· 09 Out 2003 · 08:00 ·
The Constantines
Shine a Light
2003
Sub Pop


Sítios oficiais:
- The Constantines
- Sub Pop
The Constantines
Shine a Light
2003
Sub Pop


Sítios oficiais:
- The Constantines
- Sub Pop
A honestidade na música – de quem a produz e de quem a divulga ou a negoceia – foi, desde sempre, uma qualidade ou um mérito a colocar em causa. Existem, aliás, neste contexto, múltiplos casos de gente que se rendeu aos encantos da fama e nela se perdeu ou se quis perder. Outros exemplos há de arrogância e autismo perante todo este universo. O outro lado da questão diz-nos que a honestidade da música é algo que, pelo contrário e desde sempre, se mirou à distância. É um traço que se distingue sem quaisquer tipo de reservas. Num mundo que não nega a pop mas que lhe é marginal, entidades artísticas como as de Iggy Pop, The Clash, Patti Smith, Sonic Youth, Pixies, Fugazi ou Nirvana revelaram-nos como o rock pode ser sincero, independentemente de quem o produz.

Oriundos de Ontário (Canadá), após a estreia em 2001 com um álbum homónimo, os Constantines têm, no recente Shine A Light, algo a dizer a respeito da honestidade, ou não fossem eles um dos mais impressionantes testemunhos vivos de generosidade musical que o início de século nos deu a conhecer. No entanto, é sabido que a honestidade nunca foi condição de acesso natural à criatividade e à diferença. Podem coincidir, contudo, mas, por enquanto, não é este o caso.

Conotados por alguns media como indivíduos assumidamente apaixonados pelo punk dos finais da década de 70 e devedores do hardcore dos anos 80 e do indie rock dos anos 90, os Constantines desvendam, neste registo, que, apesar da sua curta carreira, estão a traçar um caminho certeiro na busca de uma identidade que fez, por exemplo, dos Clash ou dos Pixies bandas únicas, porque distintas. A honestidade parece ser, assim, a via de acesso natural a uma meta muitas vezes cobiçada que dá pelos nomes pomposos de independência e criatividade artísticas. No entanto, e por enquanto, Shine A Light é, ainda, um esboço de tamanha ambição. Os Constantines sabem manejar referências, mas estão longe de se desmembrarem delas. Dos Fugazi aos Trail Of Dead, passando por Springsteen – sim, o Bruce - e pelos Clash, eis os modelos susceptíveis de identificação em Shine A Light.

«National Hum», o tema de abertura, transporta-nos à garagem da qual os Constantines saíram, constituindo o prémio de «melhor exercício de cortar a respiração do álbum», onde o punk ganha destaque, mas sem que se descortine nele algum tipo de frescura criativa. Eis que, subitamente, uma luz é acendida. Will Kidman, o novo teclista de serviço, surge da escuridão para fazer crescer um tema já por si belo, «Shine A Light». Já no primeiro single do álbum, «Nighttime/Anytime (It’s Alright)», a rudeza e o sufoco voltam a tomar de assalto o universo dos Constantines, sob a alçada das referências Fugazi e Trail Of Dead. «Insectivora» volta a alinhar a tenacidade dos teclados descortinada no tema-título à rugosidade das guitarras, culminando numa distorção sinfónica de qualidade mediana. É, contudo, em «Goodbye Baby & Amen» que se parece descobrir a veia mais interessante dos Constantines. Sobre uma única nota de piano tocada até à exaustão corre uma bela balada de uma dolência e subtileza marcantes. A voz de Bry Webb lembra Greg Dulli dos Afghan Whigs em sussurro confessional e o saxofone recorda-nos Danna Colley e as ambiências mais arrastadas do último álbum dos Morphine, The Night, mas a elegância com que se vai expondo o tema faz-nos querer viver até à eternidade neste conformismo reconfortante. O que se segue são, infortunadamente, momentos de pouco brilho. Da herança springsteeneana envolta de guitarras indie em «On To You» ao melodioso punk épico «Tank Commander (Hung Up in a Warehouse Town)», salva-se «Scoundrel Babes» com Steven Lambke, aqui nas vozes, a rematar um cruzamento musical surpreendente entre os Clash e os dEUS dos primeiros tempos. Eis que, depois do declínio do interesse revelado em determinados pontos da viagem comandada pelos Constantines, surge-nos «Sub-Domestic», o último tema e pérola do disco, que nos parece remeter para uma realidade alucinada e alucinante, onde Springsteen descobre os ácidos e, sob o seu efeito, constrói um dos melhores temas da sua carreira.

Se as pistas mais relevantes aqui apontadas determinarem o futuro dos Constantines, certamente honestidade e fulgor criativo poderão significar, conjuntamente, a consagração. Por enquanto, dêmos-lhes o tempo suficiente para se desvincularem das suas ascendências. «Young hearts be free tonight (…), can I get a witness?», cantava Webb em «Young Offenders». A grande libertação ainda não se deu e a luz ainda não brilha o suficiente, mas há um futuro Constantines à espreita.

Alguém falou em punk com arte?
Tiago Carvalho
tcarvalho@esec.pt

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