DISCOS
Death Grips
The Money Store
· 30 Abr 2012 · 09:57 ·
Death Grips
The Money Store
2012
Epic


Sítios oficiais:
- Death Grips
Death Grips
The Money Store
2012
Epic


Sítios oficiais:
- Death Grips
O hip-hop de agora, agora.
O hip-hop é o mais mutável dos géneros musicais. Para além do ritmo - a única característica que conseguimos apontar de facto a todos os que se expressam segundo a sua linguagem - não segue uma linha tradicional, um método específico de trabalho, ao contrário da maioria das bandas rock ou da música de dança (contando já com as centenas de subgéneros). Isto tem-no tornado não só um terreno fértil para a criatividade de cada qual dos seus falantes, como tem permitido - e até por via deste último - a sua subsistência e crescente afirmação de há trinta anos até hoje. O hip-hop não olha nunca para o que fica para trás; quebra-se, separa-se, cada cena independente evolui paralelamente às outras, não criando raízes em ponto algum. Existem alguns mitos em torno de rappers do passado, mas não se assiste à sua deificação; são respeitados, mas tidos como um produto já gasto, o que não acontece no rock, onde bandas com vinte, trinta anos de carreira são ainda tidas como o template daquilo que o género deveria ser. Grandmaster Flash, Eric B. & Rakim, Public Enemy, Dr. Dre, 2Pac (por mais hologramas que existam), Eminem: conhece-se e reconhece-se a qualidade em cada um destes nomes, mas percebe-se que o seu tempo acabou, não terão nunca mais a mesma relevância que tiveram e que as novas vagas terão. E assim sucessivamente. O por agora gigante Kanye ou os novatos A$AP Rocky, Lil B, o colectivo Odd Future e estes mesmos Death Grips serão alvo do mesmo destino. O hip-hop não se alimenta de nada que não do presente, o que é bastante diferente do que dizer que se alimenta do hype.

Daí que não se poderá afirmar, como tem sido feito, que os Death Grips ou qualquer dos outros projectos que tem vindo a dar cartas no hip-hop da nova década são o futuro do hip-hop, porque este não se define. Não existe. Poderão criar uma onda enorme de culto, mas morrerão aí - o género em si não permitirá a sua durabilidade. Só poderão ser avaliados segundo o período em que se inserem. E, por agora, o período é este: o da expansão do rótulo indie e a primeira vaga de miúdos que cresceram não a ver desenhos animados na televisão, mas colados à Internet. Com as vantagens e desvantagens que daí advêm, embora no caso destas últimas seja já o filtro nostálgico que as gerações mais velhas possuem que tratará de as apontar. Os Death Grips são um dos sons do hip-hop de agora, e é sobre isso que teremos de suportar quaisquer críticas. E, posto isto, pode-se então escrever: os Death Grips são uma das melhores bandas de hip-hop da sua geração.

Para trás fica o excelente registo de 2011 - Exmilitary - e a transição para uma major, neste caso a Epic, o que impulsiona quase sempre uma mudança na sonoridade, sendo certo que a atitude - uma fúria irracional contra o que quer que se mova - ainda permanece nos Death Grips. The Money Store não contém samples imediatamente reconhecíveis do rock de outrora, mas a bílis repescada ao punk e a garra de Zach Hill na bateria não fugiram em nome de um maior apelo mainstream. Stefan Burnett, embora ainda guarde na voz um grito de guerrilha, está ligeiramente menos cáustico nos seus versos (não há algo tão brilhante quanto Cuz all I really need is some cool shit to mob / Like driving down the street to the beat of a blow job, mas existe, por exemplo, Guerilla bass, straight from the trenches / Posers impaled on picket fences, quase tão divertido/medonho), mas ainda aterroriza quem quer que lhe ouça o rap acelerado, como na faixa inicial, "Get Got", sob um pulsar de electrónica distópica que parece destinado a pistas pós-apocalípticas. A preocupação da banda neste disco parece ter sido, sobretudo, a criação de ganchos instantâneos - como o comprovam, logo a seguir, os sintetizadores funky do refrão de "The Fever (Aye Aye)" ou a toada club de "Hacker", no final, capaz de fazer lembrar momentaneamente o hino que é "Revolution 909", dos Daft Punk.

Há que admitir, no entanto, que os Death Grips fazem hip-hop para aqueles que habitualmente se posicionam longe do género. Neste aspecto estarão mais próximos dos Atari Teenage Riot ou dos Underworld: bandas que, não fazendo rock no seu sentido lato, encontravam maior apelo junto dos fãs tradicionais desse género. Mas não deixam de ser hip-hop, por muito que a falta de groove per se, o rap fragmentado de Burnett ou a base rítmica ruidosa atestem o contrário, não adiantando sequer colar-lhe a indicação "pós" ou "alternativo". Assim como Chuck D era incendiário sob Slayer, os Death Grips são incendiários sob uma massa quase amorfa de graves e subgraves, sendo que é a guitarra em "I've Seen Footage" que permite que esta aja como a "She Watch Channel Zero" de 2012. Não enquanto comparação, homenagem, consideração - como algo que só a este período se relaciona. The Money Store pode não ser o melhor dos álbuns lançados este ano, mas mostra uma banda disposta a fazer-se nome sem se preocupar com a posterior efemeridade a que estará sujeita. E isso é algo que merece respeito: que haja pessoas que não tenham medo de morrer.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

Parceiros