Cais do Rock Vol.4
2002
Lowfly Records
Sítios oficiais:
- Lowfly Records
Cais do Rock Vol.4
2002
Lowfly Records
Sítios oficiais:
- Lowfly Records
A priori de qualquer análise sobre «Cais do Rock
Vol. 4», a compilação, partamos de uma suposição: se, de facto, existe uma
cena de música independente nacional, deve-se o feito em grande parte, sobretudo
pelo pioneirismo e pelo desempenho revelados, a uma editora - a Lowfly. A ela
vimos associada, desde 1994, a realização do Festival Cais do Rock, em Póvoa
de Varzim, no qual actuaram, entre outras, bandas como os Zen, os Primitive
Reason, os Pinhead Society, os Coldfinger, os Supernova ou os Astonishing Urbana
Fall, nomeadamente no exórdio das suas carreiras. À Lowfly deve-se ainda, por
exemplo, a edição internacional do single «I Confess» de Bonnie Prince Billy
ou a edição de álbuns de gente como os Dr. Frankenstein e os Clockwork. A divulgação
de novos projectos de origem nacional, independente de géneros estilÃsticos,
parece ser desde sempre, aliás, a principal preocupação da editora nortenha
e qualidades como honestidade e empenho terão contribuÃdo certamente para o
crescimento de uma editora que não vive propriamente numa mansão com piscina
e com campo de golfe.
«Cais do Rock Vol. 4» conta, no alinhamento, com alguns dos projectos
que actuaram no Festival Cais do Rock nas edições de 2000 e 2001 e com outros
que a Lowfly planeou levar ao palco do Festival Cais de Rock no ano de 2002,
projecto esse que viria a ser interrompido pela Câmara Municipal de Póvoa de
Varzim que deixou, nesse ano, de apoiar o evento por motivo de «contenção de
despesas». Deste modo, «Cais do Rock Vol. 4» surge num perÃodo conturbado
da editora mas nem por isso o denuncia. São vinte e cinco os temas que percorrem
a compilação, propriedade de dezasseis projectos nacionais e de nove internacionais
- com sede em paÃses como Espanha, México, Inglaterra, Itália, Bélgica, Suécia
e Estados Unidos da América.
Do extenso leque de sons e temas, a melhor parte é-nos oferecida por Old Jerusalem
que, em «So Developed in Our Serfdom», nos apresenta a sua folk de teor acústico
e delicado, pelos Alla Polacca que em «2:59:57m» investem numa mini banda sonora
simultaneamente trágica e confiante à la Philip Glass depois de ter ouvido OK
Computer, pelos Dr. Frankenstein que traçam um brilhante momento musical
para acompanhar uma cena de assalto num filme de série b em «Road To Tabasco»
e pelos Fingertrips que espalham, tão sabiamente, o seu humor negro sobre uma
toada ska triste em «Mr. Freddy». Curiosamente são também nomes recentes como
Bypass, Fat Freddy, Stealing Orchestra, Americans Are Dangerous e Glory Vox
– todos eles de origem nacional – a marcarem os melhores momentos do disco,
a par dos nomes já citados. Os veteranos More Republica Masónica e Cello, ironicamente,
cumprem a mediania.
O principal senão do disco será, porventura, o facto da qualidade musical decrescer
consideravelmente a meio da viagem, quando projectos como Old Jerusalem, Bypass,
Alla Polacca, Fat Freddy, Stealing Orchestra e Dr. Frankenstein, todos de seguida
e anteriormente, elevaram grandemente as expectativas. Projectos como Fifty
Foot Combo (Bélgica), Lost Acapulco (México) e The Nuggets (Suécia), apesar
de remeterem-nos, sem grandes acidentes, para uma tradição rock’n’roll
e surf, não conseguem imprimir no ouvinte a sensação de novidade e muito
menos de diferença. Por sua vez, no campo do morno, deparamo-nos com uns Deluxe
(Espanha) a cantar Beatles com a voz de Beck e uns Kryptonics (Portugal) a recordarem-nos
o rock bem disposto dos Presidents Of USA.
Finalmente a coisa volta a aquecer com os Glory Vox que, simpaticamente,
cruzam a música dos Paradise Motel com a voz de uma Polly Jean Harvey mais contida
(verificar em «Eternal Love»). De súbito, surge o pior. Alex Lowe (Inglaterra)
e Galáctica (Espanha) conseguem assinar os piores momentos de uma compilação
repleta de bons exemplos. Sensaboria será um termo adequado à sensação que é
ouvir estes dois temas. No entanto, não há nada que não nos salve de tamanho
trauma: Cello e The Fingertrips assinam os derradeiros rebuçados da compilação,
marcados por uma sensibilidade pop – elegante, no primeiro caso, e calorosa,
no segundo – de fazer roer as unhas a muitos projectos que andam por aà à procura
desse valor que não se compra: a autenticidade.
Apesar de alguns instantes inconsequentes, a compilação revela-nos grandes surpresas,
nomeadamente de origem nacional, que nos remetem para uma constatação: Portugal
é, cada vez mais, um receptáculo de novos projectos com pernas para andar mas
falta-lhe, muitas vezes, a existência e a consistência de meios de edição e
divulgação. Salvo seja, assim, o trabalho desenvolvido pela Lowfly há cerca
de uma década e de novas editoras como a Bor Land, a Nylon, a mono¨cromatica,
a Lisbon City Records e a Independent Records. Tiago Carvalho
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A pretexto da compilação Cais do Rock Vol. IV
da independente Lowfly Records, aproveitamos para dar conta da edição
do single de estreia do projecto do Porto Fingertrips, também editado
pela editora de Rui Ricardo e Esgar Acelerado. Formados em 2001, e compostos
por Purple na voz, Necko na guitarra, Xamax no baixo, Pedro na bateria, Figas
nas teclas, Nanda no saxofone alto e Hélder no saxofone tenor, os Fingertrips
criaram todo um imaginário cenográfico que muito contribui para
uma personalidade bem vincada. Nos concertos, dizem, atingem o seu expoente
máximo de festa. Puros delírios de mostra de talento nato, em
canções de gangsters que vagueiam por uma noite com tons pouco
definidos. O single é constituído por dois temas, “Mr. Freddy”
e “Guilt”, sendo que o primeiro também se encontra na compilação
em cima analisada, embora numa versão diferente. Ambas as músicas
devaneiam por entre uma toada ska festiva e um cenário que lembra dinheiros
sujos e “garotas” à espera de companhia, pertencente ao imaginário
criado pela banda. Uma boa surpresa. Tiago Gonçalves