DISCOS
Tyler, The Creator / Death Grips
Goblin / Exmilitary
· 10 Mai 2011 · 00:29 ·
Tyler, The Creator / Death Grips
Goblin / Exmilitary
2011
XL / Popstock / Ed. de autor
Tyler, The Creator / Death Grips
Goblin / Exmilitary
2011
XL / Popstock / Ed. de autor
Dois discos de hip-hop que fogem às regras habituais do hip-hop, sem invenções ou reinvenções.
My Beautiful Dark Twisted Fantasy foi, no ano passado, considerado quase unanimemente como o grande disco de hip-hop lançado nesse período, não fugindo sequer aos exageros típicos de que seria o melhor disco da década. Opiniões, contudo, alicerçadas em óptimas razões: era um disco onde Kanye West dava largas a toda a sua ambição de querer ser maior do que a vida; onde a excelente produção falava mais alto do que as rimas - não querendo negar que Kanye seja capaz de enormes momentos líricos -, indo buscar/roubar a campos tão díspares como Bon Iver, Scott-Heron ou King Crimson; onde a linha entre o que é "alternativo" e o que é "mainstream" praticamente não existia, colhendo elogios tanto da Rolling Stone como da Pitchfork e o seu famigerado 10.0.

Chegamos a 2011 e o hype muda de mãos. Porque não podemos, ao ouvi-los, deixar de pensar nestes dois discos - Goblin e Exmilitary - como uma espécie de antítese a toda essa pompa e circunstância, quase um eco dos célebres confrontos entre o punk e o prog. Não que a produção seja pura e simplesmente colocada de parte; se em Goblin é relegada para um plano minimalista em favor das rimas egocêntricas/auto-depreciativas de Tyler, the Creator, em Exmilitary o enfoque encontra-se todo ele no beat visceral e no ruído arrancado às guitarras e aos efeitos, uma perspectiva de "nós contra o mundo" por contraste com "o mundo contra nós". Ou seja: em Goblin valorizamos os pensamentos negros de um puto de dezanove anos com os seus problemas e quereres e em Exmilitary o rap é literalmente um grito, as rimas uma coisa secundária quando comparadas à simples visão de um punho erguido.

Como começar a falar de Goblin, ou sequer dos Odd Future, sem falar do rosto por detrás de tudo? Tyler, the Creator, e todos os seus alter egos, com quem conversa constantemente, são sem dúvida o que faz mover e o que torna apelativo o grupo. Assim de repente, Tyler parece o adolescente típico que expõe toda a sua vida nas histórias que conta, mas logo de seguida admite: é tudo mentira. Ou será mesmo? É difícil dizer onde começa e acaba a verdade em torno de Tyler, tendo-se apenas a certeza de que Earl Sweatshirt (ou Thebe) está de facto longe do grupo no período em que este começa a receber aclamação por parte das massas que ao mesmo tempo procuram e desprezam. O nosso lado cínico tenderá a pensar nisto tudo como uma brilhante jogada de marketing - os gritos de "FREE EARL", "SWAG" e "WOLF GANG / GOLF WANG" tendo-se rapidamente convertido em memes. Mas a personagem Tyler mantém o seu fascínio; e os críticos que detesta ou parece detestar irão sempre tentar saber quem é, realmente, este rapaz.

Ele próprio se define: I'm a fucking walking paradox - no I'm not, a primeira frase com que nos aborda em "Yonkers", o tema que, juntamente com o vídeo que o acompanha, deu a conhecer os Odd Future a quem ainda não tinha ouvido Bastard ou perdeu a sua aparição no programa de Jimmy Fallon em Fevereiro. Mas Goblin não se resume, afortunadamente, a "Yonkers" e ao seu beat esparso e sintetizadores assustadores (ter em mente: we don't fucking make horrorcore, you fucking idiots). Existem muitas e boas malhas por onde se pegar; sendo verdade que é a trilogia "Goblin"-"Yonkers"-"Radicals" que ali ao início dá o tom para o restante do disco, não se deve colocar de parte "Window", oito minutos de "desespero" final, onde cada um dos membros dos OFWGKTA tem direito a uma parte e é abatido no final por Tyler, que fica só com a sua consciência. Longe das auto-flagelações, saliente-se as reminiscências G-Funk de "She" e "Analog", a patetice alegre de "Transylvania" ou a love story possível em "Her". Ressalvas: "Sandwitches", que soa bastante melhor ao vivo, tem aqui uma vertente mais militar e ligeiramente mais aborrecida, sendo contudo de salientar a participação de Hodgy Beats; e "AU79", um instrumental interessante mas que é um fosso demasiado fundo após o pico em "Window", e que tende a fazer esquecer que "Golden" é um enorme tema de encerramento. No seu todo, Goblin é um dos grandes discos que se irão ouvir em 2011. Longe das tentativas de dissertação sobre Tyler a personagem, há que elogiar Tyler o artista, dono de um flow e lírica irrepreensíveis. Ignorem-se então as temáticas: weren’t [critics] 18 years old at some point, just having fun?

Sem muito do hype que se gerou à volta dos Odd Future encontra-se o projecto Death Grips. O que se estranha, já que afinal de contas, Zach Hill tem ali uma perninha. Exmilitary, como referido anteriormente, dá uma maior ênfase ao lado instrumental do que às palavras, mas sem as renegar para segundo plano; o resultado é uma amálgama de ruído e agressividade, onde as guitarras chocam directamente com as batidas e temos cânticos de revolta como aquele que ecoa em "Beware": I close my eyes and cease it / I clinch my fist and beat it / I light my torch and burn it / I am the beast I worship. Exmilitary é um disco de hip-hop estranho e violento. Tal como no caso dos Odd Future, vêm-nos os Wu-Tang à cabeça, mas é um pensamento breve. "Guillotine" é uma faixa como há muito não se ouvia, absolutamente incrível, completamente alterada, uma espécie de grime sem o ser; tal como o banging de "Lord Of The Game", coisa para dançar e/ou espancar pessoas na rua, ao acaso, gritando Fuck where you're from, fuck where you're going, it's all about where you're at!.

Os melhores momentos de Exmilitary encontram-se, no entanto, quando reconhecemos um sample de um headbangingpassado: "Klink" vai buscar os Black Flag, "Spread Eagle 'Cross The Block" o clássico "Rumble", de Link Wray, e - já que começámos a falar de prog - "I Want It I Need It" pega em "Interstellar Overdrive" dos Pink Floyd e transforma-a, como se fosse possível, em algo ainda maior. Com uma produção mais virada em criar o maior ruído possível ao invés de acertar com todos os compassos, Exmilitary não é para a maioria dos ouvidos, mas funcionará talvez como uma bela porta de entrada para o mundo do hip-hop para aqueles que em 2011 ainda acham que o hip-hop é só bitches & bling. Ajudemos: o disco pode ser retirado gratuitamente daqui.

Não nos iludamos. Não temos nem em Goblin nem em Exmilitary qualquer espécie de futuro do hip-hop, porque nem um nem outro alimentam essa pretensão; não vale sequer a pena falar de "revolução", uma palavra que de tão abusada nos últimos tempos praticamente perdeu o seu sentido original. O que conta quando falamos de Odd Future ou Death Grips é o momento presente; dois conjuntos que acabam de lançar dois discos excelentes, diferentes entre si, mas com a mesma raiz: uma alternativa. Ou então, até pode ser que se estejam pura e simplesmente nas tintas para a "alternativa", querendo apenas fazer o que lhes dá na real gana. O que quer que funcione, em ambos os casos. O que quer que seja, funciona.
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

Parceiros