O Atlântico faz toda a diferença na forma como a Europa entende Les Claypool e os seus Primus. Aquele que é um dos mais célebres e incansáveis baixistas nos Estados Unidos, poucas vezes traduziu esse estatuto entre o público europeu, que o vê como a figura curiosa de “My Name is Mud� (clássico dos Primus e momento inesquecível do Woodstock de 94) e pouco mais. A explicação é fácil: Les Claypool utiliza a excentricidade e o virtuosismo como armas apontadas ao seu próprio país. Não é por acaso que o ponto alto dos Primus é o tema de abertura gravado para South Park, série que ilustra aquele fim do mundo que todos conhecemos pelos maus hábitos e um puto gordo capaz de conspirar um genocídio só para ter um carrinho telecomandado.

Apesar do homem ser ocasionalmente chato na perfeição técnica com que domina o baixo (foi recusado nos Metallica por ser bom demais), há que reconhecer em Les Claypool um talento enorme para a caricatura dos red necks e escumalha branca que vota no partido Republicano e ama o NRA. Sem destoar, Of Fungi and Foe, álbum formado a partir das deixas gravadas para um jogo de computador e um filme, tem nessa crítica interna a sua maior força (e uma das poucas, acrescente-se).

Les Claypool adora transformar americanos típicos em figuras grotescas: “Mushroom men� faz um retrato jocoso-alegre dos homens presos num só lugar e envenenados pelo meio; “Red State Girl� atira-se a um desenho surrealista da bitch Republicana Sarah Palin. Quando esse ataque precisa de sustento musical, além daquele que obtém com mil instrumentos de fanfarra, o mais difícil é Les Claypool não arrancar umas linhas sobressaltas ao baixo que há muito passou a ser extensão do seu corpo. E, nesse sentido, “Booneville Stomp� recorda os bons tempos do inspiradíssimo (embora fatigante) Sailing the Seas of Cheese, dos Primus.

Of Fungi and Foe vive bem na redoma do seu universo bizarro e na pele de objecto acessório. Trata-se, afinal, de um disco que aproveita material originalmente pensado como música ambiente para um primeiro plano visual. É fácil imaginar um macaco aos pulos, num jogo de plataformas, sempre pronto a amealhar cifrões, bananas e cogumelos. Podia ser o irmão símio de George Bush. É ele que surge camuflado no canto inferior direito da capa do disco. No fundo, é ele o mote para as piadas que Les Claypool transforma em música nos últimos anos.