DISCOS
Fever Ray
Fever Ray
· 10 Set 2009 · 00:08 ·
Fever Ray
Fever Ray
2009
Rabid / Nuevos Medios


Sítios oficiais:
- Fever Ray
- Rabid
- Nuevos Medios
Fever Ray
Fever Ray
2009
Rabid / Nuevos Medios


Sítios oficiais:
- Fever Ray
- Rabid
- Nuevos Medios
A programação tardia da SIC Mulher não chega para resolver os mistérios e ambiguidades da fantástica fábula sexual narrada pela metade feminina dos Knife.
Mais problemático do que discutir o sexo dos anjos é definir a sexualidade de uma música de The Knife, ou de Fever Ray, a ramificação entregue à metade feminina dos primeiros. O último dado acaba por não ser muito relevante, quando consideramos o número de vezes que já fomos ludibriados pela voz de Karin Dreijer Andersson. Recorrendo a vocoders e a outros filtros, Karin muda de voz como quem muda de máscara veneziana (uma das obsessões dos Knife) num Carnaval agitado. E acaba por ser essa promiscuidade de camaleão a fazer com que uma música de Fever Ray seja tão sexualmente aberta como o refrão que revelou os Blur em “Girls & Boys” (sem embater na ironia e paródia deste). “Ela” pode ser qualquer coisa.

Inevitavelmente, esta ambivalência infiltra-se num disco muito dado a atmosferas nocturnas iluminadas por fantasia. A cor da fantasia, no caso de Fever Ray, passa por um fluorescente que reflecte a pop mais queer dos anos 80 (Soft Cell, OMD) e relembra também a ansiedade do único tema dos Berlin ainda cantado em karaoke (por nostálgicos de um Tom Cruise piloto). Tudo isto poderia alimentar uma aberração retro, se Karin Andersson não fosse tão hábil na frescura dos seus jogos: é permanente a dinâmica entre sintetizadores e programações com um sabor exótico-futurista; o diálogo entre vozes com diferentes disfarces tem um excelente enquadramento em “Dry and Dusty” e “Concrete Walls”. Quando é especialmente medonha a transformação na voz de Karin, somos transportados até à cena de orgia de Eyes Wide Shut, de Kubrick, e àquela voz das profundezas. Uma vez mais, voltamos ao vale-tudo das máscaras venezianas.

A tal ambivalência vai mais longe e é constatável na influência dos Knife / Fever Ray sobre a cultura e vice-versa (o artwork de Fever Ray e respectivos singles é muito inspirado pela novela gráfica Black Hole(outra obsessão dos Knife), de Charles Burns, em que os jovens sofrem mutações conforme descobrem a sua sexualidade). Alguém mais atento soube aproveitar a dádiva da ambivalência, e “Take My Breath Away”, dos Knife, surge precisamente na parte mais quente do trailer de En Soap, quando é aconselhável sugerir que a tragicomédia passa pelas cambalhotas dadas por um transexual e uma mulher atraente com um apetite experimental. O “swing” de Chicago, retratado no filme Untied Strangers, reclamou também a música dos Knife e logo através de “Heartbeats”, umas das mais eficazes músicas afrodisíacas da década (ficou à porta dos 50 singles).

Na versão mais branda de José González, dava para entender melhor o verso nuclear de “Heartbeats”: One night to be confused. Por aqui, esperamos ser confundidos por Fever Ray, que é, por excelência, o disco certo para quem dança como se ninguém estivesse a ver. O disfarce na voz altamente manipulada de Karin Andersson é o disfarce que sobra para usufruição. E este pode até ser um disco insuperável na carreira de Fever Ray, porque a incerteza das suas letras é o que mais contribui para a excitação de estarmos a ser levados por uma entidade incógnita. As canções citam desenvolvimentos incompletos e duas pessoas que falam ao telefone para retardar a idade adulta. O ponto de interrogação ainda é o mais sexy dos sinais de pontuação, não?
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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