DISCOS
V/A
Palermo Shooting OST
· 25 Fev 2009 · 09:50 ·
V/A
Palermo Shooting OST
2008
City Slang / Nuevos Medios


Sítios oficiais:
- City Slang
- Nuevos Medios
V/A
Palermo Shooting OST
2008
City Slang / Nuevos Medios


Sítios oficiais:
- City Slang
- Nuevos Medios
Antes de estrear o seu mais recente filme no Fantasporto, Wim Wenders fica a saber que boa música nem sempre chega para salvar um mau filme.

Não são raras as vezes em que a seriedade de um filme é proporcionalmente inversa à teimosia do realizador que adora ver os músicos que mais admira nos principais papéis dos seus filmes. A tendência não só resulta muitas vezes em desastre artístico (olá, Madonna), como também em colapso financeiro para os estúdios que vão na cantiga (a lenda country Kris Kristofferson encabeça o elenco de As Portas do Céu – Heaven’s Gate, colossal fiasco ainda hoje recordado como lição). Diante de um projecto suspeito, quem financia pode até assinar a papelada repetindo mentalmente:Olha, o Lou Reed entra. As pessoas querem ver o Lou Reed. Os produtores que se desenganem: um filme não se limita à soma de rostos reconhecíveis e demais figuras de culto.

Também conhecido por casar cinema e música com eficácia inconstante, Jim Jarmusch gosta de acumular gente com pinta como sustento para os seus filmes: John Lurie e Tom Waits definiram o que pode ser a “coolness presidiária” no excelente Down By Law; por sua vez, a saga Coffee and Cigarettes conhece os seus momentos brilhantes, mas é evidentemente desequilibrada (embora fiquem muito bem a preto-e-branco, os White Stripes são terríveis intérpretes no segmento que lhes é reservado). Mais vezes do que seria desejável, Wim Wenders, realizador alemão muito admirado por cá, acaba também atraiçoado pela cegueira provocada pela motivação melómana dos seus filmes.

Se descontarmos o retrato afectuoso e nostálgico que reaviva a música cubana em Buena Vista Social Club, muito vacila Wim Wenders à mercê de uma confiança excessiva depositada no trunfo musical guardado na manga. Na verdade, por mais estilizado que seja, um teledisco dos U2 não chega para salvar um objecto como Million Dollar Hotel. Em situação paralela (e mais recuado no tempo), Viagem a Lisboa - Lisbon Story resulta bem como poema visual dedicado à cidade (e, por arrasto, aos Madredeus), mas chega a ser constrangedor na falta de substância no que respeita a narrativa. A julgar pelas péssimas reacções recebidas em quase toda a parte, o mais recente Palermo Shooting é, para já, uma banda-sonora bem recheada à procura de ser um filme credível.

Com a inclusão de nomes como Portishead, The Velvet Underground ou Beirut, uma banda-sonora parece aposta ganha à partida. A sumarização do conjunto é fácil: canções à consideração da paixão e da morte formam panorama sonoro para a história de um fotógrafo (desempenhado por Campino dos Die Toten Hosen) que se esquiva à Morte nas ruas de Palermo. O mais difícil é, depois, compreender a infiltração de vários resíduos próximos daqueles que a rádio mais jurássica oferece como sedativo. Só a velhice de Wim Wenders pode desculpar banalidades como “Beds in the East”, decalque dos Radiohead engendrado pelo alemão Thom (Thom?!!), e uma “My Impropriety” que assinala os Monta como mais uma gota no oceano de aspirantes a próximos Death Cab for a Cutie. Muito mais engraçado é reparar em como a voz de Nick Cave se parece com a de Scott Walker (referência maior do australiano?) numa “Song for Frank” atribuída aos Grinderman e, no filme, dedicada a uma Morte inevitável interpretada por Dennis Hopper. “Song for Frank” é reveladora na ponte que estabelece entre os dois senhores da canção mórbida. Vale principalmente por isso.

Não fosse tão penoso na sua duração absurda (preenche toda a porção de um CD) e no despiste em passagens inconsequentes, e Palermo Shooting podia até ser mais radiante no destaque das faixas que lhe pertencem exclusivamente. Percebe-se que há por aqui ouro inédito quando Bonnie Prince Billy, a bordo do mesmo avião que Matt Sweeney em “Torn and Brayed”, canta You will not die who you were born/ From pussy bred/ From pussy torn, confirmando que ninguém actualmente versa a condição humana como ele. Ou seja, Wim Wenders tem ao seu serviço a inspiração de um poeta como Will Oldham e o melhor que faz é enquadrá-la num contexto sabotado por canções descartáveis (incluindo Zuccheros de segunda apanha). Se a selecção musical servir como barómetro para o filme Palermo Shooting, preparemo-nos então para procurar o melhor trigo entre o pior joio.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

Parceiros