DISCOS
The Lexie Mountain Boys
Sacred Vacation
· 02 Jul 2008 · 08:00 ·
The Lexie Mountain Boys
Sacred Vacation
2008
Carpark


Sítios oficiais:
- The Lexie Mountain Boys
- Carpark
The Lexie Mountain Boys
Sacred Vacation
2008
Carpark


Sítios oficiais:
- The Lexie Mountain Boys
- Carpark
Canta-se a cappella num estranho convento de sacrifícios e rituais lúdicos secretamente femininos.
Só após decorridos 8 a 12 minutos sobre o início de Sacred Vacation, é que se acende o fusível da surpresa que leva alguém desprevenido a elaborar uma consideração mental mais ou menos semelhante à seguinte:Espera. Que tipo de ilha estranha é esta em que aterrei de pára-quedas? O disco é unicamente preenchido por vozes e sons corporais na sua forma pura? As respostas não tardam: a ilha estranha é anarquicamente tutelada pelas Lexie Mountain Boys (turma de Baltimore exclusivamente feminina) e - confirma-se - todo o seu território é dominado pelos sons acessíveis a cinco mulheres em contacto consigo mesmas, entre si (?) e com um piso que parece ser de madeira (se a acústica não me engana). Posto isto, aconselha-se cautela a quem pretendesse encontrar doses adicionais do alimento agridoce e caloroso servido pela mesma Carpark com o lançamento de Devotion da dupla Beach House: Sacred Vacation é opostamente incomodativo, casa de logística impenetrável, uma calamidade que se sucede com um pretexto avant-garde, documentário desconjuntado de uma arqueologia feminina revelada através das suas manifestações mais cruas.

A importância que, num caso mais vulgar, se dedicaria a uma guitarra ou a uma bateria, recai, desta feita, sobre instrumentos geralmente desconsiderados como o diafragma e a variável abertura da cavidade oral (termo técnico usado em substituição de “boca” apenas por culpa da complicada abordagem das Lexie Mountains Boys). É tal a elasticidade desses “instrumentos desconsiderados” e tamanho o aparato com que são aplicados que se torna difícil descrever com exactidão o que se identifica entre os escombros de um Sacred Vacation que é também salada entornada sobre uma tapeçaria mística carregada de losangos e búzios.

Há blues entoados à beira-rio de uma praia fluvial para nudistas, coros temperamentais e desconcertantes, rasgos de r & b desalinhado que acharíamos ser apenas possível no dia em que as Destiny’s Child fossem obrigadas a cantar a cappella à porta de sapatarias e lojas de alta costura para arrecadar moedas para pão e leite com chocolate. Sacred Vacation é visivelmente apaixonado pela sua própria vocação absurda: seja nos momentos em que parece confiar os números de sapateado do musical-neura Dancer in the Dark à interpretação d’Os Idiotas do mesmo tirano Lars Von Trier, ou em todas as outras alturas em que se apodera do conceito (quase) exclusivamente vocal de Medúlla de Björk com o simples intuito de colocá-lo à mercê da Associação das Donas de Casa Revoltosas.

O facto das Lexie Mountain Boys provirem de Baltimore, cidade essencial na formação da identidade dos Animal Collective, pode também indiciar esta estética de “vozes e palmas somadas em euforia” como uma das mais imprevisíveis (ou nem tanto) consequências que poderia ter produzido “Baby Day”, o lado-b do single “Who Could WIn a Rabbit”, que, ao vivo e durante a fase Sung Tongs, resultava geralmente como cântico comunal de entusiasmo pré-natal cumprido apenas com voz e palmas. É redutor pensar que toda esta nova vaga de bandas chegadas de Baltimore deve algo aos Animal Collective, mas é inevitável reconhecê-lo, nem que seja até certo ponto. As Lexie Mountain Boys são honrosas pagantes dessa divida, mas nem por isso responsáveis por um disco que apele a escutas repetidas. A vaca é sagrada e peculiar no leite que dá de mamar, mas a perdição esotérica do processo faz com que o néctar branco azede depressa.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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