DISCOS
Pita
Get Out
· 19 Jun 2008 · 08:00 ·
Pita
Get Out
2008
Editions Mego


Sítios oficiais:
- Pita
- Editions Mego
Pita
Get Out
2008
Editions Mego


Sítios oficiais:
- Pita
- Editions Mego
O passado fo**do do tirano digital austríaco é revelado – com todas as letras - no interior dedicado à oportuna reedição do primeiro atentado da sua série Get.
A contenção e pudor que me possam ter levado, durante os últimos anos, a evitar o uso do adjectivo “fodido”, como termo útil à descrição de um disco, conhece justificado final nas exigências ditadas por Get Out, segundo disco na carreira do austríaco Pita e o primeiro (lançado originalmente em 1999) de uma trilogia (será?) que haveria de continuar, mesmo que sofrendo as devidas remodelações, em Get Down (2002) e Get Off (2004). Posto isto, a noção primária a reter acerca de Get Out é a de que se trata realmente de um disco “completamente fodido”, de um precoce manifesto exercido por quem, desde cedo, se decidiu pelas liberdades do “quero, posso e mando” como premissa quase imoral para todo o descalabro técnico e sublimação do ruído simulados na virtualidade de um laptop Apple Powerbook. A importância de Get Out respeita não só ao seu papel como sinal de amadurecimento por parte de Peter Rehberg (nome civil de Pita) como também ao seu lugar vital no estabelecimento de um som próprio de Viena (Áustria) que veio a ser reconhecido – aqui, tal como nos discos de Fennesz - pelo estrangulamento e véu distorcido de textura glitch impostos a um abundante caudal de melodia. Numa altura em que o terrorismo digital – elevado à sua proporção mais cósmica - de Peter Rehberg vai transformando vitimas em devotos à passagem ciclónica dos KTL (violentíssimo projecto partilhado com Stephen O’Malley dos Sunn o))) ), e atendendo a que Get Out se encontrava indisponível nos últimos cinco anos, é legitima a reedição alargada do disco, mesmo que essa inclua apenas três faixas adicionais (as mesmas que pertenciam a um split de 12 polegadas partilhado com Kevin Drumm em 2000).

Limitado à auto-suficiência das suas nove faixas originais, Get Out serve como excepcional garantia de que todo o contacto directo com um imenso corpo gracioso e magnético – tesouro profundo na colossal “3” - exige um sacrifício que passa normalmente pela exposição ao excesso residual e radiação que o mesmo corpo emite sob a forma de ofuscante ruído branco. Tomando o seu título como expressão verbalizada por alguém, Get Out passa a ser a recomendação lacónica e sarcástica dirigida ao prisioneiro desorientado pela gestão manipuladora de um cientista louco (Pita, claro) que veda todas as saídas num labirinto que se torna sufocante à medida que o peão se aproxima do centro – sufocante pelo modo como satura e engrossa as linhas com que se cosem as várias teias que se alastram em torno da nuclear esfera melódica que emerge com intensidades várias ao longo de Get Out . A prova de que Pita inverte a sua natureza abrasiva quando assim entende, encontra-se em toda a parte da faixa bónus “CE3”, que se desenvolve como registo sonoro de paul reservado à placidez dos seus discretos ruminares animais e ambiências sem gravidade. Pita pode também ser sinónimo de aura em levitação, quando assim lhe convém.

Partido do princípio que é produção mais drástica de Pita aquela que importa destacar, é também óbvio que existe lucro na aceitação desta má educação como escolaridade obrigatória para os ouvidos, nem que seja pela companhia calorosa que passam a oferecer algumas destas faixas a partir do momento em que, após convívio prolongado, deixam de ser formas abstractas para passarem a ser labirintos de resolução dificultada, mas possível. O magnifico efeito Get Out revela-se na precisa altura em que o veneno libertado pelo seu espigão “fodido” se torna soro fisiológico (transformando o som cáustico de Viena em memórias cristalizadas). O afeiçoamento ao som de Pita equivale a dobrar o Cabo das Tormentas. Get Out é o farol que mais intensamente alumia essa manobra.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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