DISCOS
Van Morrison
Astral Weeks
· 16 Jan 2003 · 08:00 ·
Van Morrison
Astral Weeks
1968
Warner


Sítios oficiais:
- Warner
Van Morrison
Astral Weeks
1968
Warner


Sítios oficiais:
- Warner
A respeito da obra de Van Morrison, Wim Wenders disse: “Não conheço nenhuma outra música que soe mais lúcida, tangível, audível, visível, palpável, nenhuma outra que se possa experimentar tão intensamente como esta. Não só momentos, mas aprofundando... períodos de experiência que transportam o sentimento daquilo que um filme pode significar: uma forma ou percepção que não se confina cegamente em significados e definições, mas que permite que a sensibilidade tome conta e cresça... onde, de facto algo se torna indescritível.”

George Ivan Morrison, ele próprio, não deixará de estar de acordo com o realizador de As Asas do Desejo. Ao longo de quase quatro décadas de entrevistas e registos da mais variada índole, o ponto em comum no seu discurso sempre foi o da manifestação da mais pura e confessa ignorância em relação à exactidão das possíveis e, mais que variadas interpretações das suas letras. A descodificação era, é e será infrutífera, tendo o próprio afirmado: “People try to pick out particular things and bring them up, when they should bring everything out because it's a total thing, a flow”, ou mesmo quando confrontado com a ínevitável busca da significância, confessou: “Sometimes you do know where the ideas are coming from and sometimes you don't. You might get a song coming through that you just don't know about. I didn't know what some of the stuff on Astral Weeks was about until years later. There's a lot of sub-conscious stuff you may write but you don't then suddenly sit down and take out your analytical books and say: I'm determined to find out where this came from. You'd probably be wrong anyway.”

Astral Weeks é suprema obra prima da música moderna, representado intemporal ponto de confluência entre rock, jazz, blues, folk, música clássica, sendo de tal forma arrebatador, que nos pouco mais de quarenta minutos que dura, Van Morrison, que se fez acompanhar por uma super formação de instrumentalistas (num exercício de puro name dropping aos nomes de: Richard Davis - baixo, Connie Kay - bateria, John Payen - flauta e saxofone e Warren Smith, Jr.- percursão estavam associadas a colaborações com, só a título de exemplo: George Benson, Charles Mingus, Chet Baker, Stan Getz, Billie Holiday, Garland Jeffreys, Sarah Vaughan, Pharoah Sanders, Cannonball Adderley, Ray Charles, Miles Davis, Ella Fitzgerald e Lester Young), nos convida e arrasta para alucinante turbilhão de imagens, metáforas e filmes de que estamos longe de poder sair, perseguidos por variações métricas e vocalizações que assumem constante jogo de forças com restantes músicos e arranjos orquestrais culminando em momentâneos períodos de silêncios ou espirais de repetição em que o próprio, hesitante e sem saber para onde a voz que vem de dentro de si o levará, hesita.

Van Morrison, natural da Irlanda do Norte, apaixonado pela colecção de discos de jazz, blues e R&B do pai, fusão de Ray Charles, Leadbelly, Muddy Watters, Woody Guthrie com Yeats, Blake e Whitman, que com 20 anos, na sua aventura kerouaciana, paricipou na invasão da America liderando os Them e deixando lanças que se tornaram verdadeiros hinos (basta lembrar Gloria), brindou-nos em 1968 com o mistério e maravilha de documento incomparável. E se, há cerca de 20 anos, em jeito de celebração do décimo aniversário do álbum que, a par de White Light White Heat, Lester Bangs considerou como sendo o mais importante e redentor na sua vida, a figura carismática e controversa da crítica musical norte americana se confessou totalmente rendida à impossibilidade de penetrar no universo astral de Van Morrison, fazendo de uma justaposição de um poema de Federico Garcia Lorca com os primeiros versos de Astral Weeks a sua derradeira homenagem ao mistério e fascínio que esta magistral e alucinante obra de arte encerra, a mim, só me ocorrerá terminar este texto citando alguém que, como Van Morrison, fez de sua voz a expressão plural do Universo:

“ Foi em 8 de Março de 1914 - acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel começei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e quantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título. O Guardador de Rebanhos. E o que se sentiu foi um aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro.”
Nuno Pereira

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