DISCOS
Destroyer
Trouble in Dreams
· 29 Abr 2008 · 08:00 ·
Destroyer
Trouble in Dreams
2008
Rough Trade / Popstock!


Sítios oficiais:
- Destroyer
- Rough Trade
- Popstock!
Destroyer
Trouble in Dreams
2008
Rough Trade / Popstock!


Sítios oficiais:
- Destroyer
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Como sobreviver com alguns golpes à ténue fronteira que separa o amadurecimento do envelhecimento (do bardo cioso).
Breve história do rock nasal

Capítulo CLXIV – Como sobreviver com alguns golpes à ténue fronteira que separa o amadurecimento do envelhecimento (do bardo cioso)

(introdução reciclada e adaptada a partir de uma conclusão de arquivo ) Numa altura em que já acusava em demasia as mazelas infligidas pelos excessos de uma vida, o realizador Luis Buñuel confessava que – com aquela idade avançada - dispensava a virilidade, se Deus lhe concedesse a renovação milagrosa dos pulmões e fígado para que pudesse continuar a apreciar os charutos e as suas predilectas margueritas. Em comum com Buñuel, Dan Bejar (tcp Destroyer) mantém uma reputação de bon vivant que o persegue e que se constatava facilmente ao comportamento sedutor que assumia perto das casas-de-banho da Galeria Zé dos Bois há uns anos (opto por preservar em anonimato o nome da testemunha-chave nesta suspeita).

Segundo reza a lenda, terá sido a sua susceptibilidade de bon vivant a fazer com que, após ter-se rendido à classe do vinho servido no backstage de uma digressão onde se ocupava das primeiras partes, aceitasse o convite para se juntar em palco aos New Pornographers, pela primeira vez (2005) em muitos anos. O próprio A.C. Newman – leme criativo da tal super-banda canadiana - adiantava, nos apontamentos sobre a alusiva “Entering White Cecília”, incluída no simpático último disco dos New Pornographers, Challenger, que toda a lírica de Dan Bejar lhe parecia abertamente sexual. É fácil concordar com isso.

Que assombrações atormentam então um bon vivant que, aos trinta e cinco anos, possa já ter pelas costas os seus diversos apogeus? Reincidindo nos mesmos enigmas alegóricos de capítulos anteriores, Trouble In Dreams é vago nas respostas que oferece à última questão, mas cede o seguinte: Dan Bejar procura agora aplicar nas canções a maturidade de 12 anos de hiperactividade, enquanto, ao mesmo tempo, tenta evitar a imagem de burguês conformado com o recheio do seu armazém de recursos. Ou seja, idealiza com segurança mais uns quantos monumentos pop (uma mão cheia, vá lá), mas vai aligeirando a seriedade disso com golpes a cargo da mesma voz nasal desconcertante e boémia jovial de sempre (apesar de irromperem por aqui guitarradas às vezes gordurosas que podiam pertencer a um mumificado Ted Nugent entregue ao sonambulismo). À sua maneira, este é o disco – o oitavo - de Destroyer que mais se aproxima do lema que os Pulp escolhiam para (ironicamente) contrariar a decadência de excessos presente em This is Hardcore:It’s ok to grow up, just as long as you don’t grow old. (que, tomando as devidas liberdades, pode ser traduzido por É porreiro envelhecer, desde que não seja para ficar “careta”.).

Mesmo assim, Trouble in Dreams é dado a todo o tipo de excessos – alguns deles, de facto, “caretas / foleiros” - que possam mais diversificadamente colorir os seus sonhos a preto-e-branco: convoca arranjos sinfónicos quando a estranheza lírica voa alto, interrompe demasiadas vezes o fluir do coito rock ao debruçar-se sobre o piano desconsolado, deflagra-se em momentos de charme nostálgico quando essa parece ser a única saída para as canções. Sobra a ideia de que Dan Bejar conseguiu – com impressionante mérito - reunir em si as capacidades e soluções de Neil Young (o aspecto pomposo de canções afastadas de um peso pretensioso) e dos Crazy Horse (toda a massa rock de uma banda que amplia as garantias de um songwriting inspirado), embora Trouble in Dreams em pouco ou nada se pareça com um disco como Zuma. Serve esse dois-em-um como uma espécie de compensação para o facto de não ser este o álbum de Destroyer que vai superar o soberbo Your Blues, que, aquando da sua saída, caiu um pouco de pára-quedas na estima dos que o adoptaram como disco de eleição. Inversamente, Trouble in Dreams tem de se esforçar por atrair interessados até ao seu labirinto onírico de referências apenas adjectiváveis como típicas de Destroyer. O pior sarilho em que se meteu Dan Bejar foi ter de suar um disco quando tudo até aqui soava muito mais natural.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
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