Breve histĂłria do rock nasal
CapĂtulo CLXIV – Como sobreviver com alguns golpes Ă tĂ©nue fronteira que separa o amadurecimento do envelhecimento (do bardo cioso)
(introdução reciclada e adaptada a partir de uma conclusĂŁo de arquivo ) Numa altura em que já acusava em demasia as mazelas infligidas pelos excessos de uma vida, o realizador Luis Buñuel confessava que – com aquela idade avançada - dispensava a virilidade, se Deus lhe concedesse a renovação milagrosa dos pulmões e fĂgado para que pudesse continuar a apreciar os charutos e as suas predilectas margueritas. Em comum com Buñuel, Dan Bejar (tcp Destroyer) mantĂ©m uma reputação de bon vivant que o persegue e que se constatava facilmente ao comportamento sedutor que assumia perto das casas-de-banho da Galeria ZĂ© dos Bois há uns anos (opto por preservar em anonimato o nome da testemunha-chave nesta suspeita).
Segundo reza a lenda, terá sido a sua susceptibilidade de bon vivant a fazer com que, apĂłs ter-se rendido Ă classe do vinho servido no backstage de uma digressĂŁo onde se ocupava das primeiras partes, aceitasse o convite para se juntar em palco aos New Pornographers, pela primeira vez (2005) em muitos anos. O prĂłprio A.C. Newman – leme criativo da tal super-banda canadiana - adiantava, nos apontamentos sobre a alusiva “Entering White CecĂlia”, incluĂda no simpático Ăşltimo disco dos New Pornographers, Challenger, que toda a lĂrica de Dan Bejar lhe parecia abertamente sexual. É fácil concordar com isso.
Que assombrações atormentam entĂŁo um bon vivant que, aos trinta e cinco anos, possa já ter pelas costas os seus diversos apogeus? Reincidindo nos mesmos enigmas alegĂłricos de capĂtulos anteriores, Trouble In Dreams Ă© vago nas respostas que oferece Ă Ăşltima questĂŁo, mas cede o seguinte: Dan Bejar procura agora aplicar nas canções a maturidade de 12 anos de hiperactividade, enquanto, ao mesmo tempo, tenta evitar a imagem de burguĂŞs conformado com o recheio do seu armazĂ©m de recursos. Ou seja, idealiza com segurança mais uns quantos monumentos pop (uma mĂŁo cheia, vá lá), mas vai aligeirando a seriedade disso com golpes a cargo da mesma voz nasal desconcertante e boĂ©mia jovial de sempre (apesar de irromperem por aqui guitarradas Ă s vezes gordurosas que podiam pertencer a um mumificado Ted Nugent entregue ao sonambulismo). Ă€ sua maneira, este Ă© o disco – o oitavo - de Destroyer que mais se aproxima do lema que os Pulp escolhiam para (ironicamente) contrariar a decadĂŞncia de excessos presente em This is Hardcore:It’s ok to grow up, just as long as you don’t grow old. (que, tomando as devidas liberdades, pode ser traduzido por É porreiro envelhecer, desde que nĂŁo seja para ficar “careta”.).
Mesmo assim, Trouble in Dreams Ă© dado a todo o tipo de excessos – alguns deles, de facto, “caretas / foleiros” - que possam mais diversificadamente colorir os seus sonhos a preto-e-branco: convoca arranjos sinfĂłnicos quando a estranheza lĂrica voa alto, interrompe demasiadas vezes o fluir do coito rock ao debruçar-se sobre o piano desconsolado, deflagra-se em momentos de charme nostálgico quando essa parece ser a Ăşnica saĂda para as canções. Sobra a ideia de que Dan Bejar conseguiu – com impressionante mĂ©rito - reunir em si as capacidades e soluções de Neil Young (o aspecto pomposo de canções afastadas de um peso pretensioso) e dos Crazy Horse (toda a massa rock de uma banda que amplia as garantias de um songwriting inspirado), embora Trouble in Dreams em pouco ou nada se pareça com um disco como Zuma. Serve esse dois-em-um como uma espĂ©cie de compensação para o facto de nĂŁo ser este o álbum de Destroyer que vai superar o soberbo Your Blues, que, aquando da sua saĂda, caiu um pouco de pára-quedas na estima dos que o adoptaram como disco de eleição. Inversamente, Trouble in Dreams tem de se esforçar por atrair interessados atĂ© ao seu labirinto onĂrico de referĂŞncias apenas adjectiváveis como tĂpicas de Destroyer. O pior sarilho em que se meteu Dan Bejar foi ter de suar um disco quando tudo atĂ© aqui soava muito mais natural.