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Letters Letters
Letters Letters
· 27 Dez 2007 · 08:00 ·
Consórcio de anti-pop vasculha no lixo matéria para as suas canções.
Montreal não deve ser o local mais alegre do Mundo para se viver. Não o conhecendo, mas reportando-me aos parcos conhecimentos que tenho do local, não deixa de ser recorrente o recurso a paisagens invernais, de ruas vazias e de arquitectura decadente, de uma desolação mascarada de tranquilidade e ao mesmo tempo aparentemente limpa e confortável (o que não é tão paradoxal como possa parecer). Em tempos, grande parte dos sons provenientes dessa cidade pareciam invocar essa imaginética transparecendo o abandono ao qual a cidade parecia estar votada. Por entre os escombros do post-rock taciturno de nomes como Godspeed you! Black Emperor ou Do Make Say Think era perceptÃvel a desolação nas suas peças (não curiosamente) apelidadas, e com razão de cinemáticas. Mas como é sabido, num Mundo pós-Arcade Fire, a cidade deixou de ter essa conotação tão austera, para abraçar a pop luminosa e épica, com os focos de atenção agora virados para nomes como The Dears ou Wolf Parade, e a sua música esperançosamente melancólica, a derreter a neve com a sua euforia e a transportarem para os postais da cidade tons menos monocromáticos do que aqueles que até então eram cartão de visita.
Neste seu primeiro trabalho, o trio Letters Letters aproveita-se dos destroços deixados pelos seus conterrâneos dados à s canções, para deles erigir as suas próprias criações, mutiladas, doentes, mas de forte apego ao conceito pop. Feita de escombros da electrónica mais roufenha, e conjugando um espÃrito folk patente no uso subtil de guitarras acústicas, poder-se-ia falar nuns Arab Strap menos apegados ao valium e armados dos instrumentos modificados dos Wolf Eyes, depois de uma tarde a vasculhar o catálogo da Morr Music. A "Broken Household Appliance National Forest" que serviu de cenário a esse grande tema dos Grandaddy, é aqui a imagem mais recorrente com a floresta a ser substituÃda pelos neons já desgastados da paisagem nocturna urbana. Logo na abertura com "Favorite Hands" é-se assaltado por descargas de ruÃdos metálicos que rapidamente se transformam canção. A voz nasalada de Tony Boggs exala aquele desinteresse tÃpico do indie, mas com um certo desespero a escapar-se por entre os dentes, um murmúrio, ou algo como Thom Yorke pela via Low Barlow, mas mais desafinado, que acaba por não desmerecer as caracterÃsticas da sujidade muito particular das canções da banda. "We`ll Make our Home" transporta-nos para a folk sonâmbula de uns Castanets, com arranjos incisivos a retalharem as melodias delineadas pela guitarra acústica sem que a canção se perca nesse rodopio, enquanto que em "Everyone`s Afraid of Fear" se retoma esta toada em modo mais desconcertante para depois dançar sobre o sofrimento como os Xiu Xiu tão bem fizeram em Knife Party. Que "Between the Seams" se debruce a fundo na depressão ou que a voz doce de Jenna Robertson confira à tensa "Dealer Dealer" uma sexualidade muito particular, são exemplos de como a banda consegue posicionar-se confortavelmente no limbo que separa a incoerência estética da salutar diversidade.
Para primeiro álbum, os Letters Letters parecem já saber o território onde se movem, transparecendo a ideia de que o espaço aberto ao experimentalismo é, em sua essência o pavio que vai acender as canções e não o contrário. É precisamente neste ponto que o álbum falha, não se reconhecendo ao trio um talento enorme para a escrita de canções, no final subsistem mais os apontamentos experimentais e os arranjos inventivos em detrimento das melodias. No entanto, para uma banda que logo no primeiro álbum se atira sem pejo a uma identidade (quase) própria, na sua hábil conjugação de referências, este é um argumento insuficiente para que as intenções da banda não sejam atingidas, e deixando pelo meio belos temas como a instrumental "Iron Mountain" que soa a isso mesmo, ou a demência dançável de "Wishing Well". Mais uma boa entrada no catálogo da, cada vez mais respeitável Type, infelizmente uns furos abaixo de His/Hers de Zelienople, mas felizmente acima da agradabilidade melosa que assombra alguns dos seus lançamentos.
Bruno SilvaNeste seu primeiro trabalho, o trio Letters Letters aproveita-se dos destroços deixados pelos seus conterrâneos dados à s canções, para deles erigir as suas próprias criações, mutiladas, doentes, mas de forte apego ao conceito pop. Feita de escombros da electrónica mais roufenha, e conjugando um espÃrito folk patente no uso subtil de guitarras acústicas, poder-se-ia falar nuns Arab Strap menos apegados ao valium e armados dos instrumentos modificados dos Wolf Eyes, depois de uma tarde a vasculhar o catálogo da Morr Music. A "Broken Household Appliance National Forest" que serviu de cenário a esse grande tema dos Grandaddy, é aqui a imagem mais recorrente com a floresta a ser substituÃda pelos neons já desgastados da paisagem nocturna urbana. Logo na abertura com "Favorite Hands" é-se assaltado por descargas de ruÃdos metálicos que rapidamente se transformam canção. A voz nasalada de Tony Boggs exala aquele desinteresse tÃpico do indie, mas com um certo desespero a escapar-se por entre os dentes, um murmúrio, ou algo como Thom Yorke pela via Low Barlow, mas mais desafinado, que acaba por não desmerecer as caracterÃsticas da sujidade muito particular das canções da banda. "We`ll Make our Home" transporta-nos para a folk sonâmbula de uns Castanets, com arranjos incisivos a retalharem as melodias delineadas pela guitarra acústica sem que a canção se perca nesse rodopio, enquanto que em "Everyone`s Afraid of Fear" se retoma esta toada em modo mais desconcertante para depois dançar sobre o sofrimento como os Xiu Xiu tão bem fizeram em Knife Party. Que "Between the Seams" se debruce a fundo na depressão ou que a voz doce de Jenna Robertson confira à tensa "Dealer Dealer" uma sexualidade muito particular, são exemplos de como a banda consegue posicionar-se confortavelmente no limbo que separa a incoerência estética da salutar diversidade.
Para primeiro álbum, os Letters Letters parecem já saber o território onde se movem, transparecendo a ideia de que o espaço aberto ao experimentalismo é, em sua essência o pavio que vai acender as canções e não o contrário. É precisamente neste ponto que o álbum falha, não se reconhecendo ao trio um talento enorme para a escrita de canções, no final subsistem mais os apontamentos experimentais e os arranjos inventivos em detrimento das melodias. No entanto, para uma banda que logo no primeiro álbum se atira sem pejo a uma identidade (quase) própria, na sua hábil conjugação de referências, este é um argumento insuficiente para que as intenções da banda não sejam atingidas, e deixando pelo meio belos temas como a instrumental "Iron Mountain" que soa a isso mesmo, ou a demência dançável de "Wishing Well". Mais uma boa entrada no catálogo da, cada vez mais respeitável Type, infelizmente uns furos abaixo de His/Hers de Zelienople, mas felizmente acima da agradabilidade melosa que assombra alguns dos seus lançamentos.
celasdeathsquad@gmail.com
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