DISCOS
Suzanne Vega
Beauty & Crime
· 23 Ago 2007 · 08:00 ·
Suzanne Vega
Beauty & Crime
2007
Blue Note


Sítios oficiais:
- Suzanne Vega
- Blue Note
Suzanne Vega
Beauty & Crime
2007
Blue Note


Sítios oficiais:
- Suzanne Vega
- Blue Note
Nova Iorque como nunca a havíamos ouvido.
É como se nada tivesse acontecido: as coisas continuam a ocupar os seus respectivos lugares, a servir para as mesmas tarefas, a caber ou não nos bolsos. E no entanto, tudo está diferente – mudamos um bocadinho todos os dias de forma a não parecer que mudamos de todo. É uma tarefa diária: sai-se para a mesma rua, bebe-se o mesmo café, conversa-se com as mesmas pessoas. Tudo parece permanecer inalterado até que algo inesperado acontece. Entretanto ficamos na dúvida: se calhar não reparámos que também os outros mudaram, um bocadinho, todos os dias. E lá assumimos uma nova postura, dobrando a anterior para depois a guardarmos numa gaveta com naftalina q.b. – pois que a moda se faz de revivalismos e a vidinha está cara.

Entretanto, sentados que estamos a ver os dias passar, descobrimos na mudança algo capaz de arreliar o mais sereno dos mortais: esta nem sempre leva em conta quem se foi ou quem se podia ter sido; às vezes é apenas uma mera carta registada com efeitos imediatos, uma nova realidade que impõe ajustamentos rápidos e – vá lá – indolores. Paciência; o que nos vale é a outra mudança, aquela que nos deixa permanentemente incompletos e que Suzanne Vega decidiu, em boa hora, trabalhar enquanto tema deste seu mais recente álbum, Beauty & Crime, o qual, mais do que um registo sobre o antes e o depois dos ataques às torres gémeas do World Trade Center, é uma celebração da condição humana naquilo que ela tem de melhor, ou então, um intenso desejo de salvação face à natural, e inevitável, queda para a noite escura de onde não se volta nunca.

Vega parece sabê-lo: a mudança é um adiamento; nada porá fim a essa danação maior que todas as outras que é o desaparecer sem que o mundo mude alguma coisa com isso. Vive-se com essa (também nossa) ingratidão e morre-se com a ingratidão dos outros. Mas Beauty & Crime propõe-nos um plano alternativo (é esse o seu maior condão): reconhecendo a vida como algo sempre incompleto e desleal (tentem convencer alguém com oitenta anos de que tem uma idade bonita, ou alguém de vinte que é mortal), deixa-se de meias medidas e instiga à batota. Beauty & Crime é, pois, feito das pequenas histórias do dia-a-dia, daquelas que, pela sua escala humana (pequena, mortal), não cabem nessa outra grande História, mas que, talvez por isso, nos são mais próximas, mais reais, e, portanto, mais fáceis de compilar em memórias pessoais cuja importância acaba por atenuar a certeza de que muito irá ficar por fazer, por dizer, por amar.

Assim, tendo Nova Iorque como pano de fundo, o álbum discorre, quase sempre, sobre as pessoas que fazem ou fizeram parte da vida da cantora. Se em algumas canções se relembra um passado mais ou menos distante (as memórias da juventude em “Zephyr & I” e “Ludlow Street”; o “onze de setembro” em “Angel's Doorway”), noutras é o presente, o momento presente que se tenta guardar para sempre sob a forma de uma canção (“As You Are Now”). No entanto, e apesar da força das situações descritas e das personagens envolvidas, não é a utilização do cenário que nos invade, mas o cenário em si: a cidade personificada pela consciência colectiva daqueles que nela adiam a queda; a cidade que, embora quase sempre em segundo plano – “New York is a Woman” e “Anniversary” são duas honrosas excepções –, acaba por se sobrepor à narrativa quando se torna humana (pequena, mortal), passando a estar sujeita à mudança, à esperança, e ao medo de desaparecer sem que o mundo mude alguma coisa com isso.

Num destes dias, quando o sol brilhar sem nós, apenas o silêncio será estranho. O final de Beauty & Crime é uma visão futura dessa ausência que é nossa, só nossa, e onde aflitamente moraremos no todo que é tudo aquilo em que pensamos quando fechamos os olhos. Os olhitos de miúdo que ainda agora fomos.
Samuel Pereira
an_american@paris.com

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