DISCOS
Benjy Ferree
Leaving the Nest
· 16 Ago 2007 · 08:00 ·
Benjy Ferree
Leaving the Nest
2006
Domino / Edel


Sítios oficiais:
- Benjy Ferree
- Domino
- Edel
Benjy Ferree
Leaving the Nest
2006
Domino / Edel


Sítios oficiais:
- Benjy Ferree
- Domino
- Edel
Gente de bom gosto ateia a vocação que procurava este escritor de canções desencontrado da sua estranheza simpática.
A triste actualidade vivida pelos Modest Mouse só torna mais cativante a invocação da inicial era iluminada de Isaac Brock como escritor de canções. Poucos personificarão tão evidentemente quanto ele aquela ideia do messiânico songwriter cuja palavra chegou, a certa altura, para alterar a paisagem ao quadrante mais assumidamente indie do rock norte-americano. A verdade é que, depois do reinado de Stephen Malkmus nos Pavement, ninguém foi tão criativo e intricado na gestão de uma lírica absurda quanto Isaac Brock. Tanto que terá sido a sua identidade lunática a moldar a sonoridade da sua banda e não o inverso. Na verdade, chega a ser tão transbordante o caldo de ideias que ferve na mente de Isaac Brock, que este inventa pseudónimos para dar vazão a isso – tendo sido o intrigante e fantasioso projecto Ugly Casanova veículo apropriado para esse efeito. Bem se sabe que chega a ser longa a demora que separa os songwriters com visão do reconhecimento que lhes é devido, mas as contas ajustam-se quando se torna inocultável a influência dispersa por uma geração de admiradores. Benjy Ferree é mais um nome a aguardar a sua vez na longa fila dos inadaptados que, por acaso, parecem ter sido abençoados por um dom nato para a canção. Ou assim tenta fazer crer a aura de mistério que tem vindo a ser associada ao compositor que assina Leaving the Nest.

A tal aura de mistério que persegue um Benjy Ferree resulta de uma sequência de episódios que se resume em algumas palavras: o sujeito fracassou enquanto actor em Hollywood, descobriu nova fé e inspiração em Bonnie “Prince” Billy (tal volte-face nada tem de errático) e foi mantendo como hobby a música, que ia compondo no tempo que lhe sobrava ao trabalho em bares onde servia vodka com Red Bull. Depois, sabe-se que os mecenas do meio musical adoram adoptar figuras com percursos semelhantes a este, e Benjy Ferree não tardou a merecer o entusiasmo (e colaboração excepcional) de Brendan Canty dos Fugazi e o abrigo da label Domino.

De certo modo, Benjy Ferree merece parte que seja da atenção que lhe foi sendo prestada: existe sobeja capacidade de sustentar alongadamente uma história de amantes em “Private Honeymoon” (dando voz ao Presidente Thomas Jefferson) e o tema-título podia ser faixa de peso num single gravado pelos White Stripes para a Matador de finais de 90. Além disso, nunca parecem despropositados os instrumentos mais atípicos adicionados à basilar guitarra acústica e voz (que tem margem para evoluir). No seu à vontade idiossincrático, Leaving the Nest parece ser um filme de autor que nenhum estúdio se atreveu a manipular com a sugestão vincada de cortes ou rescrita de determinadas sequências (embora se saiba que a Domino tenha solicitado a Benjy que, para a formação de um longa-duração, acrescentasse quatro músicas às seis já existentes num EP).

Leaving the Nest provavelmente procura, por sua própria vontade, a corda-bamba que percorre do início ao fim. Vacila voluntariamente entre a franqueza e lucidez dos seus belos arranjos musicais e o seu muito peculiar levantamento de pequenas histórias cujo conteúdo deve interessar principalmente a Ferree e ao seu circulo mais próximo de amigos. Há qualquer coisa de cruel no voyeurismo de quem observa os primeiros passos a um poeta que acabou de abandonar o perímetro da sua intimidade. Intencionalmente ou não, Leaving the Nest é garantidamente interessante na eminência de pequeno desastre que sugere.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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