DISCOS
Apparat
Walls
· 14 Ago 2007 · 08:00 ·
Apparat
Walls
2007
Shitkatapult / Flur


Sítios oficiais:
- Apparat
- Shitkatapult
- Flur
Apparat
Walls
2007
Shitkatapult / Flur


Sítios oficiais:
- Apparat
- Shitkatapult
- Flur
Conseguir o equilíbrio praticamente exacto entre diversidade, risco construtivo e sofisticação é coisa que se espera apenas deste príncipe da electrónica berlinense
Não é apenas uma auréola aquilo que rodeia as cabeças de Ellen Allien e Apparat na capa do vigésimo sexto número da revista Mondo Bizarre. O que faz brilhar a parte direita da auréola, que na altura coroava o lançamento da estupenda colaboração Orchestra of Bubbles, é toda a listagem de méritos que dignificam o nome de Apparat (civilmente conhecido como Sascha Ring) ao ponto do seu estatuto ser quase masónico: eis alguém que já assegurou a sua label Shitkatapult como adjectivo respeitável, a sinalização sublinhada da Berlim que fez sua casa em 1997 e um percurso excitante que, ao ser analisado em gráfico, ainda não registou quebras de maior.
Suspeita-se que alguém que registe tão distintas alíneas em currículo desperte a cada dia com a vontade de superar o que já tem acumulado, quando, ao observar a actualidade à janela, se depara com toda uma electrónica que aniquila num par de anos os seus criativos mais acomodados. You snooze, you lose. Mas há atrevimento que arrisque sequer supor que Apparat é senhor para requisitar cinco minutos adicionais de sono ao botão do despertador e regressar a uma almofada em forma de coroa de louros?

Sabe-se depois que “adormecimento” serve também para expressar “repetição” (Andy Warhol tinha perfeita noção disso e estetizou-a em Sleep). Em Walls, Apparat faz todos os possíveis para evitar ambos, como se fossem palavras reflectidas na foice da estagnação. Quase parece que é o próprio quem impõe a si mesmo o desafio dos treze quilómetros barreiras, que o obriguem a, durante igual número de faixas, arriscar uma reinvenção continua, sem deixar de parte a relevância ou semear rupturas absolutas com um legado anterior que já revelava uma maturidade inquebrável por altura de Duplex. Tal golpada não obtém sucesso se não estiverem totalmente preenchidos os pulmões criativos do seu autor. Os Walls do título podem ser os que vedam os ouvidos de expectativas facilmente satisfeitas com reminiscências (glitch) ou os que os prendem em câmara para que mais atentamente possam reparar no esforço dedicado à projecção deste disco como o mais maciço e inspirado – numa escala Apparat - em termos de ideias trabalhadas até ao ponto do infalível (verificável no criminoso loop trepidante do single “Holdon”).

O presente vivido por Apparat em Walls serve também para revelar novos sentidos à obra recente. Isto porque já era evidente em "Komponent", parte do EP do ano passado, Silizium, o alto rendimento que podia vir a garantir a combinação entre a voz espiritual de Raz Ohara – uma espécie de Horace Andy com turbante - e a elegância da electrónica que Apparat elabora da forma mais adequada ao “enroscanço” entre a sensualidade do deserto e o romantismo peculiar de uma linha de horizonte urbano.

Além disso, desembaraçaram-se por aqui incógnitas alimentadas desde Orchestra of Bubbles. A julgar que Sascha não mudou muito desde essa colaboração, a incógnita resolvida é toda aquela que torne mais definida a correspondência do quê ao seu quem: ganhando maior probabilidade a suspeita de que, nesse disco a dois, Allien ter-se-á ocupado mais de substanciar o nervo rítmico do techno, enquanto Apparat terá preferido dedicar-se à filtração melódica e adornar luxurioso do mesmo. São essas sensibilidades as que mais se salientam a uma “Headup” que é tão desavergonhadamente shoegaze – e numa altura tão tardia do disco – que faz faltar elasticidade aos lábios para evidenciar mais espanto perante as surpresas em catadupa.

É muito provável que, ao ser confrontada com doses indecentes de subtileza, alguma dependência física sinta necessidade do Apparat mais artilheiro e impulsivo (esse que emerge na magna “Limelight” e nas porções mais old-school da bipartida “Fractales”), mas há que aceitar que a vontade de Sascha passa agora por levar ao rubro a sofisticação potencial do seu som que, tantas vezes, é obtida estabelecendo a ignição entre chips cerebrais que se julgariam incompatíveis – esses que ocupam todo o subtexto sonoro de “Hailin From the Edge” que, superficialmente, pode até parecer um single mais imediatamente assimilável, mas que, reparando melhor, é uma babilónia de revelações detalhadas. A revelação em crescendo que destaca Walls deve-se essencialmente ao número incontável de reacções químicas que podem surtir os mecanismos armazenados em quarentena por Apparat, que, desta vez, se assume como estratega de risco bem ciente do seu poder de fogo. Se forem premonitórias as fantasias aqui conjugadas, o aparato que se avizinha ainda deve ser muito e de categoria. Mantém-se inalterado entre paredes o principado berlinense que tem lado a lado Ellen Allien e Apparat como a mais nobre realeza da electrónica Europeia.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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