DISCOS
The Telescopes
Third Wave
· 13 Nov 2002 · 08:00 ·
The Telescopes
Third Wave
2002
Double Agent Records / Isota Records (edição em vinil)


Sítios oficiais:
- The Telescopes
- Double Agent Records
- Isota Records (edição em vinil)
The Telescopes
Third Wave
2002
Double Agent Records / Isota Records (edição em vinil)


Sítios oficiais:
- The Telescopes
- Double Agent Records
- Isota Records (edição em vinil)
Não será totalmente correcto colar os The Telescopes ao sarcástico epíteto de shoegazers, já que o seu real objectivo é contemplar lenta e vagarosamente as estrelas, contemplar os limites físicos da percepção, interiorizando-a. Como se se de uma enorme viagem se tratasse. Uma viagem enleante pelos meandros fumarentos da consciência. Uma viagem construída por vozes levíssimas e batidas em slow motion, por um lado, e por moogs tensos e guitarras inundadas de feedback por outro.

Esta é, a priori, a base que define não só os The Telescopes mas também bandas como os My Bloody Valentine, Low, Ride ou Jesus & The Mary Chain, integradas num dos muitos movimentos criados algo artificialmente criados pelos media para justificar algumas aproximações e coincidências estéticas e temporais. Este movimento é o “Shoegazing”, filho do pós rock e simultaneamente de algum pop independente. Pós rock pela postura em relação ao som dos intrumentos, mais sóbrios, mais definidos, e pela preocupação com a concepção das ideias e dos arranjos, e pop independente pela própria estrutura das canções, sendo o “shoegazing” definição de um som lento e sorumbático, meditativo e enleante, e, acima de tudo, extremamente introspectivo.

Os The Telescopes existem desde 1989, não sendo porém uma banda prolífica. É importante referir, no entanto, que poucos meses depois do lançamento de “The Telescopes”, em 1994, a banda acaba por se dissolver, devido a dificuldades de alinhamento, dando origem, através do vocalista Stephen Laurie e da guitarrista Joanna Doran, juntamente com o compositor Nick Hemming, aos “Unisex”. Mais: este álbum nem sequer estaria previsto, mas, e citando Laurie, “não seria correcto estas músicas saírem como Unisex”, referindo-se à identidade estética dos The Telescopes, muito mais próxima das músicas (Laurie não deixou, porém, de escrever músicas para os Telescopes). Esta “identidade” não é necessariamente o estilo que definiu os Telescopes como uma banda de semi-culto, durante a primeira metade dos anos 90, muito por culpa dos álbuns “Taste” (1989) e “The Telescopes” (1994), passando agora por uma adaptação aos meios electrónicos, com algumas inovações bastante interessantes (da responsabilidade de Laurie, que lidera o processo). Como se as guitarras tivessem sido trocadas pela electrónica. No entanto, embora os meios sejam diferentes, o resultado acaba semelhante: sons sujos e atmosféricos. Parafraseando Stephen Laurie, “Nós gostamos de abusar das máquinas tal como abusamos das guitarras. Nós fazemo-las gritar e sangrar de forma a forçar o seu sentimento humano”.

Este “Third Wave” pauta-se por uma constante insatisfação, recusando os clichés do rock independente, insatisfação essa que os leva à descoberta dos extremos: do silêncio, do som etéreo, por vezes insípido, até ao ruído, aos sons dissonantes e escuros.

Mais interessante foi a já referida adaptação ao mundo da electrónica, através do uso de vocoders e programações. É sintomática a música “Tesla Death Ray”, com os seus samples do lendário jogo Space Invaders, num tema todo ele construído à volta de brinquedos, gadjets e sons mais ou menos surpreendentes, secundados por um vocoder que nos transmite uma sublime sensação de câmara lenta. “My Name Is Zardak” é um comentário, ou se quisermos, uma submissão aos arcades, e consequentemente à geração pós-80’s e a todo o vocabulário electrónico.

“A Cabin In The Sky”, a primeira faixa de Third Wave, contém as características mais facilmente identificáveis do “shoegazing”: vozes quase sonâmbulas, ritmos arrastados e camadas de sons etéreos, combinadas com o pontuar de um piano.
No entanto, Third Wave abrange desde o cinemático, quase Badalamenti, “A Good Place To Hide”, até ao tortoisiano “Moog Destroya”, imprevisívelmente rápido, contando que estamos a falar dos Telescopes, passando pelo “The Atoms Of The Sea”, lento e obscuro, fazendo lembrar Yo La Tengo.

Stephen Laurie e Joanna Doran conseguem escapar da prisão do “shoegazing”, reinventando-se e aproximando-se de correntes mais experimentais (de que é prova a recusa da estruturação típica de canção). Abriram-se as portas ao Jazz e à Electrónica, porém sem renegar as raízes num rock nebuloso e impregnado de ruído.
No entanto, Third Wave é um álbum tão aborrecido quanto belo, sendo que, na minha opinião, a paleta sonora tem de ser ainda mais alargada, para os Telescopes não correrem o risco de serem considerados não uma banda melancólica e introspectiva, mas passiva, inerte e cinzenta.
O que não tira um indubitável mérito a este álbum, recheado de momentos interessantes e preciosos.
Nuno Cruz

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