DISCOS
Terje Isungset
Igloo / Two Moons
· 13 Jun 2007 · 08:00 ·
Terje Isungset
Igloo / Two Moons
2006/2007
All Ice / Ice Music / Grappa


Sítios oficiais:
- Terje Isungset
- All Ice
- Ice Music
- Grappa
Terje Isungset
Igloo / Two Moons
2006/2007
All Ice / Ice Music / Grappa


Sítios oficiais:
- Terje Isungset
- All Ice
- Ice Music
- Grappa
Música feita a partir de gelo revela mais-valias a autor que podia bem ser um consagrado do jazz no corpo do abominável homem das neves.
Estranha esta motivação que leva o norueguês Terje Isungset a restringir-se nos seus mais recentes discos a instrumentos quase exclusivamente feitos a partir de gelo e gravados em iglus transformados em estúdios, obrigatoriamente mantidos a temperaturas inferiores a zero. Sem manter nada em comum com um dos rappers mais irritantes da história, Vannila Ice, a música de gelo não veria esse título ser-lhe retirado por incluir na sua palete as cordas metálicas de uma harpa ou os metais que servem de boquilha ao instrumentos de sopro compostos por água em estado sólido. Além disso, Terje Isungset patenteia tão distintamente o seu som que é impossível não reconhecer mérito de autor ao nórdico que, de início, se viu afamado pelo seu papel enquanto percussionista e membro de uns Groupa cuja raiz folk de violino e flauta em punho não os impedia de se aventurarem por peças mais complexas. Era impulsionador disso Terje Isungset e a sua percussão de alcance mais tentacular. Na série de discos Icemusic, que conhece Igloo e Two Moons como segundo e terceiro capítulo respectivamente, o imprevisível homem das neves declara independência do passado folk e demarca-se de praticamente tudo com um jazz glaciar que se vê saudavelmente obrigado a criar de estaca a sua própria linguagem por ser ínfima a quantidade de música com que pode ser objectivamente comparado.

Por ser tão escassa a quantidade de termos comparativos aplicáveis ao que por aqui se escuta, a aproximação obriga a que sejam enumerados outros que comunguem de características e sentimentos que constem da Icemusic de Isungset. Tome-se, nesse sentido, como exemplo a introdução de “Starálfur”, uma das mais infalíveis passagens nos concertos dos Sigur Rós, e aquele sopro tremente que vai aspirando as impurezas ao casulo até ao soar da voz de Jonsi - desconhece-se se esse foi composto a partir de instrumentos gelados, mas, a espaços, reconhece-se alguma familiaridade nos sons mais tácitos e introvertidos de Igloo e Two Moons. Talvez se toquem mesmo na noção comum de efemeridade, que, no caso dos Sigur Rós, mais se prende à luz, e que, de acordo com Terje Isunset, se encontrará mais relacionada com a vida enquanto bem dependente da água. A mesma água elementar, passa a ser, na sua forma sólida, também o bloco criativo por onde passam as mãos deste Sun Ra possuído por um Yeti, enquanto o cinzela e lhe extrai sons quase pulverizados, ou nas ocasiões em que o gere como instrumento de precursão de infinitas possibilidades e forma um murmúrio continuo e sobranceiramente climático que habitualmente coincide com as vozes magnéticas de xamã presentes em ambos os discos.

Embora se encontrem muito próximos no que respeita à estética e acústicas exploradas, Igloo e Two Moons são experiências diferentes ou, se se preferir, bifurcações de uma mesma génese que se vê aplicada em contextos igualmente bem conseguidos. Igloo envolve em câmara hermética a audição por intervenção hipnótica do gelo que quase imperceptivelmente vai conhecendo alternância das suas propriedades mais ásperas. Entre comedidos jogos rítmicos e tons que parecem ter a sua dispersão condicionada pelo ar rarefeito, vai ficando suspenso um fluxo que se ameaça libertar em irrigação com a mesma inevitabilidade do esquimó que, depois de ser atropelado vezes sem conta, faz explodir o progresso automóvel no teledisco de “Rabbit in Your Headlights” gravado por Jonathan Glazer para os UNKLE. Aproveite-se a referência ao mais recorrente figurante das publicidades dedicadas a peixe congelado, para referir que Igloo, tal como Two Moons, não simula ou produz em laboratório de estúdio uma farsa friorenta como aquela que os ciclópicos Residents transpuseram subversivamente para um Eskimo que fazia tilintar os dentes. Raros são os discos actuais tão naturais como estes aqui focados.

Two Moons é mais ritualista e ameaçador de degelo pela sujeição a vocalizações heréticas. Isto porque se abate sobre alguém a sensação de que está preso num feitiço de âmbar o aventureiro destemido que, por altura da segunda faixa do disco, dá por si entre algo semelhante às malhas de um Nusrat Fateh Ali Khan e a litania de Diamanda Galás quando apenas sussurrada sob o efeito de temperaturas negativas. Adequadamente, “Long Shadow” soa a último fôlego de uma besta enorme celebrado de forma fúnebre por um ritmo que não se altera e que vai deixando no seu rasto as pegadas jurássicas da orquestra Geinoh Yamashirogumi, se esta visse o seu apocalíptico cenário Akira recuado até à era glaciar. Quando se denota que podem ser proveitosos aliados o briol e o brio de um músico inspirado e dominante do meio que decidiu tomar para si, a culpa pode até ser da lua ou da revelação inerente a uma incursão que inevitavelmente levaria a um ambiente tão único como cada um dos cristais de neve que se descobrem apenas quando observados ao microscópio.
Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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