As vozes do rock instrumental
· 15 Mai 2013 · 00:20 ·


Sem combinação prévia, há uma vaga de bandas que não necessita de vozes para se expressar. No ano passado, os Memória de Peixe abriram um precedente. Não que o rock matemático fosse novo mas ninguém nunca o tinha tocado daquela forma em Portugal. Além do reconhecimento que vale a chamada, por exemplo, para o Optimus Primavera Sound deste ano. É verdade que o primeiro cartão de visita, a deliciosa Fish & Chick, tinha voz mas a semente cresceu instrumental.



Este ano, surgiram os Quelle Dead Gazelle, mais à esquerda das geometrias à Battles dos Memória de Peixe, justos vencedores do Festival Termómetro à frente dos leirienses First Breath After Coma, também eles a prometer voos mais altos.

Regressemos à casa de partida. Se as fintas de Miguel Nicolau têm como baliza o melodismo, os Quelle Dead Gazelle são bastante mais agressivos e pisam o risco do metal. Não é o único destino: Spacio é experimental e Yatsuri uma trip africana com drogas maradas. Virtuosos declarados mas dotados de criatividade, estes lisboetas não inventam a roda mas inscrevem um círculo onde se podem movimentar com liberdade. Para primeiro confronto com a realidade, a "brita" por explorar é infinita.


As gravações do primeiro EP tiveram Makoto Yagyu como produtor. O músico dos Paus está também associado a Jibóia, a entidade que serpenteia nas mãos de Óscar Silva. Um primeiro EP de descoberta sonora é uma das grandes surpresas destes primeiros meses em que a produção nacional começa a despertar para as próximas selecções de Sub-21. Nessa equipa, Jibóia tem que jogar apesar do humor que se pressente nas entrelinhas entre a caixa de ritmos e os pedais.


O tom de encantador de serpentes vem dos arabescos da guitarra.Sem pretensões aparentes, Jibóia EP é uma rara viagem psicadélica por lugares poucas vezes explorados daquelas que, por vezes, nem os autores se dão conta até se aperceberem que não conhecem o caminho de volta.

De todas estas, a mais explosiva e já com chamadas para campeonatos internacionais são os Black Bombaim. Aquela que é uma das coqueluches do rock europeu tem uma matriz diferente das associadas aos outros embaixadores deste novo rock instrumental de sangue luso. Em vez da matemática, a filosofia stoner/psicadélica que faz do trio de Barcelos o híbrido perfeito entre os Tangerine Dream e os Kyuss.

Como nos grandes capítulos da história do rock, é em palco que a diferença se nota e só por insensibilidade se pode controlar a transpiração num concerto dos Black Bombaim. Se o streaming de uma visita recente ao Ritz foi demolidor, sentir esta espacialidade toda deve ser como flutuar na estratosfera.



Se há dez anos, e de forma inconsciente, os Dead Combo olharam para a guitarra eléctrica como Carlos Paredes para a guitarra portuguesa em tempos e, com isso, abriram a porta a Norberto Lobo, Filho Da Mãe e Cipriano Mesquita, esta nova leva tem características diferentes mas uma mesma nota mental. A música não precisa de vozes para falar.
Davide Pinheiro

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