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As vozes do rock instrumental





Sem combinação prévia, há uma vaga de bandas que não necessita de vozes para se expressar. No ano passado, os Memória de Peixe abriram um precedente. Não que o rock matemático fosse novo mas ninguém nunca o tinha tocado daquela forma em Portugal. Além do reconhecimento que vale a chamada, por exemplo, para o Optimus Primavera Sound deste ano. É verdade que o primeiro cartão de visita, a deliciosa Fish & Chick, tinha voz mas a semente cresceu instrumental.



Este ano, surgiram os Quelle Dead Gazelle, mais à esquerda das geometrias à Battles dos Memória de Peixe, justos vencedores do Festival Termómetro à frente dos leirienses First Breath After Coma, também eles a prometer voos mais altos.

Regressemos à casa de partida. Se as fintas de Miguel Nicolau têm como baliza o melodismo, os Quelle Dead Gazelle são bastante mais agressivos e pisam o risco do metal. Não é o único destino: Spacio é experimental e Yatsuri uma trip africana com drogas maradas. Virtuosos declarados mas dotados de criatividade, estes lisboetas não inventam a roda mas inscrevem um círculo onde se podem movimentar com liberdade. Para primeiro confronto com a realidade, a "brita" por explorar é infinita.


As gravações do primeiro EP tiveram Makoto Yagyu como produtor. O músico dos Paus está também associado a Jibóia, a entidade que serpenteia nas mãos de Óscar Silva. Um primeiro EP de descoberta sonora é uma das grandes surpresas destes primeiros meses em que a produção nacional começa a despertar para as próximas selecções de Sub-21. Nessa equipa, Jibóia tem que jogar apesar do humor que se pressente nas entrelinhas entre a caixa de ritmos e os pedais.


O tom de encantador de serpentes vem dos arabescos da guitarra.Sem pretensões aparentes, Jibóia EP é uma rara viagem psicadélica por lugares poucas vezes explorados daquelas que, por vezes, nem os autores se dão conta até se aperceberem que não conhecem o caminho de volta.

De todas estas, a mais explosiva e já com chamadas para campeonatos internacionais são os Black Bombaim. Aquela que é uma das coqueluches do rock europeu tem uma matriz diferente das associadas aos outros embaixadores deste novo rock instrumental de sangue luso. Em vez da matemática, a filosofia stoner/psicadélica que faz do trio de Barcelos o híbrido perfeito entre os Tangerine Dream e os Kyuss.

Como nos grandes capítulos da história do rock, é em palco que a diferença se nota e só por insensibilidade se pode controlar a transpiração num concerto dos Black Bombaim. Se o streaming de uma visita recente ao Ritz foi demolidor, sentir esta espacialidade toda deve ser como flutuar na estratosfera.



Se há dez anos, e de forma inconsciente, os Dead Combo olharam para a guitarra eléctrica como Carlos Paredes para a guitarra portuguesa em tempos e, com isso, abriram a porta a Norberto Lobo, Filho Da Mãe e Cipriano Mesquita, esta nova leva tem características diferentes mas uma mesma nota mental. A música não precisa de vozes para falar.


Davide Pinheiro
15/05/2013