Avant 003
Fuengirola, Espanha
1-3 Ago 2003

02/08
Soirée electrónica: o que se passa com o house?

Gilles Peterson and Earl Zinger

Earl Zinger apresenta um look digno de menção: semelhante a Homer Simpson depois de um regime de beterrabas, ao contrário de Mr. Gilles Peterson, com um ‘grand moustache’, novo corte de cabelo e uns reflexos que em nada ficam a dever aos de Bruce Lee. Impossível esquecer a desenvoltura com que saltava a mesa de misturas, manuseava o microfone e o passava a Earl Zinger, convertendo-nos em testemunhas de um assombroso domínio da linguagem gestual com que dava ordens aos técnicos de som.
As misturas de Gilles polvilhavam as paredes do castelo sem danificá-lo e nada faltou no extenso repertório de Gilles e do seu parceiro Earl. Ainda assim, algo soou profundamente discordante... As quase duas horas e meia de actuação foram insuficientes perante um público ávido de dança: “Muy bien, Muy bien”, soltava Earl, que arranhava o Espanhol, umas vezes em directo, outras samplado. De novo, “Muy bien, Muy bien” e o espactáculo terminava.
Bravo, Gilles, és o maior! Estive quase para gritar mas, felizmente, consegui conter-me, teria soado muito hype. Contudo, em nada teria surpreendido o meu gesto de fidelidade ao patrão da Talkin’ Loud, os patronos por excelência da música neste século.

Hacienda

O som dos Hacienda chegou na forma de uma pequena decepção para nós que morríamos de curiosidade e esperávamos dançar pela noite dentro. Uhmmm! Soaram distantes como se uma barreira invisível se interpusesse entre a actuação e o público. Os que conheciam os seus temas confiavam neles, na frescura das suas composições e na destreza para misturar estilos. Mesmo assim, ainda se notavam algumas caras de espanto, do tipo “o que é que se passa?”. Uma falha de som de repente converte uma actuação maravilhosa num diapositivo. O seu nu-jazz soou enlatado. E uma última vicissitude do que podia ser e não foi: não soubemos aplaudir com coerência.

Nils Petter Molvaer

O trompetista norueguês que reivindica o punk abriu suavemente as suas asas no Avant. Molvaer, que gosta de fundir sons com o seu trompete e que considera Stevie Wonder o único artista capaz de fazer composições alegres, respondeu com uma precisão milimétrica a todas as previsões que anunciavam uma peculiar maneira de tocar electro-jazz. Um grupo voltado para a experimentação que confecciona estilos não catalogáveis, acariciados por Matthew Herbert.
Em silêncio sepulcral, quase imóvel perante o seu trompete e em contínuo incitamento à luta de ritmos lentos e mortiços, apresentou as suas inscrições de techno industrial sustentadas por um baixo e que serviram para colocarmos a pergunta: “Molvaer narra a história de uma tortura?”. Um laptop em cena e fumo, muito fumo. Não será ele o próprio Herbie Hancock, em forma, e com o tom mais acima?

Unkle Sounds

A história fugaz da música electrónica ficará eternamente grata a Mr. Lavelle, pelas suas multi-funções em Mo’Wax e pelo seu génio arrebatado que o leva a plantar-se defronte de uma impecável mesa de misturas, sempre acompanhado por alguém de confiança.
Unkle e companhia executam pós-dança, electro, house, industrial, não importa bem o quê. O que parece claro é que os Unkle Sounds dominam com fluência a linguagem da festa e manipulam ritmos com muita destreza.
Os Unkle ocuparam uma posição privilegiada dentro das actuações especiais que passaram por esta edição do Avant. Os rapazes, possuídos e possuidores e em plena osmose, manipulavam os botões da mesa de mistura com muita precisão e os ritmos obedeciam a um envolvente electro house, puro e destilado. O público estava hipnotizado com a batida.

Mouse on Mars

Andy Toma e Jan Stefan Werner chegaram frescos de Düsseldorf com a etiqueta IDM – Intelligent Dance Music na bagagem e encarregaram-se de encerrar a noite de sábado.
A sincronia destes velhos amigos, ao comando da sua nave e assumindo o controlo de uma imensa torrente de ritmos deixaram-nos boquiabertos, apesar de estar quase a amanhecer.
Fomos feitos reféns de uma das prestações mais explosivas do Avant, nas mãos de autênticos terroristas espaciais, ao leme da nave de sons em que havia transformado o castelo. Fumadores compulsivos, foram da electro pop aos limites do techno com viagens pelo hip-hop.
Renunciaram a uma qualquer ditadura de ritmos, fazendo apologia do avant-garde e da anti-ideologia. Por fim, a sensação de um novo caminho inaugurado e com o estranho paralelismo de sair de um concerto ou de uma aula magistral sobre a arte da irreverência. foto Oihana Casas
· 01 Ago 2003 · 08:00 ·
Antonia Ortega Urbano
antonia@bodyspace.net
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