Nota dissonante: o WC constituía uma réplica quase perfeita do filme “Westward the Women”, com efeitos fantasmagóricos cada vez que alguém pressionava o botão do secador eléctrico das mãos.
TRADUÇÃO Helder Gomes
01/08
Pós-rock: uma designação pequena
para uma noite variada
Notes
to Myself
Os
espanhóis e estreantes Notes to Myself apresentaram guitarras, ritmos
e melodias, cumprindo com dignidade a função para que tinham sido
destacados: a inauguração do Avant 003 no Castelo de Sohail. O
aperitivo rock-clássico-contemporâneo foi bem servido.
Velhocido
Elegância,
evocação, desafio da beleza? São, entre outros, os postulados
com que estes três rapazes albergam e fazem apelo ao trabalho que desenvolvem
com a sua música.
O vídeo que exibiram durante a actuação foi, no mínimo,
revelador. Um primeiro plano das suas faces, vistas num alargado modo traveling
focado a partir de perspectivas distintas, gestos frios e acres, em consonância
com um estilo experimental há muito do meu agrado.
A
formação espanhola, perita em mesclagens difusas, deixou-nos com
vontade de pedir de novo o menu e analisar à lupa os ingredientes deste
misterioso prato que degustámos.
Hood
Tortoise
Mogwai
02/08
Soirée electrónica: o que se passa com o
house?
Gilles Peterson and Earl Zinger
Hacienda
O som dos Hacienda chegou na forma de uma pequena decepção para nós que morríamos de curiosidade e esperávamos dançar pela noite dentro. Uhmmm! Soaram distantes como se uma barreira invisível se interpusesse entre a actuação e o público. Os que conheciam os seus temas confiavam neles, na frescura das suas composições e na destreza para misturar estilos. Mesmo assim, ainda se notavam algumas caras de espanto, do tipo “o que é que se passa?”. Uma falha de som de repente converte uma actuação maravilhosa num diapositivo. O seu nu-jazz soou enlatado. E uma última vicissitude do que podia ser e não foi: não soubemos aplaudir com coerência.
Nils Petter Molvaer
O
trompetista norueguês que reivindica o punk abriu suavemente as suas asas
no Avant. Molvaer, que gosta de fundir sons com o seu trompete e que considera
Stevie Wonder o único artista capaz de fazer composições
alegres, respondeu com uma precisão milimétrica a todas as previsões
que anunciavam uma peculiar maneira de tocar electro-jazz. Um grupo voltado
para a experimentação que confecciona estilos não catalogáveis,
acariciados por Matthew Herbert.
Em silêncio sepulcral, quase imóvel perante o seu trompete e em
contínuo incitamento à luta de ritmos lentos e mortiços,
apresentou as suas inscrições de techno industrial sustentadas
por um baixo e que serviram para colocarmos a pergunta: “Molvaer narra
a história de uma tortura?”. Um laptop em cena e fumo, muito fumo.
Não será ele o próprio Herbie Hancock, em forma, e com
o tom mais acima?
Unkle Sounds
A
história fugaz da música electrónica ficará eternamente
grata a Mr. Lavelle, pelas suas multi-funções em Mo’Wax
e pelo seu génio arrebatado que o leva a plantar-se defronte de uma impecável
mesa de misturas, sempre acompanhado por alguém de confiança.
Unkle e companhia executam pós-dança, electro, house, industrial,
não importa bem o quê. O que parece claro é que os Unkle
Sounds dominam com fluência a linguagem da festa e manipulam ritmos com
muita destreza.
Os Unkle ocuparam uma posição privilegiada dentro das actuações
especiais que passaram por esta edição do Avant. Os rapazes, possuídos
e possuidores e em plena osmose, manipulavam os botões da mesa de mistura
com muita precisão e os ritmos obedeciam a um envolvente electro house,
puro e destilado. O público estava hipnotizado com a batida.
Mouse on Mars
03/08
Toxico-musicalidade nocturna
Explosions in the Sky
Vindos
do Texas, incluíam-se entre os pequenos grandes desconhecidos do evento
e chegavam com um novo disco debaixo do braço, encabeçando o cartaz
do terceiro e último dia do festival. “Drama, tragédia e
o êxtase dispersão mais hedonista são alguns dos detalhes
da sua carta de apresentação. Os Explosions in the Sky não
pouparam esforços numa série contínua de vaivéns
de guitarra, muita guitarra. A partir da tragédia real, o prazer, a dor
chegavam em doses comedidas.
Aqueles que não gostaram particularmente dos Mogwai dos primeiros discos:
infinitos circuitos melódicos, catarse orgástica, em definitivo
devaneio instrumental, com esta banda do Texas poderão preencher essa
lacuna. Mais efectivistas, sabem como atrair a atenção do público
e fazer com que ele não vire a cara do palco.
Robin Guthrie
Todos nós sentimos saudades da frescura de Elizabeth Frazier e do seu sorriso. Robin Guthrie, o seu ex-companheiro dos Cocteau Twins, ocupou o lado esquerdo do cenário, delimitando assim o território para a instrumentalidade e, descalço, sob uma luz very soul, impôs uma fria distância entre o público e ele com a sua guitarra. A intimidade forçada de Robin desprendia desassossego, uma perceptível mensagem de infortúnio, a serenidade de desfrutar de um trabalho bem realizado. Dos Cocteau Twins identificamos algo do seu downtempo cadenciado. Uma obscuridade magistral, tangível e um ambiente recolhido numa calorosa palavra francesa: nostalgie.
Alpha
Andy
Jenks e Corin Dingley, naturais de Bristol e dissidentes da Melancolic (propriedade
dos Massive Attack) são a face mais visível da sua identidade.
A sua proposta parte da música electrónica, a pop, o jazz, a soul
e a folk. Conhecidos pela sua mestria na hora de inventar e recriar atmosferas
e pelas suas letras de pessimismo latente, que às vezes demonstram o
desejo de nunca se ter nascido... É da sua essência que libertam
um romantismo vital, que não deixa outra saída senão a
frontalidade agressiva de uma realidade a provocar, buscando o golpe de magia
que a faça desaparecer. A sua actuação foi um parêntesis
entre muitas outras coisas. Se Sylvia Plath não nos tivesse abandonado
há tanto tempo, nela teriam um bom perfil de incondicional.
Lamb
Muito
poucos deverão ter ignorado a saia de Louise Rhodes, rosa, violeta, larga,
com um ligeiro recorte na cintura e com uma impressionante bainha. Um tesouro
a sair do baú do Avant.
O duo desprendia frescura e dinamismo, Andy Barlow corria de uma ponta à outra
do palco golpeando energicamente um tambor, enquanto Lou sorria em tom
colegial, demonstrando o mais puro optimismo. O concerto decorreu em permanente
busca e experimentação.
Os Lamb viajam de um estilo de dança algo jazzístico a um estilo
meditativo muito pessoal, das clássicas linhas de corda a uma sucessão
de samples desmedidos. Introduzem instrumentos subtis que desprendem estruturas
delirantes, o que explica a perfeita harmonia de Andy com a tecnologia. A sensação
de incoerência e de caos predomina no decurso da sua actuação
e vence perante as especulações dos que anunciavam um obscurantismo
made in Portishead. A mistura de elementos clássicos e electrónicos
nos Lamb é como ganhar pulso à insuportável necessidade
de comparações.
Amon Tobin
O
jovem brasileiro não esqueceu a alquimia nesta ocasião, os sons
escuros, as proféticas e generosas descargas de decibéis.
Protagonizou passos indígenas e atmosféricos baseados no electro-soul,
fez vozes digitalizadas, sequências monstruosas e obscenas, algumas vezes
directas ao subconsciente, irreconhecíveis e internas. Tobin ergue a
fasquia posicionando-se em pé de igualdade com o público que,
a qualquer momento, se mostra apto a responder aos seus sinais. A sua performance
é uma enorme mancha de toxicomusicalidade nocturna.