Noites Ritual Rock 2004
Porto
27-28 Ago 2004

28/08

Para o segundo e último dia das Noites Ritual Rock 2004, o Palco Ritual trocou os "cantautores" pelo hip-hop e o palco principal recebeu os X-Wife, a banda de João Vieira, autores de Feeding The Machine, álbum de estreia. Guitarras estridentes, caixas de ritmos, ruidosas linhas de baixo, teclados musculados e falsetes. A música dos X-Wife é barulhenta e repleta de glamour. “New Old City”, “Fall”, “Second Best”, “Clinic” e a inevitável “Rockin' Rio” foram alguns tos temas apresentados por João Vieira, Rui Maia e Fernando Sousa. Comparam-nos a bandas como os Rapture, os Rádio 4 ou os Liars, mas é à new wave e ao pós-punk que mais influências se notam. Os X-Wife sabem o querem e nada parece impedir que o consigam. O culto aumenta de dia para dia e com ele, os pins, as roupas de cores vivas e fluorescentes e a devoção ao amarelo e preto (presença constante nos flyers, nos pins e nas capas dos discos dos X-Wife). O próximo álbum está prometido para breve – durante a actuação apresentaram inclusive uma nova canção intitulada “Hot Shot” - e há que alimentar a máquina.
NBC, Matozoo
Mal acabara a actuação dos X-Wife e NBC já disparava algumas batidas de hip-hop e rimas destemidas. O autor de Afro-Disíaco remexeu as entranhas, pôs uma grande porção da plateia a mexer e avisou que embora se pense que o hip-hop é coisa para putos, ele próprio vai celebrar trinta anos em breve. Gritou pelo Porto, gritou por Lisboa e prometeu voltar aqui em breve para um concerto mais longo e dedicado. Alguns temas dos Blunder depois – incluindo a inenarrável versão de “Blister In The Sun”, um original dos Violent Femmes -, e de volta ao palco “emprestado” ao hip-hop, os Matozoo preparavam-se para uma infelizmente curta actuação. Martinez comandou o quinteto de MCs por temas como “Formula” – que às tantas, no seu refrão, viu a palavra “fórmula” ser repetidamente substituída por “caralho” – e a fantástica “Cancelem o Apocalipse” (“Cancelem o apocalipse, ele não vos merece / Tu é o vírus que o esmorece / E Tu? / Eu não, eu falo com Deus na boa / Trato-o sempre na primeira pessoa”) atravessada por beats fortes e rudes e ambiências de consternação. Perto do palco, três jovens faziam coreografias break dance na terra; quem corre por gosto não cansa. Martinez acabou por soltar um sonoro “caralho” ao comercialismo e, ao que parece, Matosinhos esteve representado em peso nas Noites Ritual Rock – pena a curta duração da actuação.
É certo e sabido que não é fácil ser o front man de uma banda quando nela reside o fantasma da presença de outro vocalista – muito menos de um vocalista com a presença em palco de Rui Silva. Independentemente disso, João Fino, a nova voz e alma dos Zen, é um front man à altura da atitude destes novos Zen. De The Privilege Of Making The Wrong Choice, o primeiro álbum que data de 1998, sobrevivem ainda canções como “Step On” – o tema que abriu a actuação - e “Not Gonna Give Up”, mas de "U.N.L.O." não restam quaisquer sinais de vida. Agora é tempo de assistir ao abrir do novo livro, que é como quem diz, de Rules, Jewels, Fools, o segundo álbum de originais dos Zen editado no decorrer de 2004. E dele saltaram temas como “Play It Fast”, “Harvey Keitel”, “Takin' Outside”, “Rules, Jewels, Fools” e ainda “The Old Great Billy Boy”, que contou com André Indiana na harmónica. Menos funk e mais rock numa actuação que conseguiu quase sempre conquistar a plateia.
Zen
Mão Morta
Ao observar os panos brancos que iam sendo colocados no palco principal, tornava-se óbvio que a actuação dos Mão Morta começaria com “Gumes”, o tema de 25 minutos que abre Nus, o último disco de originais da banda do carismático Adolfo Luxúria Canibal. “Gumes” é uma peça composta por vários andamentos que tocam diferentes mundos musicais. Num desses andamentos, Adolfo conta-nos: “Estou farto disto, não posso mais / Todos os dias passam iguais / Como um fantasma com escorbuto / Corro a cidade na busca de um xuto / Speed ou heroa, coca ou morfina / Tudo me serve como vacina / Desde que traga a santa narcotina / Furam-me os ossos, caem-me os dentes / Reflicto ao espelho sinais indigentes / Mas o pavor é da ressaca e da dor”. Ao contrário de alguns dos alinhamentos que os Mão Morta foram apresentando ao longo do ano, os Mão Morta trouxeram – à imagem daquilo que aconteceu em Paredes de Coura – uma setlist que incluiu alguns temas de discos mais antigos: “E Se Depois”, “Oub’lá”, “Budapeste” e “Em Directo (Para a Teelvisão)” – o seu refrão foi, como sempre, entoado em alta voz – apareceram antes de “Gnoma” (que não contou com a voz de Miguel Guedes, como acontece em Nus) e "Vertigem", dois temas incluídos no último disco de originais. “Lisboa”, “Vamos Fugir” e “Anarquista Duval” antecederam um encore que, por motivos de força maior, foi constituído apenas pela demolidora “Cão da Morte”. Não foi com certeza o melhor concerto de sempre dos Mão Morta, mas nem por isso deixou de ser o melhor de um festival que para o ano volta com outros nomes mas com o mesmo ritual.
· 27 Ago 2004 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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