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Noites Ritual Rock 2004
Porto
27-28/08/2004


Reportagem de André Gomes
Fotografias de Luís Bento

27/08

As Noites Ritual Rock continuam a ser um dos eventos musicais mais apetecíveis da cidade do Porto. Os mui belos jardins do Palácio de Cristal receberam mais uma vez um cartaz declarada e exclusivamente nacional. Os dois palcos, cada vez mais distantes nas apostas musicais, na atitude e até mesmo no tipo de público, recebem alguns dos grandes nomes da música de Portugal. Há hip-hop, há rock e ainda há espaço para os "cantautores" portugueses. A par de tudo isto, um programa que inclui fotoprojecções, exposições e workshops de fotografia – o som e a imagem em plena harmonia.


The Legendary Tiger Man

Para substituir Sam The Kid, que viu a sua actuação ser cancelada a poucos dias de se realizar o festival, subiu a palco Paulo Furtado como Legendary Tiger Man para evocar os blues e levar o público para uma viagem pelo Mississipi. Já com dois discos editados – Naked Blues e Fuck Christmas, I Got The Blues - o projecto one man band de Paulo Furtado acrescenta mais e cada vez mais adeptos à semente. Paulo Furtado fala de sexo, crime, comboios do amor, sangue, grandes barcos pretos e mentiras, manipulando, sozinho e temerário, a guitarra, o kazoo, os pratos de choque e o bombo. “Crawdad Hole”, Your Life Is A Lie”, e “Love Train” são transportadas a partir do último disco com toda a severidade e tensão que o blues merece. “Naked Blues” e “Break My Bones” foram, inevitavelmente, os melhores momentos da actuação do Homem Tigre.

Nuno, Nico
Os Ornatos Violeta acabaram, é certo, mas o dia 27 de Agosto de 2004 tratou de reunir, embora em projectos diferentes, Peixe, Manuel Cruz e Nuno Prata. Este último, em conjunto com Nicolas Tricot (Red Wing Mosquito Stings e Le Partisan) na bateria, forma os Nuno, Nico, que se apresentaram no palco Ritual – o palco "menos principal" – para (mais) uma prazenteira actuação. Nuno Prata começou na guitarra acústica, continuou com a contagiante “Fugir”, hino à força de vontade de mudar, de ir sempre mais longe (“Não deixes de querer fugir, porque saber fugir não é mau”), a viciante “Nada é tão mau” carregada de assobios, espasmos de percussão e um refrão capaz de provocar sorrisos desmedidos: “Nada é pior do que não te ter e ver que outros braços te dispensam beijos falsos fáceis rimas de prazer / Nada é tão mau quanto não te ter e saber que o teu riso é o aviso que de ti preciso para viver”. A actuação continuou com “Não Sou Um Fantasma” - com o seu assobio coerentemente fantasmagórico -, “Guarda Bem O Teu Tesouro” – com Nuno Prata no baixo - e terminou pouco depois com mais um tema. Agora espera-se um disco, pois as indicações dos concertos ao vivo fazem crescer água na boca.

De volta ao palco principal, era a vez dos Fat Freddy, uma das mais peculiares bandas que assaltam o panorama musical português, pisar o palco das noites Ritual Rock. Contrabaixo, guitarra e bateria. O colectivo responsável por Fanfarras de Ópio percorreu um alinhamento feito de músicas instrumentais devedoras às valsas ou às polcas do leste europeu, ao imaginário de Kusturica – a quem os Fat Freddy dedicaram uma das suas canções -, Stanley Kubrik e, por estranho que possa parecer, à BD dos anos 60. As canções, essas, são frenéticas, de tom jocoso ou simplesmente divertidas. A curiosa “Frenesim de Canibalismo Titual” abriu um concerto que contou com temas como “LSD 25” ou “Batman Theme”. Ainda houve tempo para uma canção dedicada a José Cid, acompanhada de projecções – presença constante durante todo o concerto - a rigor. E porque é de atitude rock n’ roll que se trata, os Fat Freddy acabam o concerto a tentar destruir alguns dos instrumentos - o baixo ficou irreconhecível.


Fat Freddy

Pluto
Depois de uma actuação curta e não muito conseguida de Jorge Cruz no segundo palco, era a vez dos Pluto – talvez a actuação mais esperada da noite – subirem ao palco principal. O novo projecto de Manuel Cruz e Peixe – ambos ex-Ornatos Violeta – apresentava-se ao público portuense ainda sem disco de originais editado. Se comparados aos Ornatos Violeta, os Pluto perderam em funk aquilo que ganharam em rock - o facto de as canções serem conduzidas por duas guitarras torna as coisas muito mais visíveis. É fácil de perceber que o trabalho de estúdio tem sido feito da melhor maneira e que as canções se desenrolam de forma natural e quase orgânica. “Sexo Mono” e “Entre Nós”, por exemplo, fornecem boas indicações para o álbum que se avizinha. O single “Só Mais Um Começo”, o tema que fechou a actuação e que tem rodado com alguma insistência nas playlists, envolveu a plateia em alguma excitação.

Para fechar a noite em termos de concertos, os Clã, aproveitando o lançamento de Rosa Carne, presentearam o público com alguns temas novos. Do último disco de originais saltaram “Competência Para Amar”, “Carrossel Dos Esquisitos”, “Madalena Em Contrição”, “Uma Mulher Da Vida” e “Eu Ninguém” mas, como não podia deixar de ser, o alinhamento passou também pelos clássicos da banda: “GTI”, “Dançar Na Corda Bamba”, “Sopro do Coração” e “H2omem” sacaram coros e refrões da plateia. Ainda no início da actuação, aquando de “Carrossel Dos Esquisitos”, Manuela Azevedo havia dito, com a sua inconfundível graça: “Como abutres no céu / São quase lindos / Dois feiosos a rodar / Gritando e rindo / São aberrações no ar / Oh meu querido / Fecha os olhos p’ra me beijar / Que o mundo vai-se acabar”. E talvez não esteja muito longe da razão.


Clã

28/08

Para o segundo e último dia das Noites Ritual Rock 2004, o Palco Ritual trocou os "cantautores" pelo hip-hop e o palco principal recebeu os X-Wife, a banda de João Vieira, autores de Feeding The Machine, álbum de estreia. Guitarras estridentes, caixas de ritmos, ruidosas linhas de baixo, teclados musculados e falsetes. A música dos X-Wife é barulhenta e repleta de glamour. “New Old City”, “Fall”, “Second Best”, “Clinic” e a inevitável “Rockin' Rio” foram alguns tos temas apresentados por João Vieira, Rui Maia e Fernando Sousa. Comparam-nos a bandas como os Rapture, os Rádio 4 ou os Liars, mas é à new wave e ao pós-punk que mais influências se notam. Os X-Wife sabem o querem e nada parece impedir que o consigam. O culto aumenta de dia para dia e com ele, os pins, as roupas de cores vivas e fluorescentes e a devoção ao amarelo e preto (presença constante nos flyers, nos pins e nas capas dos discos dos X-Wife). O próximo álbum está prometido para breve – durante a actuação apresentaram inclusive uma nova canção intitulada “Hot Shot” - e há que alimentar a máquina.
NBC, Matozoo
Mal acabara a actuação dos X-Wife e NBC já disparava algumas batidas de hip-hop e rimas destemidas. O autor de Afro-Disíaco remexeu as entranhas, pôs uma grande porção da plateia a mexer e avisou que embora se pense que o hip-hop é coisa para putos, ele próprio vai celebrar trinta anos em breve. Gritou pelo Porto, gritou por Lisboa e prometeu voltar aqui em breve para um concerto mais longo e dedicado. Alguns temas dos Blunder depois – incluindo a inenarrável versão de “Blister In The Sun”, um original dos Violent Femmes -, e de volta ao palco “emprestado” ao hip-hop, os Matozoo preparavam-se para uma infelizmente curta actuação. Martinez comandou o quinteto de MCs por temas como “Formula” – que às tantas, no seu refrão, viu a palavra “fórmula” ser repetidamente substituída por “caralho” – e a fantástica “Cancelem o Apocalipse” (“Cancelem o apocalipse, ele não vos merece / Tu é o vírus que o esmorece / E Tu? / Eu não, eu falo com Deus na boa / Trato-o sempre na primeira pessoa”) atravessada por beats fortes e rudes e ambiências de consternação. Perto do palco, três jovens faziam coreografias break dance na terra; quem corre por gosto não cansa. Martinez acabou por soltar um sonoro “caralho” ao comercialismo e, ao que parece, Matosinhos esteve representado em peso nas Noites Ritual Rock – pena a curta duração da actuação.
É certo e sabido que não é fácil ser o front man de uma banda quando nela reside o fantasma da presença de outro vocalista – muito menos de um vocalista com a presença em palco de Rui Silva. Independentemente disso, João Fino, a nova voz e alma dos Zen, é um front man à altura da atitude destes novos Zen. De The Privilege Of Making The Wrong Choice, o primeiro álbum que data de 1998, sobrevivem ainda canções como “Step On” – o tema que abriu a actuação - e “Not Gonna Give Up”, mas de "U.N.L.O." não restam quaisquer sinais de vida. Agora é tempo de assistir ao abrir do novo livro, que é como quem diz, de Rules, Jewels, Fools, o segundo álbum de originais dos Zen editado no decorrer de 2004. E dele saltaram temas como “Play It Fast”, “Harvey Keitel”, “Takin' Outside”, “Rules, Jewels, Fools” e ainda “The Old Great Billy Boy”, que contou com André Indiana na harmónica. Menos funk e mais rock numa actuação que conseguiu quase sempre conquistar a plateia.
Zen
Mão Morta
Ao observar os panos brancos que iam sendo colocados no palco principal, tornava-se óbvio que a actuação dos Mão Morta começaria com “Gumes”, o tema de 25 minutos que abre Nus, o último disco de originais da banda do carismático Adolfo Luxúria Canibal. “Gumes” é uma peça composta por vários andamentos que tocam diferentes mundos musicais. Num desses andamentos, Adolfo conta-nos: “Estou farto disto, não posso mais / Todos os dias passam iguais / Como um fantasma com escorbuto / Corro a cidade na busca de um xuto / Speed ou heroa, coca ou morfina / Tudo me serve como vacina / Desde que traga a santa narcotina / Furam-me os ossos, caem-me os dentes / Reflicto ao espelho sinais indigentes / Mas o pavor é da ressaca e da dor”. Ao contrário de alguns dos alinhamentos que os Mão Morta foram apresentando ao longo do ano, os Mão Morta trouxeram – à imagem daquilo que aconteceu em Paredes de Coura – uma setlist que incluiu alguns temas de discos mais antigos: “E Se Depois”, “Oub’lá”, “Budapeste” e “Em Directo (Para a Teelvisão)” – o seu refrão foi, como sempre, entoado em alta voz – apareceram antes de “Gnoma” (que não contou com a voz de Miguel Guedes, como acontece em Nus) e "Vertigem", dois temas incluídos no último disco de originais. “Lisboa”, “Vamos Fugir” e “Anarquista Duval” antecederam um encore que, por motivos de força maior, foi constituído apenas pela demolidora “Cão da Morte”. Não foi com certeza o melhor concerto de sempre dos Mão Morta, mas nem por isso deixou de ser o melhor de um festival que para o ano volta com outros nomes mas com o mesmo ritual.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
27/08/2004