Califone
Maus Hábitos, Porto
11 Abr 2004
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© André Gomes |
À segunda canção, "Trick Bird", já se ouvia Heron King Blues, a última exposição folk do quarteto de Chicago. Já desde o início do concerto que se ouvia um barulho estranho, um feebdack irritante que vinha sabe-se lá donde, provocado sabe-se lá por quê. E quando começa a terceira canção, e Rutuli se apercebe que o barulho continua, interrompe a canção, ironicamente irritado, e pergunta o que se está a passar. Pergunta se é o seu microfone, o baterista faz o mesmo. Poucos segundos depois, o problema está resolvido. Tim Rutuli sorri, e anuncia o "take two". Os Califone partiriam, aliás, para um trio de canções de Heron King Blues: "Trick Bird", "Wingbone" e "Sawtooth Sung a Cheater's Song", sendo que esta última acaba em perfeita exaltação folk: a percussão bamboleante, com uma trip de heroína, Neil Young vs Captain Beefheart, Rutuli controla os efeitos. É folk que swinga, é folk que jazza. Levanta-se a poeira, erguem-se os olhos na mesma direcção. O público todo sentado, em partilha de emoções. Ninguém sorri, estão todos já demasiado longe para conseguirem voltar. O slide empurra os limites da dor para domínios impalpáveis. Afagam-se agora as memórias passadas, o passado mais presente. Quando Tim Rutili tocava na sua guitarra acústica com um pouco mais de força, também a noite vergava aos encantos da música dos Califone. Era agora tempo de percorrer outros álbuns dos Califone. Quicksand/Cradlesnakes foi obviamente paragem obrigatória: "Horoscopic. Amputation. Honey", "Mean Little Seed" e "Michigan Girls". Continuavam as jams folk e blues, o banjo em distorção, ou o violino tocado como se fosse um cavaquinho ou na sua forma mais comum, a percussão forte e peculiarmente esclarecida.
A meio da actuação, Tim Rutuli aproveita para desejar a todos uma "Boa Páscoa, cheia de família, ovos, chocolate, amêndoas, coelhos, rãs …". Alguém sugere gambozinos. Tim não percebe o significado. Alguém diz "gambuzines" ou até mesmo "gambuzanus". Tom Rutuli ri e toda a gente com ele. O bom humor esteve presente no palco do início ao fim do concerto. Numa das canções seguintes, Jim Becker parte uma corda da sua Fender mas continua. Nada o poderia fazer parar. Nada podia fazer parar o homem dos três instrumentos. No intervalo antes do encore, Jim Becker troca a corda da guitarra enquanto Tim Rutuli, descontraidamente, fuma um cigarro e passeia por entre a plateia. A mesma pessoa que havia sugerido os gambozinos sai da sala a dizer que "eles não existem", num inglês algo macarrónico. Algumas risadas depois, os Califone voltam com "2 Sisters Drunk on Each Other" e mais dois temas que poriam fim ao concerto. E quando as duas guitarras, quase em uníssono, se juntam, travam a luta pela liberdade, a procura pela aurora. Tinham-se passado quase duas horas, mas se outras tantas viessem, ninguém arreadaria pé, por certo. A poeira voltou a assentar e os gambozinos já dormiam.
· 11 Abr 2004 · 08:00 ·
André Gomesandregomes@bodyspace.net
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