Festival Summercase 06
Boadilla del Monte, Madrid
14-15 Jul 2006
Chegados a Madrid aqueles que no dia anterior tinham actuado em Barcelona, estava tudo preparado para começar aquele que era o último dia do primeiro festival Summercase. Ao olhar para o cartaz era possível adivinhar que o segundo dia de festival era aquele mais susceptível de abraçar mais público. Em quantidade e em diversidade. Rumando ao Terminal O encontrávamos pouco depois das 8 da noite os Dirty Pretty Things, o resultado entre os ex-The Libertines Carl Barat e Gary Powell e Anthony Rossomando e Didz Hammond. O resultado final, esse é pouco interessante. Muito barulho, muito berro, pouca música. Rock incaracterístico, a precisar de rumo. Não dá sequer para bater o pé, nem quando tocam ao de leve o reggae dos Clash. Os Dirty Pretty Things são um carro mal oleado e a precisar de revisão. O melhor talvez seja apagar tudo e começar do zero. Se a falta de inspiração fosse punível, os Dirty Pretty Things não iam presos mas pagavam multa.

No terminal, antes da actuação esperada dos Belle & Sebastian actuavam os representantes espanhóis da banda escocesa, o duo Astrud, que por vezes também gostam de ser os Smiths de Espanha. Em concerto apresentam-se como um trio bateria, baixo e guitarra e para este concerto específico anunciavam 12 canções em 45 minutos. E porque Performance é ainda um ‘objecto’ relativamente recente (foi editado em 2004 pela Sinnamon), foi precisamente nele que se baseou a performance dos espanhóis: “Vamos a un bar”, “Masaje”, “Caridad” e “He Vuelto” foram alguns dos temas a ganhar vida em palco. As três últimas são também alguns dos melhores temas, junto com “Quedamos así”, Smiths chapado para quem tem saudades. Em espanhol, entenda-se, como qualquer tema vindo dos Astrud.
Twilight Singers © Angela Costa

Exigia-se depois o interromper da actuação dos Astrud para espreitar na tenda/Terminal S os Twilight Singers de Greg Dulli, senhor dos Afghan Whigs. Este é o seu novo veículo, para o rock de arestas limadas que nas mãos do heavy smoker Greg Dulli tem sempre algo de bastante sedutor. Não será tão atraente como eram os Afghan Whigs mas anda lá perto. E por falar em arestas bem limadas, chegava ao Summercase a pop delicodoce dos Belle & Sebastian para provocar uma enchente nas imediações, ou seja, ao redor do Terminal E. A grande e bonita família alegre subia a palco para fazer levitar sonhos, agora com um disco capaz de se colocar ao lado de Tigermilk e The boy with the arab strap, depois de um disco menos conseguido como Dear Catastrophe Waitress. The Life Pursuit, fortemente influenciado pelos anos 70, é um disco com selo de qualidade e confiança, o que se reflecte instantaneamente quando as suas canções são apresentadas ao vivo: “Funny Little Frog”, por exemplo, soa tão fresca como qualquer canção dos Belle & Sebastian dos 90’s. Teclados e sopros maravilhosos, guitarra pelo mesmo caminho.

Belle & Sebastian © Angela Costa

Retrocederam bastante no calendário para trazer “Get Me Away From Here I'm Dying” e “Electronic Renaissance”, sempre comandados por Stuart Murdoch. “To be myself completely”, onde ressaltam os teclados e o violino campestre, e “For the price of a cup of tea” trouxeram-nos de volta a The Life Pursuit mas “If you’re feeling sinister” levou-nos a 1996 e ao álbum com o mesmo nome. Até ao final ainda se havia de ouvir canções como “Le Pastie de la Bourgeoisie”, “I'm A Cuckoo” (com direito a espectáculo de Stuart Murdoch que desceu do palco e se aproximou do público), “Jonathan David” (altura em que subiram duas meninas ao palco para dançar), “White Collar Boy” e, como não podia deixar de ser, “The Boy With The Arab Strap”. No final, e bem feitas as contas, ficava a memória de uns Belle & Sebastian em forma, situação para a qual o belíssimo último disco muito contribui. Estes Belle & Sebastian estão de bem com o passado e com o presente, e isso nota-se.

Uma curta passagem pelo Terminal O dava para absorver alguns minutos da actuação de uns Super Furry Animals a viverem de Love Kraft, o mais recente álbum dos britânicos. Deu tempo para ouvir a belíssima “Zoom”, a fazer lembrar uns Pink Floyd de Atom Heart Mother nas vozes, nos teclados, na grandiosidade. Deu tempo para respirar algum do psicadelismo que pairava no palco, muito bem expresso nos dois ecrãs que se encontravam dos lados do palco que mostravam imagens e formas coloridas. Pouco depois era altura de seguir para a tenda que se conhecia por Terminal S para seguir a actuação dos Sigur Rós. Mesmo antes da actuação dos islandeses já a tenda se encontrava cheia e, dizia-se depois, a rebentar pelas costuras de tal maneira que havia público para lá dessas mesmas costuras. A verdade é que aparentemente ser-se fã de Sigur Rós é uma ocupação a tempo inteiro – as camisolas da banda podiam-se ver aqui e ali, e havia até quem tentasse reproduzir as letras fictícias que Jónsi canta. Ao início, uma tela branca impedia o público de ver o que se estava a passar em palco. E foi assim que o concerto se viu até que “” (de Takk), o primeiro tema dos Sigur Rós chegasse ao seu fim. Digamos que 80% da actuação dos islandeses se fez de Takk, disco que ao vivo ganha uma força quase sobrenatural.

Sigur Rós © Angela Costa

Na verdade, os Sigur Rós assinaram uma actuação bem superior àquela que celebraram por exemplo no Coliseu do Porto em 2005, uma actuação sublime, sem falhas nem momentos mortos. No final foram buscar a ( ) um dos temas que melhor se portam ao vivo, a última dos temas sem titulo do disco, conhecido pelo seu final majestoso. Depois da saída de palco voltariam mais 3 vezes para agradecer (duas com as Amina e restante tripulação e uma só com a banda base), mas em nenhuma delas pegaram nos instrumentos para um encore que se exigia. Mas nem isso manchou uma actuação notável, uma que lembrou aos presentes a força e poder dos islandeses. Assim vale a pena acreditar.

E agora algo completamente diferente. O show surrealista dos Daft Punk, num palco igualmente surrealista a provocar uma festa não menos surrealista. Os Daft Punk acabam por ser uma das escolhas mais surpreendentes do Summercase… ou então não. Não quando no cartaz constavam os nomes de Chemical Brothers e de Fatboy Slim. E era este o trio responsável pela dança no festival. Ainda no que aos Daft Punk diz respeito não faltaram obviamente temas como “One more time” e “Around the world” que transformaram o recinto do Summercase numa discoteca gigante. Pouco depois, logo ali ao lado entravam os Massive Attack em palco para fazerem uma espécie de promoção ao primeiro disco de grandes êxitos da banda de Bristol, Collected. Foi mesmo assim que o concerto se desenrolou, apesar da ausência de alguns temas obrigatórios. Mezzanine esteve muito bem representado (em temas como “Risingson”, “Teardrop”, “Angel”), não faltou “Karmacoma” nem Elizabeth Fraser e muito menos Horace Andy. Mas foi Deborah Miller que protagonizou um dos melhores momentos da noite: “Like a soul without a mind / In a body without a heart / I'm missing every part”, repetia na inolvidável “Unfinished Sympathy”. E depois disto já nem era necessário um final algo maçudo e enfadonho, mesmo assim incapaz de apagar a memória de “Unfinished Sympathy”. Não foi nem de longe nem de perto uma boa actuação. Foi uma actuação em modo piloto automático, que teve no máximo três ou quatro bons momentos. E é preciso fazer mais do que isso quando se sobe a um palco com o título Massive Attack.

Massive Attack © Angela Costa

No mesmíssimo local onde haviam atacado os Daft Punk havia de atacar Fatboy Slim para se repetir a festa, especialmente ao som de “Right Here, Right Now” e “Funk Soul Brother”. Foi aí mesmo que muitos decidiram despedir-se do Summercase, embora a festa tivesse continuado nas tendas. Fica a ideia de que um Summercase de três dias não teria sido descabido. Afinal de contas, esta reportagem teve de passar ao lado de actuações como as dos Happy Mondays, Bell Orchestre, Cut Copy, Hope of the States, The Long Blondes, Adam Green, Trabant, Maxïmo Park, The Spinto Band, entre muitos outros, e de espreitar apenas outros tantos nomes. É duro, mas alguém tem de o fazer. A olhar pelo aparente sucesso desta primeira edição do Festival Summercase, será com toda a certeza seguro dizer que para o ano há mais.
· 14 Jul 2006 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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