The Divine Comedy © Angela Costa |
Quando perguntou ao público quem possuía uma cópia de Liberation em casa, as mãos eram muitas no ar, facto que deixou Neil Hannon visivelmente surpreendido. Desse mesmo álbum de estreia de 1993 retirou “Queen of the South” para satisfação de muitos. De Fin de Siecle sacou “Generation Sex” para contentamento de muitos mais. Havia mesmo no público quem segurasse orgulhosamente um cartaz onde se podia ler: “Wonderhit for english speakers”. A pop meia barroca de “A lady of a certain age” trouxe tudo de novo ao último disco e a familiar “Mother Dear” – apresentada como uma canção para as mães - manteve-nos por lá, com um extra: um banjo. As repescagens continuaram com um momento de especial beleza: “Eye of the needle” lembrou-nos Regeneration de 2001 e algumas ideias chave: “I know that it's wrong for the faithful to seek it / But sometimes I long for a sign, anything / Something to wake up the whole congregation / And finally make up my mind.”
Mas como “Neil Hannon” parece não conseguir estar muito tempo sem gracejar ou mostrar o seu humor refinado, “Our Mutual friend” surge para contar uma história – na verdade tragicómica de um triângulo amoroso. E foi mais ou menos por aqui que Neil Hannon se mostrou mais activo, gesticulando, encenando. Em “Charge”, mistura-se de novo o sexo com a guerra, com direito a imitação de vozes soul por parte de Neil Hannon lá para o final. O homem continua em forma, Neil Hannon continua em forma. Pop redentora, pop bem humorada, pop substancial, pop inteligente ou até sofisticada, pop.
A certa altura do concerto dos Divine Comedy, Neil Hannon perguntava ao público quais eram as suas escolhas para o resto da noite e deixou a sua: Rufus Wainwright. O norte-americano começava a sua actuação pouco depois com uma surpresa desagradável. Sozinho em palco, ao piano ou à guitarra, Rufus Wainwright não foi capaz de evitar que o som que vinha dos outros palcos não se sobrepusesse às suas canções. Foi por isso mesmo que confessou a certa altura que se sentia no Fellini Show e que estava à espera que os palhaços chegassem. Chegou até a confessar que não ouvia aquilo que estava a fazer, mas continuou. Para além de temas como “California”, “The Art Teacher” ou “11:11”, “Cigarettes And Chocolate Milk”, Rufus Wanwright interpretou ainda “Hallelujah” e algumas canções novas que confessou ter escrito há pouco tempo. E porque a família não tem fim, Rufus fez-se acompanhar pelo menos um par de vezes de uma das suas irmãs. Não Martha, mas sim Lucy que apesar de cumprir não foi capaz de mostrar ter uma voz distinta. Tentaram proteger Rufus Wainwright e dar ao concerto alguma intimidade ao marcar o seu concerto para a maior das duas tendas, mas esqueceram-se de a isolar. Nota mental: em Festival de Verão, pop despida e intimista necessita de isolamento extra.
Rufus Wainwright © Angela Costa |
Já perto do fim, a meio de uma qualquer canção, Rufus alertava: “Here comes New Order”. Tinha razão. Com direito a volume muito elevado, os New Order tinham acabado de aterrar no Terminal O. A primeira prova séria de que o Summercase de devia fazer de três dias foi o momento em que se teve de escolher entre os New Order e os Happy Mondays – o mesmo deve ter sentido o jovem que se passeava orgulhosamente pelo recinto com uma camisola da Factory. Feita a escolha, urge dizer que os New Order não são uma banda; são duas. E fazem questão de o mostrar. Não foi surpresa alguma então que a actuação se foi fazendo de temas dos Joy Division e dos New Order: de um lado “Love Will Tear us apart” (aos soluços, às três pancadas, e não foi a única), “Transmission”, do outro lado “Regret”, “Temptation”, esta última já quando os New Order haviam encostado as guitarras para darem prioridade as batidas. Na verdade, e talvez porque o peso fosse demasiado grande, os New Order ‘despacharam’ as “covers” de Joy Division na primeira meia hora de concerto. Muitos devem ter ficado com a sensação que Joy Division sem Ian Curtis é o mesmo que chinês com talheres. Houve ainda temas do último disco e, como não poderia deixar de ser, “Blue Monday”, em modo turista. Ainda assim os New Order estiveram sempre melhores quando apresentaram os temas historicamente assinados como New Order. A passagem por Power, corruption & Lies e o belíssimo momento de “Temptation” (“Oh, you've got green eyes / Oh, you've got blue eyes / Oh, you've got gray eyes / And I've never seen anyone quite like you before”) foram os momentos mais altos.
Alguns passos ao lado era possível ver os Primal Scream de Bobby Gillespie e perceber logo ali, nos primeiros momentos, que neste momento o que lhes vai na cabeça é acima de tudo o rock ‘n’ roll. De resto isso já se podia perceber em Riot City Blues, o último disco. Foi em traços gerais uma actuação plana, sem altos nem baixos, com potencial destaque para o final quando os Primal Scream se fizeram acompanhar por duas senhoras ‘afro’ nas vozes. Mesmo assim quem esperava algo como uma representação em palco de Screamadelica saiu muito provavelmente dali com as expectativas goradas. Apesar de não terem conseguido uma grande actuação, os Primal Scream mostraram que a experiência tem de valer alguma coisa. E experiência é algo que os senhores que se seguiram, os Razorlight, não possuem. Foi no mesmo palco que os Razorlight, apesar da evidente energia, terão conseguido convencer muito pouca gente. Simplesmente porque ainda existem monges copistas mais originais que estes britânicos.
Razorlight © Angela Costa |
Terminada a noite (pelo menos para alguns, já que a noite continuava nas tendas), e olhando para trás registava-se uma sucesso gigantesco: conseguir escapar aos Keane e às suas baladonas rock FM formatadas. Erro de casting? Tiro no pé? O certo é que ainda só se tinha cumprido um dia de festival e com pena ainda não havia a registar uma grande actuação, um concerto memorável – o melhor do dia foram mesmo os Divine Comedy. Nada de perder esperanças. Era altura de apontar para Barcelona e dizer: mandem-nos os vossos que estes já vão a caminho.
Chegados a Madrid aqueles que no dia anterior tinham actuado em Barcelona, estava tudo preparado para começar aquele que era o último dia do primeiro festival Summercase. Ao olhar para o cartaz era possível adivinhar que o segundo dia de festival era aquele mais susceptível de abraçar mais público. Em quantidade e em diversidade. Rumando ao Terminal O encontrávamos pouco depois das 8 da noite os Dirty Pretty Things, o resultado entre os ex-The Libertines Carl Barat e Gary Powell e Anthony Rossomando e Didz Hammond. O resultado final, esse é pouco interessante. Muito barulho, muito berro, pouca música. Rock incaracterístico, a precisar de rumo. Não dá sequer para bater o pé, nem quando tocam ao de leve o reggae dos Clash. Os Dirty Pretty Things são um carro mal oleado e a precisar de revisão. O melhor talvez seja apagar tudo e começar do zero. Se a falta de inspiração fosse punível, os Dirty Pretty Things não iam presos mas pagavam multa.
No terminal, antes da actuação esperada dos Belle & Sebastian actuavam os representantes espanhóis da banda escocesa, o duo Astrud, que por vezes também gostam de ser os Smiths de Espanha. Em concerto apresentam-se como um trio bateria, baixo e guitarra e para este concerto específico anunciavam 12 canções em 45 minutos. E porque Performance é ainda um ‘objecto’ relativamente recente (foi editado em 2004 pela Sinnamon), foi precisamente nele que se baseou a performance dos espanhóis: “Vamos a un bar”, “Masaje”, “Caridad” e “He Vuelto” foram alguns dos temas a ganhar vida em palco. As três últimas são também alguns dos melhores temas, junto com “Quedamos así”, Smiths chapado para quem tem saudades. Em espanhol, entenda-se, como qualquer tema vindo dos Astrud.
Twilight Singers © Angela Costa |
Belle & Sebastian © Angela Costa |
Sigur Rós © Angela Costa |
Massive Attack © Angela Costa |