NOS Alive
Passeio Maritimo de Alges
12-14 Out 2018
Ainda que as velhas superstições nos digam que as sextas-feiras treze têm tendência para trazer com elas o azar, a verdade é que, no que ao NOS Alive diz respeito, nada disso se confirmou; antes pelo contrário, o segundo do dia do certame é bem capaz de ter sido, depois de bem feitas as contas, o mais consistente dos três, com todos os concertos a que assistimos a atingirem, de uma maneira ou de outra, uma fasquia mínima de qualidade.

Fasquia essa que se viu elevada logo durante a tarde, num dos concertos mais suados de todo o festival, Japandroids, que arranjaram maneira de partir a casa toda logo às seis da tarde. Em terras lusas pela terceira vez em pouco mais de um ano (depois de passagens pelo Primavera Sound e por Paredes de Coura, ambas em 2017), os canadianos deram um show que preencheu quase todos os requisitos, e que só pecou pela ausência de duas canções essenciais (“Young Hearts Spark Fire” e “Wet Hair”) e de um glorioso mosh que nos permitisse libertar por completo toda a adrenalina que serve de combustível para os temas da banda. Ainda assim, essas lacunas não nos impediram de suar quase tudo o que tínhamos para suar, saltar e dançar quase tudo o que tínhamos para saltar e danças e, obviamente, gritar a plenos pulmões quase tudo o que tínhamos para gritar. E tudo isto com um David Prowse e um Briank King vindos de directa de terras espanholas; nem queremos imaginar como teria sido se tivessem tido uma boa noite de sono.

Também na lista de menções honrosas está, por razões bem distintas, o concerto que os Eels deram no mesmo palco secundário. Perante uma plateia muitíssimo bem composta, repleta de gente das mais diversas idades que ali se deslocaram para ver um dos grandes nomes de culto do indie rock norte-americano das duas últimas décadas, Mark Oliver Everett e o seu conjunto deram um espectáculo muitíssimo agradável e que só conseguimos descrever como “para toda a família” (e até nem eram poucas as que ali se encontravam, o que ajuda a perceber a falta de molhada acima referida).

Entertainer nato, E não teve problemas em atirar, nas pausas entre canções, doses generosas de paleio, com particular destaque para a celebração da perda da virgindade do seu guitarrista (props). Isso, aliado às versões criativas de alguns dos seus clássicos (como foi o caso de “Novocaine for the Soul”, consideravelmente diferente do original), fez com que este tenha sido uma das actuações mais respeitáveis do segundo dia do NOS Alive.

Uns bons furos acima desse nível esteve, porém, a milésima (mais coisa, menos coisa) passagem dos The National por solo nacional, o que só prova duas coisas: 1) esta relação que norte-americanos têm com o público português é, mais do que um amor de Verão que não morre com a idade, um casamento que tem tudo para durar uma vida toda; 2) esta é uma banda que, foda-se!, sabe dar o mesmo concerto mil vezes e fazer-nos sair de lá com o sabor a novo na língua.

E isso é algo que se deve, sobretudo, ao facto de Matt Berninger saber, de cor e salteado, todos os truques do livro; sabe quando deve quebrar a voz e gritar de emoção, quando deve posar para as câmaras de maneira a fazer-nos sentir que está a cantar só para nós e, mais do que tudo, quando deve saltar para o público e sair de lá vivo e encharcado de cerveja e afecto. E ainda que “Slow Show” tenha ficado, inexplicavelmente, na bagagem do quarto de hotel (rude golpe, senhores!), a verdade é que no final, com a belíssima “About Today” (outra das milhentas canções que os The National têm que encaixa que nem uma luva na linda depressão que é a nossa vida) , até os cépticos (vocês sabem quem são) tiveram que dar a mão à palmatória e aceitar este como um dos grandes concertos do festival.

Também de inegável qualidade foi, sem sombra de dúvida, o concerto dos Queens of the Stone Age pelo mesmo palco principal do NOS Alive, e que apenas conseguimos descrever como o exemplo perfeito daquilo que um concerto rock amargo, sem merdas e para as massas deve ser em 2018. Em Portugal para apresentar Villains, um dos menos conseguidos discos da banda até à data, o grupo encabeçado pelo portentoso (e notoriamente ébrio) John Homme não teve, no entanto, problemas nenhuns em recorrer a uma série de clássicos para dar cor a um espectáculo não poucas vezes selvático e perigoso.

E isso esteve bem patente, sobretudo, nos inúmeros mosh pits que despontavam na plateia (e onde nós, já cansados e cientes dos limites dos nossos corpos, não nos aventurámos a entrar) à medida que temas como “You Think I Ain't Worth a Dollar, but I Feel Like a Millionaire”, “No One Knows” ou “Little Sister” iam sendo atiradas pelos instrumentos de Homme e companhia como se autênticos cocktails Molotov se tratassem. E a rematar tudo, “A Song for the Dead”, canção mais que apropriada para o final de duas horas de carnificina rock onde o cheiro a sangue fresco, narizes partidos e ossos partidos se fez sentir no Passeio Marítimo de Algés.

Depois de algum tempo, passado sobretudo a recuperar forças e a verificar que ainda continuávamos inteiros, seguimos directos para o Palco Sagres. O objectivo? Apanhar o que ainda restava do concerto de Future Islands, banda que, a priori, nem sequer tínhamos curiosidade de rever, mas que fez questão de nos lembrar, com a sua entrega e com a beleza da sua synthpop simples e modesta, do porquê de ser sempre uma decisão mais que acertada revê-los.

Em palco, o grupo mostrou-se igual a si mesmo, gizando de forma serena e impenetrável os ritmos e as melodias maiores que a vida que servem de corpo a pérolas como “A Song for Our Grandfathers” ou “Seasons (Waiting on You)” enquanto Samuel Herring, frontman de excelência, extravasou através dos seus passos de dança erráticos e hipnotizantes todas as emoções que lhe iam na alma. E não, não é nada de transcendente, nem sequer nada que não lhes tenhamos visto antes, mas não conseguimos negar que saímos dali convencidos, uma vez mais, da pureza e da sinceridade das intenções do grupo; e isso, numa era cada vez mais cínica, acaba por ser sempre valioso.

Um pouco menos valiosa terá sido a actuação dos Chvrches, banda escolhida para encerras as hostilidades do segundo dia do evento, e que teve de lidar com alguns problemas de som (que afectaram sobretudo a voz celestial de Lauren Mayberry, vocalista do grupo). Ainda assim, apesar das dificuldades, os escoceses conseguiram arrancar-nos um bom número de sorrisos e suspiros (em grande parte devidos, lá está, aos encantos de Mayberry) e foram hábeis o suficiente para sair dali com um show respeitável, que nos pôs a trautear as melodias de “The Mother We Share” e “Never Say Die”, temas que encerraram o alinhamento, no caminho para casa.
· 16 Jul 2018 · 01:00 ·
João Morais
joao.mvds.morais@outlook.com

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