Ainda que nos últimos anos se tenha tornado “fixe” e da “cena” odiá-lo e falar mal dele nas redes sociais e nas conversas de café desta vida, não conseguimos deixar de olhar com grande carinho e ternura para o NOS Alive. Afinal de contas, é o grande festival da zona de Lisboa, o festival que vimos crescer ao longo dos últimos anos e o evento onde algumas das nossas maiores bebedeiras foram apanhadas, algumas das nossas melhores (e mais embaraçosas) memórias foram criadas, algumas das nossas mais fortes amizades foram forjadas ou cimentadas e, como não podia deixar de ser, alguns dos nossos concertos favoritos tiveram lugar. E é por tudo isso que regressar ao Passeio Marítimo de Algés acaba sempre por ser, certa forma, um regresso a casa. Perdoem-nos o sentimentalismo, mas já tínhamos saudades.
Coisa que, lamentavelmente, nunca poderemos dizer do concerto de Vermú com que fomos brindados à chegada ao recinto. A banda, oriunda de Albacete e vencedora da versão espanhola do concurso EDP Live Bands, trouxe ao (agora chamado) Palco Sagres a sua folk pop melosa e de travo ibérico, numa prestação tão inócua que o único adjectivo minimamente lisonjeiro que lhe conseguimos arranjar foi “competente”. Ainda assim, palmas para eles por terem conseguido animar um pequeno (mas admirável) contingente de fãs seus compatriotas; quanto a nós, confessamos que teríamos ficado mais animados com um ou dois copinhos da bebida a que o grupo foi buscar o nome.
Do lado oposto do espectro da memorabilidade esteve a prestação de Juana Molina, que em cerca de uma hora conseguiu refutar não uma mas duas máximas antigas: a de que velhos são os trapos e de que um bom público faz um bom espectáculo. Surgindo no palco secundário do NOS Alive para enfrentar uma plateia que, convenhamos, na maioria dos casos só ali estava pelo refúgio das altas temperaturas concedido pela sombra da tenda, a argentina de 56 anos em nada se deixou afectar pela relativa (e em muitos casos completa) indiferença com que foi recebida, dando aquele foi o primeiro dos “concertos do caralho para quase ninguém ver” do festival. Para os poucos que sabiam ao que iam, foi um espectáculo a todos os níveis excepcional, com um alinhamento bastante apoiado nas canções de Halo (2017), e onde Molina demonstrou na perfeição o seu jogo de cintura, guinando de forma sublime entre o rock mais efervescente e a pop mais experimental (e digna de abanar a anca). E mesmo não tendo sido o melhor concerto do primeiro dia, podemos sem dúvida dizer que tivemos ali uma bela brisa fresca para nos ajudar a aguentar o fim de uma tarde de Verão particularmente abafada.
E por falar em frescura, como descrever a passagem de Jain pelo Palco Sagres sem recorrer a esse mesmo termo ad nauseum? Naquele que terá sido um dos concertos mais animados do primeiro dia do certame, a francesa provou que não precisa muito para fazer a festa; dêem-lhe um microfone, a sua minúscula mesa de mistura e um bom espectáculo de luzes e ela, com a sua airosa e cativante postura (muito próxima da intersecção dum diagrama de Venn que tenha como conjuntos “diva pop dos alternos”, “professora de ginástica futurista” e “assistente de bordo a dar nos speeds”) faz o resto.
Ainda assim, e apesar de termos vibrado com o infeccioso apelo à dança de temas como “Dynabeat, “Alright” e “Come” (esse singlezão de excelêcncia), depressa nos vimos forçados a sair daquele festim para ver se ainda apanhávamos um pouco da nostalgia que Bryan Ferry espalhava à mesma hora pelo palco principal. Decisão que, em retrospectiva, ainda nos traz algum arrependimento; afinal de contas, à excepção de uma “Slave to Love” particularmente emotiva e de uma prestação acima de tudo profissional, não tirámos dali nada que compensasse o facto de termos perdido a oportunidade de partir chão ao som de “Makeba”.
Na mesma categoria de “gente que deu concertos sobre os quais não há muito para dizer” estão os Wolf Alice, que, apesar enérgica presença de palco de Ellie Rowsell e da pujança do trio de canções com que abriram o alinhamento (a ver, “Your Loves Whore”, “Yuk Foo” e “You’re a Germ”), pouco conseguiram fazer para nos prender no palco secundário. A culpa, no entanto, dificilmente poderá ser apontada aos londrinos; a bem da verdade, os gritantes problemas de som (que “afogaram” quase tudo o que saía dos microfones e das guitarras do grupo), a proximidade do concerto de Nine Inch Nails e a sagrada hora de jantar foram os verdadeiros responsáveis pelo nosso abandono no final da quarta canção do set, “Lisbon”. Se os deuses quiserem, pode ser que tenhamos oportunidade de os apanhar num contexto mais favorável para ambas as partes num futuro não muito distante.
Saciada a fome com a comida para o corpo, só fazia sentido procurarmos um pouco de comida para a alma, coisa que nos foi prontamente servida pelas mãos de Trent Reznor e dos seus Nine Inch Nails. Naquele que foi sem dúvida o concerto mais “pesado” do primeiro dia do festival (e a quantidade de “veteranos” com t-shirts do metal e de mano cornuta erguidas só corroboraram esta nossa linha de pensamento), a trupe decidiu não perder muito tempo a visitar o seu passado recente (passando apenas duas vezes, a meio do alinhamento, pelas canções de um Bad Witch que ainda cheira a novo), preferindo dedicar cerca de metade do show ao negrume e à sujidade de The Downward Spiral (1994) e de outros registos clássicos.
O resultado? Um espectáculo cru e musculado, com um ambiente de se cortar à faca sublinhado pelas imagens a preto e branco que se iam vendo nos ecrãs do palco, e no qual pudemos ver essa formidável fábrica musical que são os NIN a debitar, praticamente sem esforço, alguns dos mais belos sons industriais do século passado. E se é verdade que a intensidade de temas como “Closer” (uma das mais ternas canções de amor de sempre), “Copy of A”, “The Hand that Feeds”, “Head Like a Hole” ou “Hurt” (a fechar de forma perfeita a actuação) nos ia tirando o fôlego, também o é que, para Reznor e companhia, aquela passagem pelo palco principal não foi mais do que uma hora de trabalho.
Ainda atordoados pelo rolo compressor dos NIN, seguimos em direcção ao Palco Sagres, não só para tentar apanhar um pouco do espectáculo dos Friendly Fires, mas também para fugir dos Snow Patrol e, quiçá, descansar um pouco as pernas tendo o concerto de Khalid como música de fundo. E se dos primeiros não há muito para contar, visto que chegámos já na recta final (mas ainda a tempo de apanharmos “Hawaiian Air” e sentirmos raiva por esta banda que não lança nada de substancial desde Pala, lançado há mais de meia década), do norte-americano conseguimos arrancar uma série de apontamentos: a) o fenómeno à volta do artista passa-nos completamente ao lado; b) as canções, não sendo ofensivamente más, também não vão além da típica música de rádio; c) teria sido mais ajuizado pô-lo no palco principal, tendo em conta a enchente e o histerismo palpável que ali se sentia.
Quanto aos Arctic Monkeys, temos que dar a mão à palmatória e dizer que, apesar das nossas baixas expectativas (nascidas de experiências menos boas em 2011 e 2014 e da nossa opinião algo morna em relação a Tranquility Base Hotel & Casino), os britânicos souberam dar show e provar que, de facto, à terceira é mesmo de vez. Com uma abertura que atirou, assim de repente, “Four Out of Five”, “Brianstorm” e “Don't Sit Down 'Cause I've Moved Your Chair”, o grupo mostrou logo à partida as suas intenções: ziguezaguear pelas suas várias encarnações duma maneira que, apesar de errática, conseguiu conjugar de forma satisfatória os seus mais recentes lançamentos com os temas do baú pré-AM que nos transportam de imediato para uma adolescência repleta de borbulhas, hormonas e crises existenciais que, ainda assim, já consegue despertar em nós alguma nostalgia.
Se a isso juntarmos uma prestação que, longe da postura mecânica e algo desinteressada do passado, nos mostrou uma banda capaz de tocar com gosto e empenho, o resultado acaba por ser bastante positivo. E mesmo que, aqui e ali, tenhamos sentido que o grupo esteja perigosamente próximo de se tornar em algo a que facilmente poderíamos chamar de “Alex Turner & the Arctic Monkeys”, a verdade é que a nova persona do frontman, bem próxima de um meio termo entre uma estrela rock de tempos idos e uma má caricatura de um artista residente de um cruzeiro (ou, lá está, dum casino de reputação duvidosa), ajudou a dar cor a um concerto que, bem vistas coisas, esteve muito perto de atingir as quatro estrelas em cinco.
Ainda mais próximo da excelência esteve Sampha, que de tudo fez para nos convencer de que naquele momento o Palco Sagres não era uma tenda, mas sim uma sala fechada e repleta de intimismo. Num concerto pautado pelas simples e vividas cores que iam sendo exibidas enorme ecrã que servia como pano de fundo dos artistas, o britânico e a sua banda puxaram (e de que maneira) pelas emoções patentes nos temas de Process, o que se traduziu numa actuação sentida e capaz de pôr de rastos até os corações mais empedernidos. E depois duma sequência final de luxo, composta por “(No One Knows Me) Like the Piano” e “Blood On Me”, temos de confessar que, mais do que continuar a ver concertos, a nossa vontade era estar naquele momento nas nossas camas, em posição fetal, a chorar copiosamente.
No entanto, não podíamos regressar a casa sem antes passarmos pelo Clubbing para ver o que Sophie tinha para nós. E a verdade é que, para os mais resistentes e apreciadores do lado mais exploratório da música electrónica, a produtora ofereceu uma generosa recompensa. Em formato dj set, a escocesa apresentou-se com uma postura distante e robótica que, apesar de fria, casou na perfeição com os temas ali apresentados (em grande parte retirados de Oil of Every Pearl's Un-Insides, um dos grandes discos deste 2018), numa actuação dividida em duas partes (separadas por uma breve saída de palco) que serviu para mostrar os dois lados de Sophie: a primeira mais dançável e aprazível ao ouvido, e a segunda em modo fritaria levada ao extremo, não aconselhável às sensibilidades mais frágeis mas perfeita para derreter os nossos cérebros e fazer da viagem de comboio que se seguiu uma experiência irrepetível.Ainda que as velhas superstições nos digam que as sextas-feiras treze têm tendência para trazer com elas o azar, a verdade é que, no que ao NOS Alive diz respeito, nada disso se confirmou; antes pelo contrário, o segundo do dia do certame é bem capaz de ter sido, depois de bem feitas as contas, o mais consistente dos três, com todos os concertos a que assistimos a atingirem, de uma maneira ou de outra, uma fasquia mínima de qualidade.
Fasquia essa que se viu elevada logo durante a tarde, num dos concertos mais suados de todo o festival, Japandroids, que arranjaram maneira de partir a casa toda logo às seis da tarde. Em terras lusas pela terceira vez em pouco mais de um ano (depois de passagens pelo Primavera Sound e por Paredes de Coura, ambas em 2017), os canadianos deram um show que preencheu quase todos os requisitos, e que só pecou pela ausência de duas canções essenciais (“Young Hearts Spark Fire” e “Wet Hair”) e de um glorioso mosh que nos permitisse libertar por completo toda a adrenalina que serve de combustível para os temas da banda. Ainda assim, essas lacunas não nos impediram de suar quase tudo o que tínhamos para suar, saltar e dançar quase tudo o que tínhamos para saltar e danças e, obviamente, gritar a plenos pulmões quase tudo o que tínhamos para gritar. E tudo isto com um David Prowse e um Briank King vindos de directa de terras espanholas; nem queremos imaginar como teria sido se tivessem tido uma boa noite de sono.
Também na lista de menções honrosas está, por razões bem distintas, o concerto que os Eels deram no mesmo palco secundário. Perante uma plateia muitíssimo bem composta, repleta de gente das mais diversas idades que ali se deslocaram para ver um dos grandes nomes de culto do indie rock norte-americano das duas últimas décadas, Mark Oliver Everett e o seu conjunto deram um espectáculo muitíssimo agradável e que só conseguimos descrever como “para toda a família” (e até nem eram poucas as que ali se encontravam, o que ajuda a perceber a falta de molhada acima referida).
Entertainer nato, E não teve problemas em atirar, nas pausas entre canções, doses generosas de paleio, com particular destaque para a celebração da perda da virgindade do seu guitarrista (props). Isso, aliado às versões criativas de alguns dos seus clássicos (como foi o caso de “Novocaine for the Soul”, consideravelmente diferente do original), fez com que este tenha sido uma das actuações mais respeitáveis do segundo dia do NOS Alive.
Uns bons furos acima desse nível esteve, porém, a milésima (mais coisa, menos coisa) passagem dos The National por solo nacional, o que só prova duas coisas: 1) esta relação que norte-americanos têm com o público português é, mais do que um amor de Verão que não morre com a idade, um casamento que tem tudo para durar uma vida toda; 2) esta é uma banda que, foda-se!, sabe dar o mesmo concerto mil vezes e fazer-nos sair de lá com o sabor a novo na língua.
E isso é algo que se deve, sobretudo, ao facto de Matt Berninger saber, de cor e salteado, todos os truques do livro; sabe quando deve quebrar a voz e gritar de emoção, quando deve posar para as câmaras de maneira a fazer-nos sentir que está a cantar só para nós e, mais do que tudo, quando deve saltar para o público e sair de lá vivo e encharcado de cerveja e afecto. E ainda que “Slow Show” tenha ficado, inexplicavelmente, na bagagem do quarto de hotel (rude golpe, senhores!), a verdade é que no final, com a belíssima “About Today” (outra das milhentas canções que os The National têm que encaixa que nem uma luva na linda depressão que é a nossa vida) , até os cépticos (vocês sabem quem são) tiveram que dar a mão à palmatória e aceitar este como um dos grandes concertos do festival.
Também de inegável qualidade foi, sem sombra de dúvida, o concerto dos Queens of the Stone Age pelo mesmo palco principal do NOS Alive, e que apenas conseguimos descrever como o exemplo perfeito daquilo que um concerto rock amargo, sem merdas e para as massas deve ser em 2018. Em Portugal para apresentar Villains, um dos menos conseguidos discos da banda até à data, o grupo encabeçado pelo portentoso (e notoriamente ébrio) John Homme não teve, no entanto, problemas nenhuns em recorrer a uma série de clássicos para dar cor a um espectáculo não poucas vezes selvático e perigoso.
E isso esteve bem patente, sobretudo, nos inúmeros mosh pits que despontavam na plateia (e onde nós, já cansados e cientes dos limites dos nossos corpos, não nos aventurámos a entrar) à medida que temas como “You Think I Ain't Worth a Dollar, but I Feel Like a Millionaire”, “No One Knows” ou “Little Sister” iam sendo atiradas pelos instrumentos de Homme e companhia como se autênticos cocktails Molotov se tratassem. E a rematar tudo, “A Song for the Dead”, canção mais que apropriada para o final de duas horas de carnificina rock onde o cheiro a sangue fresco, narizes partidos e ossos partidos se fez sentir no Passeio Marítimo de Algés.
Depois de algum tempo, passado sobretudo a recuperar forças e a verificar que ainda continuávamos inteiros, seguimos directos para o Palco Sagres. O objectivo? Apanhar o que ainda restava do concerto de Future Islands, banda que, a priori, nem sequer tínhamos curiosidade de rever, mas que fez questão de nos lembrar, com a sua entrega e com a beleza da sua synthpop simples e modesta, do porquê de ser sempre uma decisão mais que acertada revê-los.
Em palco, o grupo mostrou-se igual a si mesmo, gizando de forma serena e impenetrável os ritmos e as melodias maiores que a vida que servem de corpo a pérolas como “A Song for Our Grandfathers” ou “Seasons (Waiting on You)” enquanto Samuel Herring, frontman de excelência, extravasou através dos seus passos de dança erráticos e hipnotizantes todas as emoções que lhe iam na alma. E não, não é nada de transcendente, nem sequer nada que não lhes tenhamos visto antes, mas não conseguimos negar que saímos dali convencidos, uma vez mais, da pureza e da sinceridade das intenções do grupo; e isso, numa era cada vez mais cínica, acaba por ser sempre valioso.
Um pouco menos valiosa terá sido a actuação dos Chvrches, banda escolhida para encerras as hostilidades do segundo dia do evento, e que teve de lidar com alguns problemas de som (que afectaram sobretudo a voz celestial de Lauren Mayberry, vocalista do grupo). Ainda assim, apesar das dificuldades, os escoceses conseguiram arrancar-nos um bom número de sorrisos e suspiros (em grande parte devidos, lá está, aos encantos de Mayberry) e foram hábeis o suficiente para sair dali com um show respeitável, que nos pôs a trautear as melodias de “The Mother We Share” e “Never Say Die”, temas que encerraram o alinhamento, no caminho para casa.Ainda meio atordoados pelo cansaço acumulado, pela tareia de duas horas que levámos dos Queens of the Stone Age e pelos sorrisos que arrancámos de todos os concertos a que assistimos no dia anterior, recarregamos as baterias dos telemóveis (e das sempre prestáveis powerbanks que nos ajudam nestas aventuras) e vemo-nos, de cerveja na mão, metidos na Linha de Cascais, na senda de chegar a Algés e queimar lá o que sobra dos cartuchos; afinal de contas, se todo o carnaval tem seu fim, o melhor que temos a fazer é mesmo celebrar a despedida da forma mais digna antes de nos dedicarmos ao merecido descanso.
Descanso esse que, aparentemente, não faz parte dos planos dos Alice in Chains, que deram um show a transbordar de nostalgia (das 13 canções tocadas, apenas quatro vieram da era pós-Laney Staley) e que, perdoem-nos a maldade, mais pareceu um espectáculo de celebração dos saudosos anos 90 do que um concerto em nome próprio. Ainda assim, apesar dos ares de banda tributo que se foram cheirando aqui e ali, não há como negar o impacto que temas como “Man in the Box”, “Would?” ou “Rooster” (a fechar o alinhamento de forma sublime e com cantoria a rodos) conseguem ter, ainda hoje, naqueles que viveram (ou gostavam de ter vivido) os tempos áureos do grunge.
Saídos da máquina do tempo, seguimos em direcção ao palco secundário, onde os Real Estate fizeram questão de dar um dos concertos mais agradáveis de todo o certame. Em perfeita sintonia com os tons de sépia tão típicos do final de tarde onde foram arrumados, os norte-americanos, encabeçados pelo amistoso Martin Courtney (cujos vocais, tantas vezes “abafados” pela produção dos discos do grupo, ali surgiram com uma desarmante e muito bem-vinda clareza) apresentaram um maravilhoso menu de degustação da sua discografia, pontuado, aqui e ali, por alguns improvisos e até novas canções. Não tendo sido nada de transcendente, valeu pela boa onda e, obviamente, pelo vislumbre ao vivo desse single magistral que é “Darling”.
Bem mais vazio de momentos magistrais foi, custa-nos a admitir, o espectáculo de nostalgia (mais um) dos Franz Ferdinand, que subiram ao palco principal do Alive perante uma plateia que, ainda assim, cantou, saltou e vibrou com eles. Mas por mais que a incredulidade perante toda a azáfama nos tenha batido na cara durante quase todo o concerto, há-que admitir: “Take Me Out” e “This Fire” (esta última tendo durado, aproximadamente, vinte mil horas), canções com que os escoceses terminaram o set, conservam ainda todo o élan vibrante e infeccioso que nos conquistou os corações em 2004.
Quanto ao show de Jack White, nome que se lhes seguiu no palco NOS, dificilmente poderemos arranjar melhor adjectivo para o descrever do que “agridoce”, até porque se por um lado foi bastante bom ouvir de viva voz (e de vivas mãos na sempiterna guitarra) uma boa série de temas arrancados do magnífico catálogo dos White Stripes (à mais que óbvia “Seven Nation Army” juntaram-se umas quantas pérolas escondidas como “You Don’t Know What Love is (You Just Do as You’re Told)” ou “We’re Going to Be Friends”), por outro, não deixa de ser triste ver tamanha inclinação no passado por parte de um artista que, parecendo que não, tem muito mais discografia a solo do que aquilo que o alinhamento fez transparecer (das 17 canções da noite, apenas seis vieram dos seus três registos em nome próprio). E isso, bem feitas as contas, acabou por manchar um pouco a imagem que tínhamos de White (um dos nossos heróis de juventude, admitimo-lo), que em solo nacional só nos passou uma manifesta falta de fé nas suas próprias escolhas de carreira. Resumindo: se é para ser assim, mais vale pegar no telefone e ligar à Meg.
Depois de um pequeno saltinho no palco secundário para conferir a frescura e a beleza das canções da brasileira Mallu Magalhães (e o pouco que vimos deu para confirmar isso tudo e muito mais), seguiram-se as 23h15, hora marcada para o tão aguardado início da performance dos Pearl Jam. E, de facto, deu mesmo para tirar todas as teimas: os 800 Gondomar deram um concerto do caralho no palco Coreto, num espectáculo a tresandar a garage rock apunkalhado em todos os aspectos. Ora vejamos: quase ninguém na audiência? Check; verve juvenil e suor catártico a rodos? Check; instrumentos tocados no meio da plateia e até mesmo membros da banda a “desaparecer” debaixo do palco? Check; canções simples até ao tutano e tocadas como se a vida do grupo oriundo do Rio Tinto dependesse disso? Check, check, duplo check.
Hora e meia depois seguiu-se, no entanto, o momento que ficará para sempre gravados nas nossas memórias como sendo a maior injustiça a que alguma vez assistimos num festival de música e, simultaneamente, uma das melhores tareias que recebemos de bom grado nas nossas vidas: o concerto de At the Drive-In no palco Sagres. Encurtado para apenas trinta minutos devido aos atrasos dos Pearl Jam (porque o grupo de Eddie Vedder tinha mesmo de arranjar maneira de nos estragar a vida, mesmo quando escolhemos propositadamente não os ver), o espectáculo conseguiu ser, apesar das limitações de tempo (ou talvez mesmo por causa delas), não só o melhor concerto de todo o NOS Alive, como também um dos melhores concertos das nossas vidas, o vencedor do título “melhor mosh de sempre” e, bem vistas as coisas, uma das melhores meias horas que alguma vez tivemos.
Tudo começou com “Arcarsenal”, uma das mais belas canções de entrada de sempre e sirene de alarme para o festival dentro do festival que ali se operou. Para quem não esteve no pit, terá sido um concerto cheio dessa raiva e frustração que sempre serviu de sumo para o post-hardcore da trupe encabeçada por Cedric Bixler-Zavala, particularmente exacerbada pelas frustrações causadas pelo corte no alinhamento. Para quem, como nós, esteve no olho do furacão, foi um mundo à parte: braços, corpos, pernas por todo o lado, numa interpretação viva de Guernica que só teve rival nos sons mutilados e desfigurados que Omar Rodriguez-Lopez arrancou da sua guitarra.
Do resto do alinhamento, focado sobretudo em Relationship of Command, pouco há a dizer sem cair em redundância: o frenesim, a revolta e a comunhão foram uma constante tanto em “One Armed Scissor” (último tema da noite) como em qualquer uma da meia dúzia de canções desfiladas pelos texanos no palco secundário. E só quando tudo acabou e a poeira assentou, no final daquele festim de meia hora (que bem podia ter sido de duas horas que iria, ainda assim, parecer sempre uma dúzia de segundos), é que nos apercebemos das mudanças fundamentais que os At the Drive-In operaram nas nossas cabeças: não só encerraram de facto o festival, como possivelmente estragaram toda e qualquer música ao vivo daqui em diante.
E foi por isso que, por mais que tenhamos tentado aproveitar um bocadinho dos MGMT no palco principal (uma chachada) e de Perfume Genius (tentativa honrada, mas ninguém estava ali para ele), as nossas mentes nunca pararam de voltar aos flashes das memórias que retivemos do concerto de Bixler-Zavala, Rodriguez-Lopez e companhia. Tivesse sido só isto e já teria sido justificada por completo toda a nossa odisseia de três dias no Passeio Marítimo de Algés; felizmente, o saldo total acabou por ser ainda mais positivo. E assim sendo, só nos resta encerrar com uma salva de palmas ao NOS Alive: foi bom, malta. Foi mesmo muito bom.
João Morais joao.mvds.morais@outlook.com 16/07/2018