Festival Semibreve 2016
Braga
28-30 Out 2016
Se a noite anterior acabou com cinco mongos na Correlhã a beber whisky e a ouvir merda em vinil até às tantas da manhã, a de sábado seguiria caminhos mais sinuosos - mas já lá vamos. Antes disso, havia que estar em Braga para um dos concertos mais aguardados (pelo menos para nós) de todo o Semibreve: o de Christina Vantzou, que se deslocou até à Capela Imaculada do Seminário Menor com o Ensemble Harawi, composto por músicos locais. O local foi sabiamente escolhido; as três peças apresentadas muito tinham de liturgia, o espírito de Deus caminhando sobre os drones e a atmosfera criada pontilhada por leves toques na harpa. Pena foi que tivesse durado apenas meia hora, visto que merecia muito mais. Há quem feche os olhos em meditação profunda, imerso nos sons que aproveitam, quase na perfeição, a acústica peculiar da Capela. E há o corpo físico de Deus - leia-se: Adolfo Luxúria Canibal - que abandona a performance a meio. Deus abandona a Igreja. Esta nunca havíamos visto.

Já a noite dava ares da sua graça quando Rashad Becker sobe a palco acompanhado por Moritz Von Oswald, num casamento que, no papel, tinha tudo para dar certo. Na prática, o piano preparado do primeiro viu-se cercado pela electrónica de ecos improvisacionais do segundo (nada de dub, portanto), num concerto sem qualquer espécie de sentido. De um lado, uma única nota; do outro, só uma breve incursão por terrenos acid fez do espectáculo algo menos que penoso. Penoso, sim, porque não existe a mínima paciência para exercícios de auto-indulgência que terminam como começam, com dezenas a aplaudir a masturbação como se esta fosse arte. Na escala de zero a Tara Perdida terá sido um 9,5.

A irritação sentida dissipou-se de certa forma com Tyondai Braxton, dando lugar a outra - aquela provocada pelo falhanço. O norte-americano, filho de outro Braxton - Anthony - estava a dar um dos melhores concertos do Semibreve quando o seu equipamento, após escassa meia hora, dá o berro. Foi pena. Até então tínhamos sido brindados com noise electrónico, acompanhado por projecções mais ou menos glitchy, onde ritmos ásperos e contagiantes não nos deixavam ficar indiferentes. Isto é, dava para dançar. O que é sempre bem-vindo. Claro que no Theatro Circo, onde a audiência permanece sentada, essa toada perde-se um pouco; mas, como uma bem merecida bofetada, o som de Tyondai Braxton foi inabalável.

Se Andy Stott havia decidido ficar-se pelo dubstep, Laurel Halo subiu a fasquia e passou, também, house e techno em quantidades astronómicas, pelo meio metendo ambient ritmado com groove dub que parece querer fazer com que os corpos se abanem mas que na verdade só nos deixa de mão no queixo, a contemplá-la (ou a tentar, visto que também não foi brindada com assim tanta luz). É quando se entrega à magia do 4/4 que realmente nos cativa. De resto foi apenas sensaborona, tal qual Ron Morelli, já a sala ia a meio, a hora havia mudado e a cerveja ficava mais apetecível. O techno deste soou, ainda assim, melhor que o de Rui Vargas, que apanhámos no Sardinha Biba logo depois. Um momento que é facilmente traduzível pela palavra "socorro".
· 06 Nov 2016 · 22:40 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

Parceiros