Super Bock Super Rock 2016
Lisboa
14-16 Jul 2016
Dia Dois

Há um som que entra pela zona de imprensa adentro, sem pedir licença a ninguém; um som que vem do Médio Oriente, da diáspora cigana, do Brasil quente, da Lisboa sardinhada em altura de Santos Populares. É o som dos Pás de Problème, conjunto movido a speed e a uma bebida misteriosa a que chamam "Padrada", colocada garbosamente dentro de um garrafão defronte do palco. Sete homens em palco a fazer a puta da maior festa que o Super Bock Super Rock viu até agora, com rodas-vivas no meio do público, com um diálogo muitas vezes imperceptível tamanha é a velocidade, com trompete e saxofone e bateria e baixo e, caramba!, com uma joie de vivre que é raro ver num festival destes - até serem expulsos do palco sem apelo nem agravo... Podemos dar-lhes o nosso número de telemóvel para que toquem no nosso casamento?

Logo depois, percebemos finalmente o motivo da saída súbita dos moços: Petite Noir sobe ao palco antes da hora marcada, contrapondo a alegria anterior com um pós-punk tenso e ruidoso onde o grave é rei e senhor; infelizmente, é tão insípido que não podemos deixar de pensar que a ele só lhe basta um hit para ser os novos Bloc Party. Quando pega na guitarra, e a esta se junta um ritmo boom-bap simples, ainda desperta algum interesse, prontamente engolido pela roupagem "grandiosa" com que a sua sonoridade se apresenta. Um bocejo. Um longo, e horrível, bocejo. (PAC)

A caminho do festival ouve-se no auto-rádio, via Antena 3, os Pista a tocarem "Puxa", talvez o maior dos seus pequenos hinos rock. Pensámos que já não vamos conseguir ver muito mais, mas afinal quando se chega ao palco Antena 3 ainda o concerto vai a meio. O grupo começou como duo (com Cláudio Fernandes na guitarra e Bruno Afonso na bateria), passou a trio (com a inclusão da guitarra extra de Ernesto Vitali) e no palco do festival já estavam transformados em quarteto, com o acrescento de Alex D’Alva Teixeira na voz e animação geral. Os Pista exibiram a sua eléctrica combinação de riffs de guitarra viciantes com ritmos intensos, repetidos de forma obsessiva. Os barreirenses inventores do bike-rock deram um concerto frenético, onde nem faltou crowdsurf de D’Alva Teixeira.

Já no palco principal fomos averiguar a que soam os Bloc Party em 2016. Ficámos a saber que soam a uma mescla de indie rock festivo com electrónica pop dançante. O líder Kele Okereke continua a manter a pose e a coolness, só a música não mantém a mesma frescura. Lá pelo meio, obrigatória, aquela música do anúncio da Vodafone ("Banquet"), que faz toda a gente dançar. Se já em 2005, quando o mundo os descobriu com Silent Alarm, não eram propriamente entusiasmantes, dez anos passados a coisa não melhorou. (NC)

Eis que O Homem surge em palco, o tronco nu, a carne já algo flácida pelo avançar da idade, de músculos ainda visíveis e impressionantes, e uma atitude que não esmoreceu com o passar do tempo ou da absurda quantidade de drogas que tomou ao longo da sua vida. É Iggy, último nome Pop. James para os amigos. Deus para o resto do mundo rock. Saracoteia a anca, pede o amor do público, devolve-o em dobro. A lendária Iguana voltou a Portugal e ao SBSR para uma perfeita sessão de pancadaria, desta feita a solo e não com os seus Stooges, que se foram perdendo nos últimos anos para outros desígnios...

...Daí que Iggy, Pop, Deus, seja o foco das atenções nesta segunda noite de festival, levando até à MEO Arena várias gerações, não tendo sido possível, do nosso local, vislumbrar exactamente quantos estavam presentes, porque tal como muitos outros também o Bodyspace foi para as filas da frente sentir na pele a luxúria e a violência destes riffs salva-vidas, não tendo por um segundo olhado em redor... Nem se esperaria outra coisa. Iggy Pop é um buraco negro de atenção: suga todos os olhares para si e para a sua vitalidade inabalável. "No Fun"? "No Fun" o caralho, que não há neste momento ninguém que não se esteja a divertir.

Alinhamento gigante: a "No Fun" segue-se "I Wanna Be Your Dog", a melhor canção de amor da história da humanidade, já com a loucura instalada entre os presentes - pulos, encontrões, cotoveladas, e os dispensáveis telemóveis. E depois dupla viagem aos seus primeiros discos enquanto Iggy Pop; o hino punk que é "The Passenger" e a magnífica "Lust For Life", a mesma que os Jet, julgávamos nós, tinham arruinado para sempre. Nada disso. É Iggy Pop, e ninguém o há-de matar. Por mais que tentem. Só ele poderia cantar uma canção como "Sixteen", daquela forma com que o fez, sem ser acusado de pedofilia. Aquela banda que ali está em palco com ele é só o rastilho, a pólvora é toda ele. "1969", "Sister Midnight", e o cabaret de "Nightclubbing" surgiram, esplendorosas, pela MEO Arena. Para o encore estava reservada "Search And Destroy", já depois de Deus Iggy se ter passeado pelo público, e quem ainda tinha forças apagou-as todas... Só o suor com que dali se sai explica o que foi este concerto de Iggy Pop: um verdadeiro assombro. Assombro. Assombro. Assombro. Repitamo-lo.

Ao entrarmos de novo na MEO Arena para assistir aos cabeças de cartaz propriamente ditos do segundo dia - os Massive Attack -, já depois de meia dúzia de garrafas de água fresca no bucho, somos confrontados por uma espiral noise que serpenteia pelas colunas e acaba no gesto primordial do ritmo. Depois de Iggy, este era um concerto para se ver sentado, nas laterais, acendendo um parpalho e deixando que o hip-hop consciente e envolto em névoa, a partir do qual se criou um novo género musical, inebriasse os nossos sentidos.

Nada feito; os Massive Attack não quiseram ficar atrás de Iggy e ofereceram um espectáculo cativante, onde a única falha foi a presença dos Young Fathers, com quem colaboraram este ano com um novo EP. Não que haja algo de errado com o colectivo escocês. O problema é que para eles entrarem houve muitos malhões dos Massive Attack que tiveram de ficar de fora... Eles que, para além de hip-hop, também sabem ser rock: que o digam as guitarras rasgadas de "Future Proof". E que também estão, como sempre estiveram, sempre alerta. Para além das homenagens previsíveis às vítimas de Nice, houve referências à tentativa de golpe militar turca e - durante a bela "Inertia Creeps" - uma série de headlines a desfilar pelos ecrãs, onde a mais celebrada foi, naturalmente, Portugal é campeão europeu...

Começámos com ruído e com ele terminamos: "Safe From Harm" em registo louco, informação correndo a um ritmo frenético, dados perdidos no horizonte informático; "Unfinished Sympathy" - considerada por muito boa gente como uma das melhores canções de sempre - deu por terminada esta sessão fortemente politizada, num mundo que cada vez o é mais e cada vez mais faz merda por sê-lo. Que voltem com os clássicos todos, por favor. (PAC)
· 20 Jul 2016 · 23:38 ·

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