Milhões de Festa
Barcelos
23-26 Jul 2015
DIA 3 |
Dia Dois
Houve que acordar cedo porque um objectivo de vida tinha de ser obrigatoriamente riscado durante este Milhões de Festa: ver um concerto dos Sunflowers até ao fim. Da primeira vez foram trocados pelo álcool, da segunda pelos Kraftwerk, mas desta feita nem a piscina nos roubou ao Taina para, às duas da tarde, testemunharmos um dos momentos mais rock n' roll desta edição: um amplificador chutado para aqui e para acolá, um membro da audiência a ajudar ao barulho com uma litrosa junto às cordas da guitarra, e uma sessão implacável de garage rock à qual não faltaram belas canções como "Mama Kim" (em ritmo acelerado) e "The King Never Died, He Just Went Home", porque «é mais fácil escrever uma canção que fazer uma cover do Elvis». Rock sujo e caótico como se quer de uma banda que tem tudo para ser um caso muito sério. PAC
Na tarde de sábado já não chegamos a tempo de ver LAmA, mas ainda conseguimos apanhar a actuação completa de MMMOOONNNOOO: encheu a piscina com uma electrónica pastosa, bastante morna. Seguiram-se, vindos da Argentina, os Chancha Via Circuito, que apresentaram ritmos sul americanos sem vergonha, fizeram a festa, conquistaram todo o povo da piscina. E, pelo meio, semeando a solidariedade internacional comunista, até gritaram «Viva Bolívia, Viva Evo Morales!». Já não tivemos oportunidade de ver Concorrência (que fecharia o segundo dia de piscina), porque no palco Taina estava a começar a actuação de Éme. Acompanhado pela sua banda, o cantautor da Cafetra tocou as canções bonitinhas do seu disco, como "Lisa" (diminutivo de Lisboa onde, segundo o cantor, não dá para viver) e ainda aproveitou para apresentar canções novas - uma delas era tão fresca que até se enganou na letra. Seguiu-se a actuação de Go!Zilla, numa onda mais pesada, e El Salvador y las Putas (projecto paralelo do baterista dos Capitão Fausto) fecharia o palco mais tarde.
O palco Milhões abriu com os Grumbling Fur com a sua pop-psych-esquizóide. Sobre esta banda alguém escreveu na Internet: «Grumbling Fur make me want to take drugs». Ok. Já no palco Vodafone.FM os Anthroprophh mostraram o seu som mais pesado. De regresso ao palco Milhões, os The Holydrug Couple continuaram o trabalho da banda anterior daquele palco, mas de uma forma bem mais lapidada. Os chilenos mostraram a sua pop colorida e psicadélica, com o selo de qualidade Sacred Bones, ao mesmo tempo um som ácido e açucarado. NC
Após um magnífico jantar no Nariz de Pato - um dos melhores restaurantes que Barcelos tem para oferecer, pelo menos na nossa opinião - chegamos praticamente no início da bojarda metálica dos Drunk In Hell, um doom pesadão e melhorado por um saxofone que nos fez lembrar os Shining por alturas de Blackjazz ou os Swans do início, tamanho era o poderio sonoro. Arrasando tudo à sua passagem, convidaram ao headbanging muito e até a um ou outro crowdsurf - para além de terem feito tantos outros regressar a casa, para junto das suas mamãs. Assustador é o mínimo.
Não era o concerto mais esperado do Milhões de Festa, mas sim o concerto mais esperado do ano. Michael Rother vinha a Portugal com o merecido estatuto de lenda viva, uma das figuras maiores de um movimento chamado krautrock pelos media britânicos, que desde os anos 70 e até ao novo milénio inspirou centenas e centenas de bandas; e quando assim é, todas as palavras parecem dizer pouco, todos os gestos parecem insuficientes. Esperava-se um concerto que não nos desiludisse, que se baseasse nos míticos temas dos Neu! num registo mais ou menos jukebox, que o legado de Dieter Mobius nos Harmonia não fosse desfeito numa semana que se fez de eulogias. O que tivemos foi simplesmente um dos melhores espectáculos de que há memória, com a máquina Rother imparável e precisa, acompanhada por um guitarrista e um baterista que parecia ter arranjado os seus pratos numa galáxia distante, tal era a estranheza do que por ali se via. Uma estranheza mútua - aqueles sorrisos nos seus rostos perante um público tão respeitador e efusivo deram para perceber que Rother & Amigos não sentem muitas vezes estas manifestações de amor, já que só os livros de história e o passa-palavra ao longo dos tempos lhes fizeram juz. Meu caro, quando "Hallogallo" nos bate de frente, toda ela motorika assinalando o início do século XXI e para sempre romanceando a vida feita numa estrada rumo a lugar algum, ela que é uma de duas canções que o faz de forma tão soberba (a "Roadrunner" de Richman sendo, evidentemente, a outra), é impossível que não sintamos todo o amor do mundo por ti, que não abanemos os corpos num mantra emocional que nos faria debitar uma lagrimita se não estivéssemos tão ocupados a testemunhar in loco um pedaço importantíssimo da história da música que ocupa o nosso dia-a-dia. Não foi um bom concerto. Foi uma grande razão para viver.
Quando dos Peaking Lights se ouve um snippet de "All The Sun That Shines" imaginamos que talvez este Acid Test seja exactamente isso que demonstra 936, o melhor disco da dupla norte-americana, dub solarengo e hipnagógico destinado a soletrar o coração como se fora um riddim encharcado em LSD. Puro engano; o ritmo de pronto acelera, e tudo com que se fica é uma anomia imensa por ver que o que deveria ser um concerto para relaxar, flutuando nas nuvens, afinal é só mais um aborrecimento que bem quer que mexamos os pés, mas que não se apercebe que este beat não faz nada por nós. Que tristeza. Mas eis que do nada, um fenómeno estranho toma conta de Barcelos: serão OVNIs? Serão estrelas cadentes? Será o apocalipse e começará agora o nosso julgamento por parte de Deus? Dezenas de luzinhas brilhantes são avistadas no horizonte, flutuando levemente para sudeste e impelindo o público a juntar-se do lado esquerdo do palco Vodafone para tentar apanhar, da melhor maneira que conseguem, com IPhones e Androids rascas, cada segundo desta coisa inexplicável, que de um momento para o outro se tornou muito mais interessante de se ver que o concerto de Peaking Lights (não que fosse difícil). Passado cinco minutos, surge a confirmação: eram só os balões lançados a partir do Pacha Ofir...
Os Hey Colossus bem precisariam de um momento como este, de fascínio e sorriso na cara; só assim fugiriam ao noise rock feito a doze mãos com que encerraram o palco principal no segundo dia, alicerçados em In Black And Gold, o seu mais recente trabalho. Convidam à violência, e há uma garrafa de plástico que é atirada em direcção ao palco, para logo de seguida um lívido vocalista dizer que «atirar garrafas é pouco rock n' roll», o idiota, que não sabe que o rock é uma coisa selvagem e inexplicável, como as luzinhas de Barcelos o foram por uns minutos. Por vezes resvalando para o metal, e estranhando pelo anormal número de seguranças nas grades - que iam impedindo os fotógrafos de entrar, coisa que não se passou com nenhum outro concerto -, os Hey Colossus deram um concerto que se resume a "interessante", sem que tenha sido mais do que isso. Uns Pop. 1280 sem metade do gozo, vá. PAC
Houve que acordar cedo porque um objectivo de vida tinha de ser obrigatoriamente riscado durante este Milhões de Festa: ver um concerto dos Sunflowers até ao fim. Da primeira vez foram trocados pelo álcool, da segunda pelos Kraftwerk, mas desta feita nem a piscina nos roubou ao Taina para, às duas da tarde, testemunharmos um dos momentos mais rock n' roll desta edição: um amplificador chutado para aqui e para acolá, um membro da audiência a ajudar ao barulho com uma litrosa junto às cordas da guitarra, e uma sessão implacável de garage rock à qual não faltaram belas canções como "Mama Kim" (em ritmo acelerado) e "The King Never Died, He Just Went Home", porque «é mais fácil escrever uma canção que fazer uma cover do Elvis». Rock sujo e caótico como se quer de uma banda que tem tudo para ser um caso muito sério. PAC
Na tarde de sábado já não chegamos a tempo de ver LAmA, mas ainda conseguimos apanhar a actuação completa de MMMOOONNNOOO: encheu a piscina com uma electrónica pastosa, bastante morna. Seguiram-se, vindos da Argentina, os Chancha Via Circuito, que apresentaram ritmos sul americanos sem vergonha, fizeram a festa, conquistaram todo o povo da piscina. E, pelo meio, semeando a solidariedade internacional comunista, até gritaram «Viva Bolívia, Viva Evo Morales!». Já não tivemos oportunidade de ver Concorrência (que fecharia o segundo dia de piscina), porque no palco Taina estava a começar a actuação de Éme. Acompanhado pela sua banda, o cantautor da Cafetra tocou as canções bonitinhas do seu disco, como "Lisa" (diminutivo de Lisboa onde, segundo o cantor, não dá para viver) e ainda aproveitou para apresentar canções novas - uma delas era tão fresca que até se enganou na letra. Seguiu-se a actuação de Go!Zilla, numa onda mais pesada, e El Salvador y las Putas (projecto paralelo do baterista dos Capitão Fausto) fecharia o palco mais tarde.
O palco Milhões abriu com os Grumbling Fur com a sua pop-psych-esquizóide. Sobre esta banda alguém escreveu na Internet: «Grumbling Fur make me want to take drugs». Ok. Já no palco Vodafone.FM os Anthroprophh mostraram o seu som mais pesado. De regresso ao palco Milhões, os The Holydrug Couple continuaram o trabalho da banda anterior daquele palco, mas de uma forma bem mais lapidada. Os chilenos mostraram a sua pop colorida e psicadélica, com o selo de qualidade Sacred Bones, ao mesmo tempo um som ácido e açucarado. NC
Após um magnífico jantar no Nariz de Pato - um dos melhores restaurantes que Barcelos tem para oferecer, pelo menos na nossa opinião - chegamos praticamente no início da bojarda metálica dos Drunk In Hell, um doom pesadão e melhorado por um saxofone que nos fez lembrar os Shining por alturas de Blackjazz ou os Swans do início, tamanho era o poderio sonoro. Arrasando tudo à sua passagem, convidaram ao headbanging muito e até a um ou outro crowdsurf - para além de terem feito tantos outros regressar a casa, para junto das suas mamãs. Assustador é o mínimo.
Não era o concerto mais esperado do Milhões de Festa, mas sim o concerto mais esperado do ano. Michael Rother vinha a Portugal com o merecido estatuto de lenda viva, uma das figuras maiores de um movimento chamado krautrock pelos media britânicos, que desde os anos 70 e até ao novo milénio inspirou centenas e centenas de bandas; e quando assim é, todas as palavras parecem dizer pouco, todos os gestos parecem insuficientes. Esperava-se um concerto que não nos desiludisse, que se baseasse nos míticos temas dos Neu! num registo mais ou menos jukebox, que o legado de Dieter Mobius nos Harmonia não fosse desfeito numa semana que se fez de eulogias. O que tivemos foi simplesmente um dos melhores espectáculos de que há memória, com a máquina Rother imparável e precisa, acompanhada por um guitarrista e um baterista que parecia ter arranjado os seus pratos numa galáxia distante, tal era a estranheza do que por ali se via. Uma estranheza mútua - aqueles sorrisos nos seus rostos perante um público tão respeitador e efusivo deram para perceber que Rother & Amigos não sentem muitas vezes estas manifestações de amor, já que só os livros de história e o passa-palavra ao longo dos tempos lhes fizeram juz. Meu caro, quando "Hallogallo" nos bate de frente, toda ela motorika assinalando o início do século XXI e para sempre romanceando a vida feita numa estrada rumo a lugar algum, ela que é uma de duas canções que o faz de forma tão soberba (a "Roadrunner" de Richman sendo, evidentemente, a outra), é impossível que não sintamos todo o amor do mundo por ti, que não abanemos os corpos num mantra emocional que nos faria debitar uma lagrimita se não estivéssemos tão ocupados a testemunhar in loco um pedaço importantíssimo da história da música que ocupa o nosso dia-a-dia. Não foi um bom concerto. Foi uma grande razão para viver.
Quando dos Peaking Lights se ouve um snippet de "All The Sun That Shines" imaginamos que talvez este Acid Test seja exactamente isso que demonstra 936, o melhor disco da dupla norte-americana, dub solarengo e hipnagógico destinado a soletrar o coração como se fora um riddim encharcado em LSD. Puro engano; o ritmo de pronto acelera, e tudo com que se fica é uma anomia imensa por ver que o que deveria ser um concerto para relaxar, flutuando nas nuvens, afinal é só mais um aborrecimento que bem quer que mexamos os pés, mas que não se apercebe que este beat não faz nada por nós. Que tristeza. Mas eis que do nada, um fenómeno estranho toma conta de Barcelos: serão OVNIs? Serão estrelas cadentes? Será o apocalipse e começará agora o nosso julgamento por parte de Deus? Dezenas de luzinhas brilhantes são avistadas no horizonte, flutuando levemente para sudeste e impelindo o público a juntar-se do lado esquerdo do palco Vodafone para tentar apanhar, da melhor maneira que conseguem, com IPhones e Androids rascas, cada segundo desta coisa inexplicável, que de um momento para o outro se tornou muito mais interessante de se ver que o concerto de Peaking Lights (não que fosse difícil). Passado cinco minutos, surge a confirmação: eram só os balões lançados a partir do Pacha Ofir...
Os Hey Colossus bem precisariam de um momento como este, de fascínio e sorriso na cara; só assim fugiriam ao noise rock feito a doze mãos com que encerraram o palco principal no segundo dia, alicerçados em In Black And Gold, o seu mais recente trabalho. Convidam à violência, e há uma garrafa de plástico que é atirada em direcção ao palco, para logo de seguida um lívido vocalista dizer que «atirar garrafas é pouco rock n' roll», o idiota, que não sabe que o rock é uma coisa selvagem e inexplicável, como as luzinhas de Barcelos o foram por uns minutos. Por vezes resvalando para o metal, e estranhando pelo anormal número de seguranças nas grades - que iam impedindo os fotógrafos de entrar, coisa que não se passou com nenhum outro concerto -, os Hey Colossus deram um concerto que se resume a "interessante", sem que tenha sido mais do que isso. Uns Pop. 1280 sem metade do gozo, vá. PAC
· 01 Ago 2015 · 15:38 ·
Paulo CecÃliopauloandrececilio@gmail.com
DIA 3 |
