O relógio marca poucos minutos após as 17h30 quando chegamos finalmente a Barcelos, passado o martírio de percorrer, a passo de autocarro, uma estrada sinuosa que liga a Correlhã à cidade do galo, onde houve que apelar ao divino para que o nosso vómito não fosse fazer ninho em careca alheia; nunca mais, é uma promessa, uma jura, um garante, nunca mais nos aventuraremos por tamanha montanha russa independentemente de quão bem passado foi o dia menos um deste Milhões de Festa - que, como podem calcular, não se faz apenas de ou em Barcelos; é onde e como quisermos, vai desde o minuto em que se acorda para partir rumo ao Minho até ao segundo em que pousamos as malas no chão da sala, regressados e esbaforidos, cheios de coisas para recordar e recontar. E recontávamos então as 17h30, o ar vibrando de alegria pelo reencontro com a família. Não será de todo necessário que o Milhões é uma família; vamos tendo as nossas divergências, os nossos momentos menos bons, as nossas zangas (tudo referente a 2013 e até certo ponto a 2014), mas cá estamos, ano após ano, para celebrar este filho parido em conjunto por todos nós, tanto os que o organizam como aqueles que fazem o seu ambiente.
O peso triplicado pela bagagem, a fome apertando o estômago e algum cansado ainda restante da noite anterior na magnífica Ponte de Lima, só pisamos o palco Taina a meio do concerto de Happy Meals, ressalvando aqui e agora que esta edição do Milhões de Festa foi a primeira em que não nos dignámos a ir encher o bagulho ao McDonald's local, após as troças/reclamações/indignações dos autóctones em anos anteriores. O brinde que nos estava reservado não era, contudo, tanto musical - já que os britânicos, ainda que interessantes, mais não eram que uns Peaking Lights circa 936 de segunda leva - quanto físico, com as canequinhas de barro destinadas ao vinho verde a revelarem-se um projecto muito mais interessante. Os Cave Story, que segundo consta não conseguiam ver os trastes da guitarra e do baixo devido à parca luz, deram mais um concerto coerente, pautado pelo pós-punk dos temas que fazem parte do seu EP de estreia, faltando lamentavelmente o barulho que fez do espectáculo no NOS Alive uma maravilha mas existindo, como existe sempre, uma dose salutar de perigo nas suas canções, cujas letras já alguns na audiência têm na ponta da língua: "Southern Hype" e "Fantasy Football", por exemplo.
Os Lodge poderiam ser mais uma banda de hardcore a pingar para o grind, mas preferem ser - e abençoados sejam por isso - uma javardice ríffica em tons femininos que distribuiu pancadaria muita pelo Taina e em especial pelas filas da frente, precisando a segurança de reforçar as grades para que não houvesse um acidente mais grave. Num festival que não viveu sem o seu peso, foram sem dúvida uma das apostas mais interessantes, superando em larga escala o que se seguiu no resto da noite zero: Shellac-, perdão, Riding Pânico, Corona Na Casa e Raw Decimating Brutality. Quando os Ekco Deck e os DJs da Casa sobem a palco já a vontade de ouvir música é nula, e por isso houve a necessidade de retemperar forças para sobreviver aos restantes dias. Não que haja mal nenhum nisso. PACDia Um
O primeiro dia da piscina, ou seja, o primeiro dia de Milhões de Festa a sério, arrancou com a actuação de Noz² (lê-se "noz ao quadrado"). Projecto liderado por Bernardo Palmeirim, editou no ano passado o seu registo de estreia, via PAD. Ao vivo a noz apresentou-se com a companhia da bateria de Ricardo Martins (Cangarra, Adorno, etc.) e da guitarra de Jibóia (sim, esse mesmo). Enquanto se davam os primeiros mergulhos o trio mostrou um rock desconcertante, difícil de classificar com rótulos pré-existentes. Seguiu-se a actuação dos Yong Yong, quando já íamos na segunda cerveja. Apresentaram uma electrónica arrastada, dolente, ideal para quem se balançava sobre as bóias da piscina. Já os Tochapestana, que actualizaram o glamour de Marco Paulo para o século XXI, conquistaram a piscina com o seu pimbacore irresistível. Não faltou o êxito "Lisboa", entre outros hits do disco Música Moderna. Para fechar o primeiro dia da piscina a electrónica de Matias Aguayo foi a chave ideal. Num verdadeiro "sunset", Aguayo fez a festa e pôs toda a gente a dançar com a sua electrónica irresistível, ocidentalizada mas ainda assim com um leve travo sul-americano.
Acabada a piscina fomos espreitar o palco Taina, onde ainda apanhámos os Hitchpop, trio que junta três músicos do Porto, dois deles (saxofone e bateria) oriundos do jazz com um baixo oriundo do rock. O saxofone de João Guimarães (e também muitos efeitos electrónicos) juntou-se à bateria do versátil Marcos Cavaleiro, num trio que era complementado com o baixo de Miguel Ramos (Mesa, Supernada, Jorge Palma, NACO). A música, pouco jazzística mas muito exploratória, revelou-se muito interessante e deixou água na boca. Fechado o palco Taina, abriu de seguida o palco Milhões, onde fomos encontrar Al Doum & The Faryads. Os italianos trabalharam longas jams de experimentação psicadélica, com um sabor arábico (pelo uso de flautas e percussão), enquadrando-se na tradição de bandas exploratórias como Kemialliset Ystävät ou DOPO. Abrindo o palco Vodafone.FM, os californianos Tijuana Panthers foram uma bela surpresa. O trio de voz e baixo, guitarra e bateria mostrou um rock rasgadinho, de tradição clássica e sem inventar muito, cheio de temas bem desenhados. Apesar de terem tocado cedo, conquistaram o público e justificaram merecer mais exposição e um palco maior. NC
A presença dos ingleses All We Are num festival como o Milhões de Festa é no mínimo questionável; chamemos-lhe "síndrome Alt-J", já que, para todos os efeitos, mais não parece uma tentativa da organização de tentar ter uma banda quase-famosa no seu cartaz antes que esta se apresente nos Mexefests e Alives desta vida (e não fomos nós que o dissemos: foi um guitarrista barcelense que manterá nestas linhas o anonimato). Porque, ao vivo, lembram exactamente o concerto que os britânicos deram aqui em 2012: um indie chato e sensaborão, em que nem a piadita infame (We are all we are!) coloca algum sal, soft rock sem sentido que a dada altura de desenrola em sotaque brasileiro e arranca numa versão de "Can't Do Without You", do mago Caribou, arruinando-a para sempre aos nossos ouvidos. Foram comprados nos saldos da Pitchfork?
Ainda assim, mil vezes os All We Are que uma nova incursão por terrenos psicadélicos sob a forma dos Cosmic Dead, uma banda que se apresenta com exactamente os mesmos riffs, exactamente os mesmos pedais e os mesmos efeitos desses mesmos pedais, exactamente a mesma drogaria e barulheira que os seus pares nesta coisa do psych têm vindo a apresentar desde o ressurgimento do género ali por volta de 2011, quando o pessoal se começou a cansar do garage e do surf (nem sabem vocês a sorte que tinham então). O melhor que os Cosmic Dead fizeram não foi a chinfrineira de um dos temas, a roçar o metal, que arrastaram por demasiado tempo, como também parece ser apanágio de todas estas bandas hoje em dia; foi mesmo ficarem quietinhos por uns instantes para deitar abaixo uma garrafa de vinho.
Das THEESatisfaction muito se esperava, mas o máximo que se obteve foi um Mac crashado que as obrigou a improvisar a cappella, isto após terem subido ao palco principal com um hip-hop souleado que, no final das contas, promete muito mais do que aquilo que cumpre. Nem as danças das meninas conferem algum calor a uma música que mais não parece que uma paródia da blaxploitation com muito menos piada ou sentido. O funk devia servir para fazer o amor, não para tirar a tesão. Felizmente, esta regressou com o concerto dos HHY & The Macumbas, um dub torcido e retorcido ao ponto da experiência religiosa, magia vudu que nos abala o cérebro até que o ego desapareça num ponto profundo e reste apenas o corpo controlado pelos dedos marioneteiros de Jonathan Saldanha e seus músicos designados. Eis o verdadeiro lado negro da lua.
É difícil perceber os Deerhoof. Se é verdade que a banda demonstra qualidade e energia suficientes para dar um belo concerto - sendo que, nos dias seguintes, ainda havia festivaleiros a entoar, muito depressa, o panda panda panda de uma das canções -, por outro lado o entrecruzar de melodias e tempos, como se estivéssemos a assistir em directo a um choque em cadeia de dezenas e dezenas de veículos, não nos deixam tempo para entender o que por aqui se passa, para além das patadas no ar da vocalista; o punk é tão engolido e desfeito pelo surrealismo pop do shibuya-kei que tentar olhá-lo nos olhos só nos confunde ainda mais. Daí a dificuldade; mas se eles estavam satisfeitos por ter perante si mais de 43 pessoas, o número que dizem ter tido em Sines há uns anos, então nós também o estamos.
Os Golden Teacher representam aquele lado da pop dos anos oitenta que foi dissolvido pela memória e remontado que nem peças de um puzzle para maiores de treze anos, com um vocalista que claramente levaria para casa o Óscar de Melhor DarTudismo de todo o festival não fosse ter concorrido directamente com o mentor por detrás do projecto nacional Vaiapraia, que não se fez rogado nas grades do palco Vodafone e ensinou a toda a gente que o rodeava como se dança despudorada e apaixonadamente. E se os Golden Teacher nos fizeram sentir bem connosco próprios, Perc tratou de nos levar ao ódio - pessoal e alheio - com um set inquietante e agressivo naquela que foi também a apresentação do seu mais recente LP, The Power And The Glory, editado o ano passado. O techno quis-se industrial e a noite acabou com esta mostra de violência em estado dança; depois disto nada mais interessaria. PACDia Dois
Houve que acordar cedo porque um objectivo de vida tinha de ser obrigatoriamente riscado durante este Milhões de Festa: ver um concerto dos Sunflowers até ao fim. Da primeira vez foram trocados pelo álcool, da segunda pelos Kraftwerk, mas desta feita nem a piscina nos roubou ao Taina para, às duas da tarde, testemunharmos um dos momentos mais rock n' roll desta edição: um amplificador chutado para aqui e para acolá, um membro da audiência a ajudar ao barulho com uma litrosa junto às cordas da guitarra, e uma sessão implacável de garage rock à qual não faltaram belas canções como "Mama Kim" (em ritmo acelerado) e "The King Never Died, He Just Went Home", porque «é mais fácil escrever uma canção que fazer uma cover do Elvis». Rock sujo e caótico como se quer de uma banda que tem tudo para ser um caso muito sério. PAC
Na tarde de sábado já não chegamos a tempo de ver LAmA, mas ainda conseguimos apanhar a actuação completa de MMMOOONNNOOO: encheu a piscina com uma electrónica pastosa, bastante morna. Seguiram-se, vindos da Argentina, os Chancha Via Circuito, que apresentaram ritmos sul americanos sem vergonha, fizeram a festa, conquistaram todo o povo da piscina. E, pelo meio, semeando a solidariedade internacional comunista, até gritaram «Viva Bolívia, Viva Evo Morales!». Já não tivemos oportunidade de ver Concorrência (que fecharia o segundo dia de piscina), porque no palco Taina estava a começar a actuação de Éme. Acompanhado pela sua banda, o cantautor da Cafetra tocou as canções bonitinhas do seu disco, como "Lisa" (diminutivo de Lisboa onde, segundo o cantor, não dá para viver) e ainda aproveitou para apresentar canções novas - uma delas era tão fresca que até se enganou na letra. Seguiu-se a actuação de Go!Zilla, numa onda mais pesada, e El Salvador y las Putas (projecto paralelo do baterista dos Capitão Fausto) fecharia o palco mais tarde.
O palco Milhões abriu com os Grumbling Fur com a sua pop-psych-esquizóide. Sobre esta banda alguém escreveu na Internet: «Grumbling Fur make me want to take drugs». Ok. Já no palco Vodafone.FM os Anthroprophh mostraram o seu som mais pesado. De regresso ao palco Milhões, os The Holydrug Couple continuaram o trabalho da banda anterior daquele palco, mas de uma forma bem mais lapidada. Os chilenos mostraram a sua pop colorida e psicadélica, com o selo de qualidade Sacred Bones, ao mesmo tempo um som ácido e açucarado. NC
Após um magnífico jantar no Nariz de Pato - um dos melhores restaurantes que Barcelos tem para oferecer, pelo menos na nossa opinião - chegamos praticamente no início da bojarda metálica dos Drunk In Hell, um doom pesadão e melhorado por um saxofone que nos fez lembrar os Shining por alturas de Blackjazz ou os Swans do início, tamanho era o poderio sonoro. Arrasando tudo à sua passagem, convidaram ao headbanging muito e até a um ou outro crowdsurf - para além de terem feito tantos outros regressar a casa, para junto das suas mamãs. Assustador é o mínimo.
Não era o concerto mais esperado do Milhões de Festa, mas sim o concerto mais esperado do ano. Michael Rother vinha a Portugal com o merecido estatuto de lenda viva, uma das figuras maiores de um movimento chamado krautrock pelos media britânicos, que desde os anos 70 e até ao novo milénio inspirou centenas e centenas de bandas; e quando assim é, todas as palavras parecem dizer pouco, todos os gestos parecem insuficientes. Esperava-se um concerto que não nos desiludisse, que se baseasse nos míticos temas dos Neu! num registo mais ou menos jukebox, que o legado de Dieter Mobius nos Harmonia não fosse desfeito numa semana que se fez de eulogias. O que tivemos foi simplesmente um dos melhores espectáculos de que há memória, com a máquina Rother imparável e precisa, acompanhada por um guitarrista e um baterista que parecia ter arranjado os seus pratos numa galáxia distante, tal era a estranheza do que por ali se via. Uma estranheza mútua - aqueles sorrisos nos seus rostos perante um público tão respeitador e efusivo deram para perceber que Rother & Amigos não sentem muitas vezes estas manifestações de amor, já que só os livros de história e o passa-palavra ao longo dos tempos lhes fizeram juz. Meu caro, quando "Hallogallo" nos bate de frente, toda ela motorika assinalando o início do século XXI e para sempre romanceando a vida feita numa estrada rumo a lugar algum, ela que é uma de duas canções que o faz de forma tão soberba (a "Roadrunner" de Richman sendo, evidentemente, a outra), é impossível que não sintamos todo o amor do mundo por ti, que não abanemos os corpos num mantra emocional que nos faria debitar uma lagrimita se não estivéssemos tão ocupados a testemunhar in loco um pedaço importantíssimo da história da música que ocupa o nosso dia-a-dia. Não foi um bom concerto. Foi uma grande razão para viver.
Quando dos Peaking Lights se ouve um snippet de "All The Sun That Shines" imaginamos que talvez este Acid Test seja exactamente isso que demonstra 936, o melhor disco da dupla norte-americana, dub solarengo e hipnagógico destinado a soletrar o coração como se fora um riddim encharcado em LSD. Puro engano; o ritmo de pronto acelera, e tudo com que se fica é uma anomia imensa por ver que o que deveria ser um concerto para relaxar, flutuando nas nuvens, afinal é só mais um aborrecimento que bem quer que mexamos os pés, mas que não se apercebe que este beat não faz nada por nós. Que tristeza. Mas eis que do nada, um fenómeno estranho toma conta de Barcelos: serão OVNIs? Serão estrelas cadentes? Será o apocalipse e começará agora o nosso julgamento por parte de Deus? Dezenas de luzinhas brilhantes são avistadas no horizonte, flutuando levemente para sudeste e impelindo o público a juntar-se do lado esquerdo do palco Vodafone para tentar apanhar, da melhor maneira que conseguem, com IPhones e Androids rascas, cada segundo desta coisa inexplicável, que de um momento para o outro se tornou muito mais interessante de se ver que o concerto de Peaking Lights (não que fosse difícil). Passado cinco minutos, surge a confirmação: eram só os balões lançados a partir do Pacha Ofir...
Os Hey Colossus bem precisariam de um momento como este, de fascínio e sorriso na cara; só assim fugiriam ao noise rock feito a doze mãos com que encerraram o palco principal no segundo dia, alicerçados em In Black And Gold, o seu mais recente trabalho. Convidam à violência, e há uma garrafa de plástico que é atirada em direcção ao palco, para logo de seguida um lívido vocalista dizer que «atirar garrafas é pouco rock n' roll», o idiota, que não sabe que o rock é uma coisa selvagem e inexplicável, como as luzinhas de Barcelos o foram por uns minutos. Por vezes resvalando para o metal, e estranhando pelo anormal número de seguranças nas grades - que iam impedindo os fotógrafos de entrar, coisa que não se passou com nenhum outro concerto -, os Hey Colossus deram um concerto que se resume a "interessante", sem que tenha sido mais do que isso. Uns Pop. 1280 sem metade do gozo, vá. PACDia Três
A piscina de domingo abriu com os Pista, expoentes do bikecore (e únicos praticantes do género). Tocaram demasiado cedo, pelo que não chegámos a tempo de ver o trio barreirense a tocar o clássico instantâneo "Puxa". Seguiu-se a actuação de Al Lover, que apresentou na piscina a sua electrónica dançante, amálgama de referências dispersas. Até houve espaço para o clássico "Trans-Europe Express" dos Kraftwerk. Mas foi preciso entrar Branko para o povo começar a dançar sem medos em frente ao palco. O músico dos Buraka Som Sistema levou África, claro, mas não só. Ouviram-se sons universais, sempre com objectivo dançante: houve Brasil, Estados Unidos da América, América do Sul, até um pouco de Índia. Deixou dezenas de pessoas a dançar à sua frente e foi sem dúvida o grande vencedor da piscina de domingo. Embora sem mesmo o fôlego da actuação anterior, a dupla Chris Menist + Maft Sai continuou a festa, directamente da América do Sul, enquanto a piscina era ameaçada por uma irritante chuva fininha - que felizmente não passou de ameaça. NC
Aos Test, grindcore feito a dois e com sotaque brasileiro, caberia a missão de encerrar por definitivo o palco Taina. E fizeram-no da melhor forma; um concerto violentíssimo onde o que salta a vista é a qualidade animalesca do baterista, que parece fazer disto tudo algo tão fácil que até uma criança de três anos o conseguiria - e depois apercebemo-nos que não, estamos só perante um baterista do caralho. Não que o guitarrista não o seja, ele que também foi arriscando nos guturais, e que no final da noite dormia aninhado num dos pufes da barraquinha da Jameson, já no recinto. No final, convidam os amigos D.E.R. para uma sessão a cinco, "experimental", onde na coluna da esquerda se ouvia um tema, na da direita outro, e no meio uma salganhada do caraças. Até os Flaming Lips se riram. PAC
O palco Milhões arrancou no domingo com uma das prestações nacionais mais aguardadas, o concerto de Medeiros/Lucas. Combinando o espírito açoriano, trazido pela voz (incrivelmente poderosa, diabólica) de Carlos Medeiros com o espírito e a força rock da banda comandada por Pedro Lucas resulta uma mescla original, intensa e genuína. Houve espaço para uma cantora convidada, Mitó Mendes, e para fechar a banda atacou "O Navio", com toda a sua força emotiva. Já no palco Vodafone.FM os ingleses Gum Takes Tooth foram uma daquelas boas surpresas; apesar do nome estranho, revelaram ser um duo muito curioso. Apenas voz, sintetizador e bateria bastaram para encher todo o palco, a electrónica criativa a crescer sobre a bateria trepidante, com a voz processada a ajudar. Apesar da falha de electricidade (logo na segunda música), ultrapassaram esse percalço e conquistaram facilmente o público. NC
O nome é comprido e é um verdadeiro trava-línguas: The Paradise Bangkok Molam International Band. Vêm da Tailândia e apostam em fazer dançar; como não, já que gamaram todas as suas linhas de baixo aos Chic? Não obstante o plágio, o que é certo é que o concerto do grupo se revela bastante interessante, quanto mais não seja pelo exotismo da coisa e pelo evidente fascínio que revelavam nos seus rostos por estarem a dar um concerto quase do outro lado do mundo. Melhores só os Dreamweapon, space rock feito como manda a tradição, abusando nos efeitos e erguendo-se nos céus de Barcelos como um foguetão descolando rumo a um planeta desconhecido. Com disco de estreia editado recentemente, mostraram que são já um dos valores mais seguros do rock nacional.
Por esta altura já poucas forças existiam para aguentar a última noite de Milhões de Festa, sendo que nem o MD oferecido nos ajudaria a recompormo-nos, e por isso os concertos dos Bad Guys e dos Plus Ultra foram sobejamente ignorados; algo que não podia de todo acontecer com The Bug, até porque o próprio não o permitiria, começando com cinco minutos de noise ambiente que depois vão dar a samples de Death Grips e a beats demoníacos tornados ainda mais satânicos pela presença dos MCs Flow Dan e Manga. Misturando dancehall, dubstep, algum drum n' bass e tudo quanto era agressivo, o britânico deu um concerto memorável, ainda que para pouca gente, e fez-nos repensar seriamente se o que queremos para as nossas vidas é continuar a ouvir música feita com guitarras. Comparados com The Bug, os Prodigy de há duas semanas são uns miúdos tenrinhos que ainda não saíram da fase pontapé-no-cu-da-avó até à de terroristas urbanos escondidos pelo hoodie. E ainda têm a coragem de lançar discos novos...
Findaria o Milhões de Festa, da nossa parte, com os Meridian Brothers, mais um projecto baseado na cumbia que tocaram uma versão de "Purple Haze", levando-nos imediatamente a perguntar ao colega do lado «foda-se, isto é a "Purple Haze?"», como um reflexo. Seguiram-se-lhes os Cairo Liberation Front, que contaram com a presença do Vítor dos Equations em palco, e de La Flama Blanca, que contou com o tronco do Amílcar da Internet. Mas, aqui, já tínhamos abalado em direcção ao sul, trauteando uma das canções que melhor representam a depressão pós-Milhões de Festa que se abate sempre sobre nós quando o terceiro dia termina: "There Is A Light That Never Goes Out"... e a luz regressará em 2016. PAC
Paulo Cecílio pauloandrececilio@gmail.com 01/08/2015