Milhões de Festa
Barcelos
23-26 Jul 2015
DIA 2 |
Dia Um
O primeiro dia da piscina, ou seja, o primeiro dia de Milhões de Festa a sério, arrancou com a actuação de Noz² (lê-se "noz ao quadrado"). Projecto liderado por Bernardo Palmeirim, editou no ano passado o seu registo de estreia, via PAD. Ao vivo a noz apresentou-se com a companhia da bateria de Ricardo Martins (Cangarra, Adorno, etc.) e da guitarra de Jibóia (sim, esse mesmo). Enquanto se davam os primeiros mergulhos o trio mostrou um rock desconcertante, difícil de classificar com rótulos pré-existentes. Seguiu-se a actuação dos Yong Yong, quando já íamos na segunda cerveja. Apresentaram uma electrónica arrastada, dolente, ideal para quem se balançava sobre as bóias da piscina. Já os Tochapestana, que actualizaram o glamour de Marco Paulo para o século XXI, conquistaram a piscina com o seu pimbacore irresistível. Não faltou o êxito "Lisboa", entre outros hits do disco Música Moderna. Para fechar o primeiro dia da piscina a electrónica de Matias Aguayo foi a chave ideal. Num verdadeiro "sunset", Aguayo fez a festa e pôs toda a gente a dançar com a sua electrónica irresistível, ocidentalizada mas ainda assim com um leve travo sul-americano.
Acabada a piscina fomos espreitar o palco Taina, onde ainda apanhámos os Hitchpop, trio que junta três músicos do Porto, dois deles (saxofone e bateria) oriundos do jazz com um baixo oriundo do rock. O saxofone de João Guimarães (e também muitos efeitos electrónicos) juntou-se à bateria do versátil Marcos Cavaleiro, num trio que era complementado com o baixo de Miguel Ramos (Mesa, Supernada, Jorge Palma, NACO). A música, pouco jazzística mas muito exploratória, revelou-se muito interessante e deixou água na boca. Fechado o palco Taina, abriu de seguida o palco Milhões, onde fomos encontrar Al Doum & The Faryads. Os italianos trabalharam longas jams de experimentação psicadélica, com um sabor arábico (pelo uso de flautas e percussão), enquadrando-se na tradição de bandas exploratórias como Kemialliset Ystävät ou DOPO. Abrindo o palco Vodafone.FM, os californianos Tijuana Panthers foram uma bela surpresa. O trio de voz e baixo, guitarra e bateria mostrou um rock rasgadinho, de tradição clássica e sem inventar muito, cheio de temas bem desenhados. Apesar de terem tocado cedo, conquistaram o público e justificaram merecer mais exposição e um palco maior. NC
A presença dos ingleses All We Are num festival como o Milhões de Festa é no mínimo questionável; chamemos-lhe "síndrome Alt-J", já que, para todos os efeitos, mais não parece uma tentativa da organização de tentar ter uma banda quase-famosa no seu cartaz antes que esta se apresente nos Mexefests e Alives desta vida (e não fomos nós que o dissemos: foi um guitarrista barcelense que manterá nestas linhas o anonimato). Porque, ao vivo, lembram exactamente o concerto que os britânicos deram aqui em 2012: um indie chato e sensaborão, em que nem a piadita infame (We are all we are!) coloca algum sal, soft rock sem sentido que a dada altura de desenrola em sotaque brasileiro e arranca numa versão de "Can't Do Without You", do mago Caribou, arruinando-a para sempre aos nossos ouvidos. Foram comprados nos saldos da Pitchfork?
Ainda assim, mil vezes os All We Are que uma nova incursão por terrenos psicadélicos sob a forma dos Cosmic Dead, uma banda que se apresenta com exactamente os mesmos riffs, exactamente os mesmos pedais e os mesmos efeitos desses mesmos pedais, exactamente a mesma drogaria e barulheira que os seus pares nesta coisa do psych têm vindo a apresentar desde o ressurgimento do género ali por volta de 2011, quando o pessoal se começou a cansar do garage e do surf (nem sabem vocês a sorte que tinham então). O melhor que os Cosmic Dead fizeram não foi a chinfrineira de um dos temas, a roçar o metal, que arrastaram por demasiado tempo, como também parece ser apanágio de todas estas bandas hoje em dia; foi mesmo ficarem quietinhos por uns instantes para deitar abaixo uma garrafa de vinho.
Das THEESatisfaction muito se esperava, mas o máximo que se obteve foi um Mac crashado que as obrigou a improvisar a cappella, isto após terem subido ao palco principal com um hip-hop souleado que, no final das contas, promete muito mais do que aquilo que cumpre. Nem as danças das meninas conferem algum calor a uma música que mais não parece que uma paródia da blaxploitation com muito menos piada ou sentido. O funk devia servir para fazer o amor, não para tirar a tesão. Felizmente, esta regressou com o concerto dos HHY & The Macumbas, um dub torcido e retorcido ao ponto da experiência religiosa, magia vudu que nos abala o cérebro até que o ego desapareça num ponto profundo e reste apenas o corpo controlado pelos dedos marioneteiros de Jonathan Saldanha e seus músicos designados. Eis o verdadeiro lado negro da lua.
É difícil perceber os Deerhoof. Se é verdade que a banda demonstra qualidade e energia suficientes para dar um belo concerto - sendo que, nos dias seguintes, ainda havia festivaleiros a entoar, muito depressa, o panda panda panda de uma das canções -, por outro lado o entrecruzar de melodias e tempos, como se estivéssemos a assistir em directo a um choque em cadeia de dezenas e dezenas de veículos, não nos deixam tempo para entender o que por aqui se passa, para além das patadas no ar da vocalista; o punk é tão engolido e desfeito pelo surrealismo pop do shibuya-kei que tentar olhá-lo nos olhos só nos confunde ainda mais. Daí a dificuldade; mas se eles estavam satisfeitos por ter perante si mais de 43 pessoas, o número que dizem ter tido em Sines há uns anos, então nós também o estamos.
Os Golden Teacher representam aquele lado da pop dos anos oitenta que foi dissolvido pela memória e remontado que nem peças de um puzzle para maiores de treze anos, com um vocalista que claramente levaria para casa o Óscar de Melhor DarTudismo de todo o festival não fosse ter concorrido directamente com o mentor por detrás do projecto nacional Vaiapraia, que não se fez rogado nas grades do palco Vodafone e ensinou a toda a gente que o rodeava como se dança despudorada e apaixonadamente. E se os Golden Teacher nos fizeram sentir bem connosco próprios, Perc tratou de nos levar ao ódio - pessoal e alheio - com um set inquietante e agressivo naquela que foi também a apresentação do seu mais recente LP, The Power And The Glory, editado o ano passado. O techno quis-se industrial e a noite acabou com esta mostra de violência em estado dança; depois disto nada mais interessaria. PAC
O primeiro dia da piscina, ou seja, o primeiro dia de Milhões de Festa a sério, arrancou com a actuação de Noz² (lê-se "noz ao quadrado"). Projecto liderado por Bernardo Palmeirim, editou no ano passado o seu registo de estreia, via PAD. Ao vivo a noz apresentou-se com a companhia da bateria de Ricardo Martins (Cangarra, Adorno, etc.) e da guitarra de Jibóia (sim, esse mesmo). Enquanto se davam os primeiros mergulhos o trio mostrou um rock desconcertante, difícil de classificar com rótulos pré-existentes. Seguiu-se a actuação dos Yong Yong, quando já íamos na segunda cerveja. Apresentaram uma electrónica arrastada, dolente, ideal para quem se balançava sobre as bóias da piscina. Já os Tochapestana, que actualizaram o glamour de Marco Paulo para o século XXI, conquistaram a piscina com o seu pimbacore irresistível. Não faltou o êxito "Lisboa", entre outros hits do disco Música Moderna. Para fechar o primeiro dia da piscina a electrónica de Matias Aguayo foi a chave ideal. Num verdadeiro "sunset", Aguayo fez a festa e pôs toda a gente a dançar com a sua electrónica irresistível, ocidentalizada mas ainda assim com um leve travo sul-americano.
Acabada a piscina fomos espreitar o palco Taina, onde ainda apanhámos os Hitchpop, trio que junta três músicos do Porto, dois deles (saxofone e bateria) oriundos do jazz com um baixo oriundo do rock. O saxofone de João Guimarães (e também muitos efeitos electrónicos) juntou-se à bateria do versátil Marcos Cavaleiro, num trio que era complementado com o baixo de Miguel Ramos (Mesa, Supernada, Jorge Palma, NACO). A música, pouco jazzística mas muito exploratória, revelou-se muito interessante e deixou água na boca. Fechado o palco Taina, abriu de seguida o palco Milhões, onde fomos encontrar Al Doum & The Faryads. Os italianos trabalharam longas jams de experimentação psicadélica, com um sabor arábico (pelo uso de flautas e percussão), enquadrando-se na tradição de bandas exploratórias como Kemialliset Ystävät ou DOPO. Abrindo o palco Vodafone.FM, os californianos Tijuana Panthers foram uma bela surpresa. O trio de voz e baixo, guitarra e bateria mostrou um rock rasgadinho, de tradição clássica e sem inventar muito, cheio de temas bem desenhados. Apesar de terem tocado cedo, conquistaram o público e justificaram merecer mais exposição e um palco maior. NC
A presença dos ingleses All We Are num festival como o Milhões de Festa é no mínimo questionável; chamemos-lhe "síndrome Alt-J", já que, para todos os efeitos, mais não parece uma tentativa da organização de tentar ter uma banda quase-famosa no seu cartaz antes que esta se apresente nos Mexefests e Alives desta vida (e não fomos nós que o dissemos: foi um guitarrista barcelense que manterá nestas linhas o anonimato). Porque, ao vivo, lembram exactamente o concerto que os britânicos deram aqui em 2012: um indie chato e sensaborão, em que nem a piadita infame (We are all we are!) coloca algum sal, soft rock sem sentido que a dada altura de desenrola em sotaque brasileiro e arranca numa versão de "Can't Do Without You", do mago Caribou, arruinando-a para sempre aos nossos ouvidos. Foram comprados nos saldos da Pitchfork?
Ainda assim, mil vezes os All We Are que uma nova incursão por terrenos psicadélicos sob a forma dos Cosmic Dead, uma banda que se apresenta com exactamente os mesmos riffs, exactamente os mesmos pedais e os mesmos efeitos desses mesmos pedais, exactamente a mesma drogaria e barulheira que os seus pares nesta coisa do psych têm vindo a apresentar desde o ressurgimento do género ali por volta de 2011, quando o pessoal se começou a cansar do garage e do surf (nem sabem vocês a sorte que tinham então). O melhor que os Cosmic Dead fizeram não foi a chinfrineira de um dos temas, a roçar o metal, que arrastaram por demasiado tempo, como também parece ser apanágio de todas estas bandas hoje em dia; foi mesmo ficarem quietinhos por uns instantes para deitar abaixo uma garrafa de vinho.
Das THEESatisfaction muito se esperava, mas o máximo que se obteve foi um Mac crashado que as obrigou a improvisar a cappella, isto após terem subido ao palco principal com um hip-hop souleado que, no final das contas, promete muito mais do que aquilo que cumpre. Nem as danças das meninas conferem algum calor a uma música que mais não parece que uma paródia da blaxploitation com muito menos piada ou sentido. O funk devia servir para fazer o amor, não para tirar a tesão. Felizmente, esta regressou com o concerto dos HHY & The Macumbas, um dub torcido e retorcido ao ponto da experiência religiosa, magia vudu que nos abala o cérebro até que o ego desapareça num ponto profundo e reste apenas o corpo controlado pelos dedos marioneteiros de Jonathan Saldanha e seus músicos designados. Eis o verdadeiro lado negro da lua.
É difícil perceber os Deerhoof. Se é verdade que a banda demonstra qualidade e energia suficientes para dar um belo concerto - sendo que, nos dias seguintes, ainda havia festivaleiros a entoar, muito depressa, o panda panda panda de uma das canções -, por outro lado o entrecruzar de melodias e tempos, como se estivéssemos a assistir em directo a um choque em cadeia de dezenas e dezenas de veículos, não nos deixam tempo para entender o que por aqui se passa, para além das patadas no ar da vocalista; o punk é tão engolido e desfeito pelo surrealismo pop do shibuya-kei que tentar olhá-lo nos olhos só nos confunde ainda mais. Daí a dificuldade; mas se eles estavam satisfeitos por ter perante si mais de 43 pessoas, o número que dizem ter tido em Sines há uns anos, então nós também o estamos.
Os Golden Teacher representam aquele lado da pop dos anos oitenta que foi dissolvido pela memória e remontado que nem peças de um puzzle para maiores de treze anos, com um vocalista que claramente levaria para casa o Óscar de Melhor DarTudismo de todo o festival não fosse ter concorrido directamente com o mentor por detrás do projecto nacional Vaiapraia, que não se fez rogado nas grades do palco Vodafone e ensinou a toda a gente que o rodeava como se dança despudorada e apaixonadamente. E se os Golden Teacher nos fizeram sentir bem connosco próprios, Perc tratou de nos levar ao ódio - pessoal e alheio - com um set inquietante e agressivo naquela que foi também a apresentação do seu mais recente LP, The Power And The Glory, editado o ano passado. O techno quis-se industrial e a noite acabou com esta mostra de violência em estado dança; depois disto nada mais interessaria. PAC
· 01 Ago 2015 · 15:38 ·
Paulo CecÃliopauloandrececilio@gmail.com
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