Reverence Festival
Valada, Cartaxo
12-13 Set 2014
Corria a informação que devido a um incêndio nas redondezas os concertos do dia se atrasariam, o que acabou por acontecer. Mau para a natureza, bom para quem precisava de repor um pouco as energias e por isso pôde descansar um pouco mais na tenda ou na cama. Foi devido a esse atraso que pudemos apanhar o concerto dos Dreamweapon que acabou por se saldar ainda melhor do que em Moledo do Minho, com o psicadelismo dos senhores a ditar o início da tarde. Mais concentrados na sua performance e contando ainda com a presença de um Telescopes à guitarra para uma curta colaboração no final, os Dreamweapon crescem a cada concerto e começam a tornar-se um caso muito sério. Consta que irão editar brevemente pela Lovers: podemos já pedir uma cópia?

Por esta hora já Adolfo Luxúria Canibal se passeava pelo recinto para encher a sua conta no Instagram de momentos captados num Samsung, como no caso dos Mugstar, que deram um excelente concerto naquele que foi o seu regresso a terras lusas. O quarteto tocou no palco Rio para uma plateia bem composta e mostrou-se em grande forma, rasgando de canção em canção, marcadas pelo ritmo kraut e por alguns laivos prog que agradam tanto ao pessoal do metal como aos aprendizes do psych. Não há dúvida alguma de que mereceriam tocar no palco principal: quarenta minutos é escasso para uma banda da sua envergadura, e demasiado escasso quando constatamos que fizeram mais neste período que alguns conjuntos fazem em duas horas.

E porque uma pausa era necessária e há que falar de tudo, eis-nos a percorrer a Feira das Almas à procura de um souvenir interessante, a ir até aos primeiros socorros tratar de um inchaço provocado por um monstro verde com meia dúzia de patas e a parar durante a tarde pela área VIP para conversar com algumas bandas, testemunhar um bongo feito a partir de uma lata de coca-cola e indagar se o colega da Drowned In Sound não seria uma personagem saída do Trainspotting. Tudo isto e para observar também in loco o DJ set do famigerado DJ Quesadilla, que entre escolhas oriundas de países do terceiro mundo e Martin Garrix proporcionou aquelas que foram as horas mais épicas do festival, ainda que quem estava do lado de fora tenha observado a cena sem querer acreditar... mas a esses chamamos de "néscios" e lamentamos a sua ignorância.

Voltaríamos aos concertos para rever os A Place To Bury Strangers, que infelizmente perdem um pouco da sua violência noise em espaço aberto mas assinam ainda assim um concerto incrível. Rock em estado primitivo e balançado pelo fuzz, um baixista que espanca - literalmente - o groove e uma descarga saudável de energia eléctrica que não permite nem respeita o ácido. No final, Oliver Ackermann ergue a guitarra como um tributo aos deuses do rock e logo de seguida a destrói em dois pedaços para gáudio da assistência. Já lá vão dois anos desde Worship: precisamos urgentemente de um novo disco dos APTBS... e que regressem ao país em nome próprio para, novamente, nos foderem os ouvidos.

Já se sabe que os Psychic TV abandonaram há muito a sua costela industrial e passaram a apresentar tonalidades mais viradas para o psicadelismo, às quais não faltam a ocasional versão - no Cartaxo foram quatro, em Valada iniciam com "Interstellar Overdrive". Infelizmente a intensidade há de lhes ter fugido, já que durante uma hora o concerto da família de Genesis P-Orridge (sim, é um gajo) não foi mais que morno, sem qualquer momento que se tenha prendido na memória. Melhores os Hawkwind, de quem muito se escreveu e que seriam provavelmente o nome maior do cartaz, pela história e pela estreia. Ainda que tenham começado num tom mais aborrecido, provavelmente devido à idade avançada, à terceira canção começaram a mostrar porque é que o space rock não seria nada se não o tivessem inventado: guitarras a estremecer, ritmo forte e um baixo e um teclado a apontar o groove em direcção ao infinito. Não desiludiram quem foi sem expectativas, mas talvez tenham desiludido quem só conhece "Silver Machine": a canção tornada sucesso pela voz de Lemmy Kilmister não passou por aqui. Mas "Steppenwolf", "Uncle Sam's On Mars" e "Hassan I Sahba" (haxixe, haxixe, haxixe...) devem ter feito as delícias dos fãs a sério.

Os Mão Morta são a melhor banda portuguesa da história e isso é indiscutível. Vê-los subir ao palco para de pronto começarem com "Até Cair" e "E Se Depois" liberta-nos para a vida, tal qual a "Hipótese De Suicídio" sobre a qual Adolfo Luxúria Canibal canta no novo disco, que esteve sobremaneira representado neste concerto. Pareceu-nos, contudo, que a voz dos bracarenses não esteve na sua melhor forma, esquecendo-se aqui e ali das letras de algumas canções - ou então somos nós que estamos à espera que façam tudo direitinho sem espaço para alguma improvisação, o que é um claro insulto aos Mão Morta. Faltou volume, com o próprio ALC sugerindo ao público para pedir ao técnico de som que o aumentasse, mas ficou um registo mais virado para o metal de uma banda que desde as suas origens tem fugido aos rótulos. "Charles Manson", "Berlim", "Barcelona" e "Anarquista Duval" não podiam faltar, "Horas De Matar", depois da polémica, também não. Depois de (mais) um concerto assim só poderíamos dizer que se fodam os Black Angels, mas ainda ficámos para assistir à estreia dos norte-americanos por cá. Rock psicadélico negro, pesado q.b., que tem tanto de antigo como de fresco e que deixa a audiência em transe. O problema é que não existe vontade alguma de se ser hipnotizado depois de ver Mão Morta. Não obstante os Black Angels deram um belo concerto: estavam era a competir com um amor de décadas.

Fechado o principal, eis-nos de volta à correria para apanharmos os Crippled Black Phoenix a darem um concerto fenomenal no palco Rio. Tal como os Mugstar horas antes, o super-grupo apresentou-se em topo de forma, começando com temas do seu disco mais recente, como a fabulosa "No!", cascata de guitarras envolvendo-se entre si como uma serpente a uma árvore sem qualquer falha no som; e damos por nós a questionar como é que é possível que tanta gente em palco dê um concerto tão excepcional nesse sentido, cada qual sabendo o seu papel e desempenhando-o da melhor forma. Are you still awake?, perguntam a dada altura, sem obter grande resposta para além de uns aplausos e uns uivos - somos bem-educados, ao que parece... mas, defendamos o público: para quê perder tempo a aplaudir quando nos apanhamos de boca aberta perante tamanha performance, ainda mais quando arrancam para a "velhinha" "Burnt Reynolds", e ainda ainda mais quando terminam o concerto a mandar foder a organização, que lhes queria cortar o som, e a começar uma versão inacreditável da "Bella Ciao"? Que voltem depressa e ocupem uma sala só deles. Ou, considerando esta última, até podem voltar para tocar no Avante. Desde que voltem.

Depois de tamanho tareão os Moon Duo e os 10 000 Russos ofereceriam a mesma coisa boa em palcos diferentes, com vantagem para o trio português no que toca a fazer dançar e vantagem para os norte-americanos no que aos visuais de palco diz respeito, e os Equations subiriam ao palco Reverence para um concerto apontado ao espaço, nessa que é a sua nova faceta abandonada que está a matemática - e o quinteto está a crescer, de concerto para concerto, deixando antever coisa boa para o segundo disco que ainda está por sair. Fechamos o Reverence com Jibóia, que começa a actuar já quase de dia sem transparecer o cansaço que tinha, dando um belo concerto e pondo a mexer os resistentes que se aglomeraram ali naquele canto pelas sete e meia de manhã. Para o ano, há mais?
· 18 Set 2014 · 09:12 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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