Lisb/on Jardim Sonoro
Parque Eduardo VII, Lisboa
6-7 Set 2014
Sem warm-ups no caminho e vencidos pela dor no dia anterior, foi fácil chegar a tempo de torrar por você no parque. Os Thunder & Co., inofensivos e a tocar para praticamente ninguém, justificavam porque é que nem toda a gente consegue fazer boa electrónica e derivados e deixavam antever um PA bem mais brando que no dia anterior. A cabeça agradece e os Sensible Soccers também. Concerto sólido, com direito a dois temas novos – um tem uma irresistível ginga africana e é um tema escrito posteriormente à edição de 8, o outro é um crescendo épico que termina num banho de guitarras, quase drone, e que, segundo explicaram o Hugo e o Né, foi escrito para o festival de curtas de Vila do Conde. Além disso, ainda fomos agraciados com a presença de Sofia Aparício a dançar ao som de “Sofrendo por Você” como se fossem os anos 90 outra vez, e de repente este já é o melhor domingo do mundo. Mucho amor para os Sensible Soccers também, que à oitava vez continuam a ser uma das melhores bandas do mundo e, como qualquer melhor do mundo, mostram que ainda há margem para progredir.

Ainda que fosse o segundo dia naquele imenso espaço verde, o primeira dia a dar tudo pela festa tinha deixado uns quantos truques por revelar, como o inacreditável número de puffs à espera de ser resgatado para a sombra, a ausência sempre bem-vinda de marcas impositivas e a presença de um público raro de tão interessado, que prefere ignorar as exasperantes selfies e quejandos em troca da música. Agradece-se a boa disposição generalizada e a as páginas de um livro de Henry Miller onde se lia “refegos de cona” e “incandescer os ovários” assim de uma assentada. De repente, aquele jardim já é o melhor de sempre.

Valha-nos então Henry Miller, que A Vida Secreta das Máquinas não chegou a valer-nos o que se esperava. Foi o primeiro momento verdadeiramente contemplativo do festival e o público percebeu isso, sentando-se no relvado quase de imediato. Mas a peça, inspirada nas máquinas, parecia incapaz de viver à altura da sua premissa – ou das expectativas -, embora não tenha falhado em mostrar um Rodrigo Leão atento e disposto a abraçar uma identidade que à partida não seria a sua. Embora não tenha sido memorável, valeu pela descontracção que arrebatadora, tal como se queria para um festival diurno.

Se de Tiger & Woods e Mirror People pouco há a dizer além de que agraciaram com competência e animação q.b. a transição entre concertos, de Roy Ayers há mais para dizer do que aquilo que caberá nestas linhas. Faça-se um esforço de contenção, alinhem-se as palavras génio, inacreditável e vitalidade e esta reportagem poderia ficar por aqui. Não há melhor maneira de perceber Roy Ayers senão mergulhando de cabeça e sem olhar para trás no seu baile funk e soul. Por aquilo que se viu no domingo à noite, entre os solos frenéticos de vibrafone e os sorrisos sinceros que lançou para a plateia, ninguém diria que Ayers já conta 73 anos. Ao seu lado, uma banda bem entrosada e capaz de jammar durante largos minutos sem atropeços ou tropeções, assinou com o septuagenário um atestado de vitalidade irrevogável no Lisb/on.

Greg Wilson, lenda viva dos pratos e das bobines, foi o convocado para encerrar a primeira edição de um festival que estava ganho há mais de 24 horas. Com um flow que apelou acima de tudo à descompressão, Wilson moveu-se por terrenos orelhudos e surpreendentemente lentos, resgatando ao baú a sempre deliciosa “Show me Love”, a pegajosa “Everyday” dos Fleetwood Mac, “Rock With You” de Michael Jackson e até “Whole Lotta Love” dos inevitáveis Led Zeppelin. Se Wilson (como o Lisb/on) pecou por alguma coisa, foi só por ser demasiado curto e não acontecer todas as semanas.
· 11 Set 2014 · 23:42 ·
António M. Silva
ant.matos.silva@gmail.com

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