Milhões de festa
Barcelos
20-22 Jul 2012
Agora que o Catarino bazou e deixou aqui, enquanto reportagem, um monte de tanga extraordinariamente bem escrita e informativa que só interessa a quem vai ao Milhões pela música, ou seja, absolutamente ninguém, chegou a hora de voltar a armar a puta e descrever este terceiro dia da forma mais adolescente e desconexa possível. Ou, o que é pior, deixar momentaneamente o fino de lado visto ter de ver, minimamente, concertos. No entanto, já que os primeiros se deram, claro está, na piscina, concentremos-nos exclusivamente nesta e ignoremos as actuações (que foi o que fiz) para dar uns mergulhos na água (que foi o que fiz) e possivelmente papar miúdas giras (que foi o que não fiz, contrariamente ao que possam pensar pessoas ligadas à Popstock e à Time Out). Abriram as hostilidades com Grup Ses Beats, que se limitou a colocar músicas árabes ou turcas ou indianas ou algo do género tudo muito étnico e lindo parecia Sines e que deixou umas quantas a dançar alegremente dentro d'água apesar de ser música bastante inconsequente - mas, concedo, que soube bastante bem num dia quente de verão. Já Naytronix foi inconsequente e sonolento, apesar de ser constituído por dois membros dos óptimos Tune-Yards e a própria Merrill Garbus ter aparecido de surpresa para tocar guitarra. O adeus à mais famosa piscina do país e quiçá do mundo valeu sobretudo pelos Moon Duo e pela descarga de fuzz e ritmo com que o casalinho blues psicadélico apadrinhou os piscineiros, que hão-de ter saído não só com as costas mas também com os ouvidos a arder. Um dia depois de terem actuado no Musicbox, os norte-americanos não fizeram por menos e evocaram tanto os Suicide como os Spacemen 3 numa actuação que não terá deixado ninguém indiferente, até porque o volume - alto, como se queria e quer - o impossibilitava.

E agora os concertos a sério: primeiro pela mão de Al-Madar, que trouxe ao recinto outra dose de mil e uma noites para um concerto agradável que teve como atento espectador Adolfo Luxúria Canibal (o maior do mundo, portanto), e de seguida L'Enfance Rouge, que fez o mesmo, embora numa toada mais rock e magrebina e francesa - algo do género - mas que não pude acompanhar por estar com fome e o porco no espeto ser convidativo, mas não há problema, porque depois encontrei-os no backstage e pedi-lhes desculpa. Os Memória de Peixe subiriam depois ao Palco Vice para apresentar as canções do seu primeiro disco, e parece que é preciso dizê-lo sempre: as canções deste homónimo são construídas à base de loops e de improvisação. O resultado? Bem, o resultado é bastante bom: uma espécie de pós-rock dançável onde o maior hit é "Estrela Morena", malha apunkalhada para soltar a franga, não esquecendo "Indie Anna Jones" e "Fish & Chick", que contaram, respectivamente, com a participação especial de um Best Youth e de uma Chick, a Santigold da Brandoa, segundo ouvi dizer. Também houve pedidos para que se tocasse Smiths, mas estes, infelizmente, não foram correspondidos. Tenho porém de o dizer: os Memória de Peixe funcionam melhor em espaços fechados. Num cenário tão vasto, parece que algo no som se perde, como se as melodias se perdessem no vácuo; mas como isto não é uma reportagem séria, esqueçam tudo isto. Muita era a expectativa para ver, seguidamente, os Alt-J, mas os ingleses esbarraram um pouco na porta do hype; An Awesome Wave é muito bom, mas escusa de ser quase como que fotocopiado em actuações ao vivo. Concerto bastante curto (meia hora?) em que se ouviram, entre outras, "Tesselatte" e "Breezeblocks". Um concerto que se resume com um longo e duradouro bocejo. Os Red Fang seguir-se-iam com uma bojarda categórica de metal pesado, eles que eram claramente uma das bandas com maior número de fãs aqui dentro, tendo acordado, pela força do riff, tudo quanto estava adormecido devido aos Alt-J.

Os Black Bombaim juntamente com os ex-chatos dos Gnod deram um concerto tão do caralho que nem tenho palavras para o descrever e vou limitar-me a separá-lo noutro parágrafo.

Para acabar a última noite em estado de completa euforia seria necessário juntar amigos, não-amigos e potenciais amigos, bem como a quantidade certa de alcoolizados e stalkers; daí que a cegueira tenha permitido, entre outros estranhos momentos, adorar o espectáculo proporcionado pela Discotexas Band, porque remixes de Cramps é sempre amor. Cocktail de house, disco e funk, esta espécie de supergrupo levou uma multidão imensa ao palco secundário que nem por um minuto abandonou a dança. Multidão essa que foi esvaziando o recinto durante a actuação dos Shangaan Electro, que serão daquelas coisas que uns terão amado e outros odiado: eu odiei. Não soa a mais que um pastiche de poliritmos e não parece mais, em palco, que uma actuação circense. Mas, hey, eu sou branco e odeio dançar, normal que tenha detestado. Os Zombies For Money fechariam o Milhões 2013 mas eu não vi por ter tido outras coisas em mãos, mas creio que, pelo ruído, nada de valor se perdeu. Mas equivoco-me: na verdade coube ao gigante Homem Fino fechar o Milhões 2013 com uma actuação surpresa em cima de um dos barracões do backstage. Do sítio onde eu estava não o ouvia, mas espero que tenha tocado os êxitos todos.

Dia Quatro

Acontece mal os seguranças forçam o abandonar do recinto: da euforia à depressão em três curtos passos. O Milhões de Festa acaba, as tendas têm de ser arrumadas, despedidas têm de ser feitas, trolls têm de ser trollados uma última vez. Durante um ano vaguearemos por outros festivais sonhando com o que estará para vir, remexendo nas memórias do passado para que não doa tanto (mas dói: sempre). Se o pudéssemos transformar numa canção...

A felicidade do pobre parece
A grande ilusão do Milhões
Porque nós trabalhamos
O ano inteiro
Por um momento de alegria
Beber mojitos na piscina
Ouvir música até o sol raiar
Ou apanhar uma cegante bebedeira
Para tudo se acabar segunda-feira

Tristeza não tem fim
Milhões de Festa sim
· 24 Jul 2012 · 01:10 ·
Paulo Cecílio e Nuno Catarino

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