Vodafone Mexefest
Avenida da Liberdade, Lisboa
2-3 Dez 2011
Ao segundo dia do Mexefest o corpo já não dá para mais - até porque o dia anterior só terminou pelas sete da manhã e após uma saudável sessão de alcoolemia - mas há ainda que fazer um esforço para ver, entre outros, o enorme James Blake; por isso, se as pernas nos doem muito, metamos uns drunfos e sigamos para a Avenida da Liberdade, corrê-la de lés a lés, dizer a todas as miúdas olá (ou não, considerando a falta absoluta de sociabilidade). O tempo ajudou, depois de uma leve chuva na sexta-feira, e chegou-se cedo o suficiente para não apanhar multidões, excepção feita à entrada do Tivoli, onde por acaso até se conseguiu arranjar um lugar à frente para assistir de forma decente aos dois espectáculos que se lá deram.

Coro Africano © Vodafone

Não éramos os únicos curiosos para saber em que consistiria um concerto do Coro Africano da Igreja de São Luís dos Franceses. O espaço era pequeno e estava completamente cheio de gente que quereria, como nós, confirmar se se estaria perante um concerto gospel ruidoso ou, política e religiosamente falando, e talvez abusando um pouco de um certo estereótipo existente, verificar se isto seria não tanto um coro mas a confirmação do maior triunfo dos negros e da música negra: conseguir cantar loas a Deus utilizando instrumentos do diabo (como nos ensinam os blues ou os Spiritualized). Claro que a desilusão foi total: o Coro Africano não passava disso mesmo, um coro de música religiosa formado por africanos - excepção feita a uma senhora branca de alguma idade -. Mesmo tendo um djambé em palco - no qual se deu início ao concerto com um estoiro, via um músico convidado da Guiné -, este só foi utilizado nas três últimas canções, dando-lhe o interesse que não teve durante a primeira meia hora e tornando-se absolutamente incrível no final quando o ritmo toma conta do pequeno espaço. Para trás ficaram cantares religiosos iguais a tantos outros grupos corais, coisas que até Deus deve achar chato, como se verificou pelo olhar impassível das estátuas de Cristo. Claro, soou tudo muito bonito porque era um coro que cantava; mas não nos esqueçamos que os coros são o autotune da música erudita.

Do Coro Africano passamos para a Lisboa Mulata; meia hora antes do concerto já uma fila considerável se encontrava à porta do Tivoli, mas não foi um problema entrar no espaço. Perante um teatro bem composto (que haveria de rebentar pelas costuras com James Blake) o duo português apresenta-se como imaginamos que a sua música se apresenta, num palco galeria-de-arte-de-guitarras e com uma única luz balançando no topo. Pegando em temas antigos, mas principalmente nos do mais recente Lisboa Mulata, cuja canção do mesmo nome se ouve cedo e nos faz querer dançar - não fora a timidez do público - os Dead Combo fazem do teatro uma festa portuguesa, numa altura em que se tecem os mais variados elogios ao Fado, Património da Humanidade. "Ana Adamastor" é uma bonita dedicatória a uma Ana, do bar Adamastor, e "Morninha do Inferno", tal como a maior parte do repertório dos Dead Combo, é a prova de que Tó Trips é um dos melhores guitarristas nacionais (relembrar que já tocou na melhor banda de todos os tempos). "Esse Olhar Que Era Só Teu" vem com um quase pedido de desculpas por ter sido "roubada" a Amália Rodrigues, "Blues da Tanga" lança a dúvida - seria um banjo eléctrico ou uma motoserra? -, e para o final está reservada a "Marchinha do Santo António Descambado", que vê os Dead Combo partir como vieram: estranhamente solitários, como personagens de um Easy Rider nacional. Fica, acima de tudo, a confirmação (era preciso?) de que o duo é a melhor coisa que aconteceu à música de raiz portuguesa desde que Carlos Paredes entrou nos estúdios da Valentim de Carvalho.

Dead Combo © Vodafone

Queríamos ver James Blake num contexto mais intimista desde que, claro, ouvimos o seu disco de estreia, e, seguidamente, o vimos no Optimus Alive num bom concerto mas que pecou pela "abertura" do espaço. Blake actuou perante a maior multidão do festival (e a mais irritante, virtude dos assobios e gritos entre e durante as canções que pediam o silêncio), e inicia, tal como no primeiro concerto que dele vimos e tal como no disco, com "Unluck". Não faltaram todas as grandes canções do LP - como as "Lindisfarne" e "I Never Learnt To Share" -, como houve igualmente tempo para aquelas que se encontram nos EPs, tanto os mais antigos como os recentes. Temos ao terceiro tema um bonito take à bossa nova (para palermas que nunca ouviram Walter Wanderley) e em "CMYK" uma explosão dançável que quase destruía o teatro com os graves, subgraves e movimento dos corpos colados às cadeiras. Surpreendente foi a cover (que já ninguém se lembrará de que o é) de "Limit To Your Love", que começou belíssima e calma como a conhecemos e que depois se transformou numa incredibilidade para a pista. Ainda houve espaço para "The Wilhelm Scream" e um encore com "A Case Of You", tão exemplarmente tocada que quase arriscamos que, tal como com Feist, deixará de ser de Joni Mitchell. No final ficou sobretudo uma sensação de estranheza: a de ter dado um concerto intimista num espaço aberto em Julho, e um concerto de dança num espaço fechado em dezembro. Mas foi excelente. Não pedimos mais.

James Blake © Vodafone

Depois de muito se procurar pela entrada correcta para o metropolitano dos Restauradores, onde os Blood Red Shoes iriam estar naquele que era o seu regresso a Portugal, chegamos a tempo de "Light It Up", malha power pop retirada do relativamente recente Fire Like This. O duo menino-menina não reinventa a roda, mas é estimulante q.b. para dar um torcicolo ao músculo menos acautelado. "This Is Not For You" é apresentada com a mesma energia que é devolvida pelo público, que a meio de "Don´t Ask" se vê envolvido - nomeadamente quem se encontrava juntinho ao palco - numa bronca descomunal com a segurança, havendo espaço para insultos, pequenas agressões e um pescoço apertado, em mais um caso de policiamento nazi estranhamente comum em concertos por cá. Infelizmente este momento retirou algum do brilho ao concerto, que encerrou o Mexefest (excluindo DJ sets) com chave de prata. Porque Lisboa, a Mulata, não pára de se mexer mesmo com o fim do festival, sai-se dali e deslocamo-nos até ao Bairro Alto para apertar a mão a grande jornalistas e acabamos a beber cerveja de litro na casa de grandes destruidores de Facebooks. As noites do Mexefest são as melhores.
· 06 Dez 2011 · 01:04 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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