Amplifest
Hard Club, Porto
29-30 Out 2011
Nas minhas notas lê-se o seguinte: “Foda-se, que coisa lindíssima. Bardo Pond, sempre Bardo Pond, agora e já Bardo Pond, até um dia Bardo Pond”. Nem é o caso de “banda X toma sítio Y de rompante”, porque não se dá por ela, mas a vaga, quando aterra, é de uma dimensão metafísica. A barreira sonora está lá, mas não é pesada. É algo que assola, se propaga por ondas e que, ao invés de consumir, rejuvenesce, faz florescer.

Bardo Pond © Jorge Silva

O curioso nem é essa complexidade auditiva que os Bardo Pond criam em palco e que, diga-se, é bastante superior àquilo que está presente em álbum. O interessante é a voz de Isobel Sollenberger que parece nadar contra a corrente à primeira vista, mas que depois compreendemos fazer parte de um todo que é, de longe, superior à soma de suas partes.

Completamente distantes da espiritualidade dos Bardo Pond estiveram - e perdoem-me talvez ser inesperado - os Witchburn, que cumpriram a missão destinada às bandas que incluem a palavra Witch no nome (ocorrem-me, assim à primeira, os próprios Witch, os gigantescos Witchcraft ou os tão enormes Witchfinder General), ou seja, entreter por entre palavras de ordem da metalada convencional. Uma das características do Amplifest foi a sua densidade musical, pelo que, no meio, ouvir Witchburn, foi uma lufada de ar fresco, ainda que já respirado e com odor a rastas.

Witchburn © Jorge Silva

L´Enfance Rouge abriram o domingo de forma direta, a tentar despertar as hostes que se começavam a agrupar. O baterista (nota: muitos bateristas de excelente qualidade pisaram os palcos do Amplifest, sendo um dos instrumentos em destaque) dava o sinal para um entrelaçar de vozes, masculina e feminina, num francês com tons de árabe ocasionais. A explorar.

L´Enfance Rouge © Jorge Silva

O público de Barn Owl usufruiu de umas muito estimadas e oportunas cadeiras, para um concerto hipnotizante (a palavra fácil para o género) que, ainda assim, se fez sentir de forma seca. Já Acid Mothers Temple mostraram que, podendo, é vê-los. Divertidos, plenamente interligados, ´riffs´ muito capazes, o concerto mais psicadélico dos dois dias.

Barn Owl © Jorge Silva

O segundo dia de Amplifest compôs um pano deixado em suspenso pela abertura da primeira edição deste novo festival, a decorrer no Hard Club, no Porto. Quem olhar para o cartaz e, depois, para a distribuição horária das bandas vai reparar num pormenor: praticamente todos os nomes em destaque tocaram no segundo dia. O primeiro seria quase um aquecimento.

Findo o Amplifest há algo que se pode declarar sem hesitações: é um exemplo a nível nacional, para tudo quanto for produtora, em termos de organização. Os espaços dentro do Hard Club estavam arranjados de forma soberba, tudo a postos para a circulação de pessoas de uma para outra sala, algo que fluía sem problemas. Acima de tudo, os horários. É para lá de encorajador ir a um evento em Portugal no qual praticamente tudo começa a horas e encerra ao tempo marcado. Não há cá bandas a tocar horas sem fim, não há cá atrasos de meia hora, de 45 minutos ou mais, que são engolidos com um encolher de ombros. É às 21h15, então é às 21h15 que a banda vai arrancar. Bardo Pond acabaram dez minutos antes da hora. Cuzo questionaram-se sobre o que fazer com mais 20 minutos pela frente. L´Enfance Rouge queriam mais e não tiveram. O Amplifest é uma lição de organização e de aprumo.

Porém, com o festival fechado há um facto incontornável, que é o da afluência de público. A organização colocou mil bilhetes à venda. Não sabemos quantos foram efectivamente vendidos, mas uma coisa é certa, houve concertos a começarem com menos de 10 pessoas na sala. O resto estava na do lado a ver algo que tinha começado antes e só viria a entrar após finalizado o outro concerto. Isto para dizer que, num momento normal, na sala 1 do Hard Club, estariam umas 150, 200 pessoas. Um pormenor relacionado com a afluência era a cor das pulseiras. Muitos dos presentes envergavam pulseira vermelha, enquanto os bilhetes adquiridos eram sinal de pulseira negra. Ilações a retirar daqui caberão noutro momento, a outros.

Tudo somado, a organização foi perfeita, sem mácula. A música foi boa companheira, mas esperava-se mais diversidade nos palcos. A melhor frase será a de um companheiro de festival: “Não é o melhor festival de sempre, mas talvez seja a melhor primeira edição de sempre de um festival”.
· 02 Nov 2011 · 23:46 ·
Tiago Dias
tdiasferreira@gmail.com

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