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Amplifest
Hard Club, Porto
29-30/10/2011


Tic tac, tic tac, dizia (acho) a vocalista de OvO durante o primeiro dia de Amplifest, no Hard Club, o que dá azo a que aproveitemos a deixa para falar do óbvio: as horas. O mais evidente é, por vezes, aquilo que é negligenciado, por isso fica aqui a constatação de que, no Amplifest, os horários cumprem-se e a rigor, salvo as excepções da praxe. Neste campo (e noutros, mais adiante), o festival da Amplificasom é um sucesso e um exemplo a seguir a nível nacional.

Talvez não me tenha deixado surpreender ou talvez a surpresa não tenha estado, de facto, lá. O que é certo é que, este sábado, os concertos memoráveis terão estado ausentes, ficando a esperança de que tal venha a ser reposto domingo, com o dia mais pejado de nomes sonantes do Amplifest (Godflesh, Acid Mothers Temple, Barn Owl, Bardo Pond).

O tema do dia quase que podia ter andado entre os sintetizadores e o instrumental, sendo a voz o menor dos atores envolvidos.

Daquilo a que se conseguiu assistir, o destaque vai para uns densos e preenchedores Mugstar e para uns intensos OvO. Mugstar eram um nome já debaixo da mira e não desapontaram, estabelecendo o contraste com uns Stearica que os antecederam no palco da sala 2. Enquanto estes últimos foram meramente competentes nas suas melodias de rock e pós-rock e afins, os britânicos conseguiram cativar, chamar e, acima de tudo, demonstrar complexidade.

OvO podem ter sido repetitivos (o riff parecia sempre o mesmo), mas no excêntrico do desempenho, através das máscaras, dos laivos de noise que estendiam as estruturas das suas canções, conseguiram marcar o dia, novamente, pela capacidade de magnetizar a atenção, pela força daquilo que estava em cima do palco – e não apenas pelo facto de terem um baterista corpulento que tocava de pé.

Jesu não pode ser, nem foi, ignorado, mas há sempre uma reticência inerente à falta de percussão física, ou não tivéssemos acabado de falar de um baterista corpulento. Os concertos de Broadrick, seja como Jesu seja como Godflesh, ficam marcados pela certeza de que não há margem para improviso. A batida é marcada pelo computador. O resto é conversa. Durante uma paragem do concerto de Jesu alguém gritou pela “Farewell”. Sem resposta, o requerente voltou à carga. (Silêncio). “Are you fucking deaf? ´Farewell´!”, insistiu. Podia jurar que Broadrick sorriu, mas não reagiu para lá disso. Houve, ainda assim, “Losing streak”, mas nada que seja martelada auditiva como se impunha.

De resto, Rise and Fall foram ´hardcore´ bem intencionado, mas longe da carga que o género requer nos dias que correm. A inexistência de mosh está para lá da minha compreensão. Pergunto-me se o simples facto de os concertos passarem para IVA a 23 por cento não seria suficiente para gerar um mosh, com ou sem música, quanto mais ao som de uma banda do tipo destes belgas. Se o pessoal está zangado, não o demonstrou ali.

Cuzo foram uma diversão, Sungrazer ´stoner´ tradicional sem tirar nem pôr, Suzuki Junzo interessante. O único que escapou foi Rorcal, que, por motivos de escape para jantar pré-Mugstar e Rise and Fall, falhámos. Naturalmente, será o que andará nas bocas de toda a gente como o concerto da noite. Digo eu e a lei de Murphy.Nas minhas notas lê-se o seguinte: “Foda-se, que coisa lindíssima. Bardo Pond, sempre Bardo Pond, agora e já Bardo Pond, até um dia Bardo Pond”. Nem é o caso de “banda X toma sítio Y de rompante”, porque não se dá por ela, mas a vaga, quando aterra, é de uma dimensão metafísica. A barreira sonora está lá, mas não é pesada. É algo que assola, se propaga por ondas e que, ao invés de consumir, rejuvenesce, faz florescer.

O curioso nem é essa complexidade auditiva que os Bardo Pond criam em palco e que, diga-se, é bastante superior àquilo que está presente em álbum. O interessante é a voz de Isobel Sollenberger que parece nadar contra a corrente à primeira vista, mas que depois compreendemos fazer parte de um todo que é, de longe, superior à soma de suas partes.

Completamente distantes da espiritualidade dos Bardo Pond estiveram - e perdoem-me talvez ser inesperado - os Witchburn, que cumpriram a missão destinada às bandas que incluem a palavra Witch no nome (ocorrem-me, assim à primeira, os próprios Witch, os gigantescos Witchcraft ou os tão enormes Witchfinder General), ou seja, entreter por entre palavras de ordem da metalada convencional. Uma das características do Amplifest foi a sua densidade musical, pelo que, no meio, ouvir Witchburn, foi uma lufada de ar fresco, ainda que já respirado e com odor a rastas.

L´Enfance Rouge abriram o domingo de forma direta, a tentar despertar as hostes que se começavam a agrupar. O baterista (nota: muitos bateristas de excelente qualidade pisaram os palcos do Amplifest, sendo um dos instrumentos em destaque) dava o sinal para um entrelaçar de vozes, masculina e feminina, num francês com tons de árabe ocasionais. A explorar.

O público de Barn Owl usufruiu de umas muito estimadas e oportunas cadeiras, para um concerto hipnotizante (a palavra fácil para o género) que, ainda assim, se fez sentir de forma seca. Já Acid Mothers Temple mostraram que, podendo, é vê-los. Divertidos, plenamente interligados, ´riffs´ muito capazes, o concerto mais psicadélico dos dois dias.

O segundo dia de Amplifest compôs um pano deixado em suspenso pela abertura da primeira edição deste novo festival, a decorrer no Hard Club, no Porto. Quem olhar para o cartaz e, depois, para a distribuição horária das bandas vai reparar num pormenor: praticamente todos os nomes em destaque tocaram no segundo dia. O primeiro seria quase um aquecimento.

Findo o Amplifest há algo que se pode declarar sem hesitações: é um exemplo a nível nacional, para tudo quanto for produtora, em termos de organização. Os espaços dentro do Hard Club estavam arranjados de forma soberba, tudo a postos para a circulação de pessoas de uma para outra sala, algo que fluía sem problemas. Acima de tudo, os horários. É para lá de encorajador ir a um evento em Portugal no qual praticamente tudo começa a horas e encerra ao tempo marcado. Não há cá bandas a tocar horas sem fim, não há cá atrasos de meia hora, de 45 minutos ou mais, que são engolidos com um encolher de ombros. É às 21h15, então é às 21h15 que a banda vai arrancar. Bardo Pond acabaram dez minutos antes da hora. Cuzo questionaram-se sobre o que fazer com mais 20 minutos pela frente. L´Enfance Rouge queriam mais e não tiveram. O Amplifest é uma lição de organização e de aprumo.

Porém, com o festival fechado há um facto incontornável, que é o da afluência de público. A organização colocou mil bilhetes à venda. Não sabemos quantos foram efectivamente vendidos, mas uma coisa é certa, houve concertos a começarem com menos de 10 pessoas na sala. O resto estava na do lado a ver algo que tinha começado antes e só viria a entrar após finalizado o outro concerto. Isto para dizer que, num momento normal, na sala 1 do Hard Club, estariam umas 150, 200 pessoas. Um pormenor relacionado com a afluência era a cor das pulseiras. Muitos dos presentes envergavam pulseira vermelha, enquanto os bilhetes adquiridos eram sinal de pulseira negra. Ilações a retirar daqui caberão noutro momento, a outros.

Tudo somado, a organização foi perfeita, sem mácula. A música foi boa companheira, mas esperava-se mais diversidade nos palcos. A melhor frase será a de um companheiro de festival: “Não é o melhor festival de sempre, mas talvez seja a melhor primeira edição de sempre de um festival”.

Tiago Dias
tdiasferreira@gmail.com
02/11/2011
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