Festival Optimus Alive!11
Passeio Marítimo de Algés, Lisboa
06-09 Jul 2011
Três dias e largas dezenas de bandas e DJs depois, eis-nos chegados à derradeira etapa do tour musical que teve lugar no passeio marítimo de Algés: cartaz para todos os gostos, dos adolescentes aos maduros, dos mainstream aos “alternativos” (que hoje são boa parte da maioria…), de quem vai pelo rock e de quem não sai da tenda electrónica. A prudência aconselhar-me-ia a fazer uma selecção criteriosa dos concertos, mas em vez de passar o dia em modo-poupança andei feito barata-tonta de palco em palco.

4º dia

Antes de os Linda Martini comprovarem que o punk/hardcore (normalmente associado a quem não toca um boi e se limita a fazer barulho) tem sido das melhores escolas de música portuguesas, faço tempo no coreto, onde os Homens da Luta dão voz a camaradas de ambos os sexos. Sobre a polémica classificação dada pela Moody´s a Portugal, Jel comenta: «Lixo?! Não somos lixo! Lixo é a minha casa ao domingo à noite! Lixo é a casa-de-banho do Falâncio!».

Não faço ideia em que nível as agências de notação financeira colocariam a prestação de Linda Martini. Mas sei que a considerável legião de admiradores da banda preencheu muito bem o palco Super Bock. E a adesão do público é mais do que merecida. Hélio Morais não precisa duma bateria siamesa para encaixar batimentos cardíacos acelerados nos caminhos percorridos pelos riffs de Pedro Geraldes. “Amor Combate” começa calminha, com as meninas a cantarem «Eu quero estar lá / Quando tu tiveres de olhar para trás», mas depressa crescem espinhos naquela flor. Aguçados, cortantes como a paixão – porque quando não sangra é outra coisa qualquer e «o chão que pisas sou eu» são estilhaços em forma de mantra. Com outro mantra, entoado pelo público – «foder é perto de te amar, se eu não ficar perto» –, termina um dos melhores concertos do festival.

Final de tarde com vista para o rio (a ponte e o Cristo-Rei dum lado, o skyline da Linha de Cascais do outro), e o Alive ganha por momentos uma aura intimista pouco usual no circo que caracteriza um festival de música. É sob este cenário romântico que entram em palco os Kaiser Chiefs, com “Everyday I Love You Less And Less”. Tocam músicas power pop com refrões catchy, como “Ruby” ou “I Predict a Riot”, e o vocalista Ricky Wilson abandona o palco para servir imperiais como se estivesse num pub. Mas Tv on the Radio iam começar no outro lado do recinto, por isso era tempo de me pôr a mexer.

Após uma breve passagem pela tenda electrónica, onde DJ Ride assistia à prestação de Gold Panda, começo a ouvir a voz grave de Tunde Adebimpe e o groove denso dos Tv on the Radio. Em “Will Do”, do recente Nine Types of Light, casalinhos abraçam-se e dançam bem juntinhos, mas logo regressam os ritmos tensos com electrónica à mistura. Por entre a soul e o experimentalismo de influência jazzística, a banda não perde a harmonia melódica, e a muralha sonora formada pelas guitarras e os sopros transporta-nos para outra dimensão. As últimas músicas (“Staring at the Sun”, “Repetition” e “Wolf Like Me”) foram somente apoteóticas, a confirmar que este era o super palco do Alive.

Enquanto os Paramore tocavam um rock pachacha, alguns VIPs (em Portugal não é difícil aceder ao klube) já entoavam o hit “Barbra Streisand”, que poderia ser ouvido no encerramento do palco principal. Se tudo corresse como planeado (graças a Deus, correu!), por essa hora já estaria bem longe dali. Antes do concerto da noite, ainda havia tempo para ouvir Diabo na Cruz, convidados à última hora para substituir Dizzee Rascal, que, de acordo com o comunicado da organização, tivera «problemas com o voo». O colectivo de B Fachada, Jorge Cruz e Bernardo Barata conjuga a energia do rock com raízes folk de tal forma que “Dona Ligeirinha” põe casais a dançar o vira em pleno festival urbano. Jorge Cruz diz que vieram nos seus batmobiles para nos dar festa. Nós agradecemos, pois, e festejamos ao som de “Bom Tempo” e “Tão Lindo”.

Perdoem-me não ter visto Diabo na Cruz até ao fim e a atitude fanboy que acompanhará o relato de Jane´s Addiction. Mas andava para ver um concerto deles há quase vinte anos, por isso qualquer tentativa de isenção seria inútil. Assumo-o desde já, e começo por dizer que foi o melhor concerto desta edição do Alive – que todos os outros (especialmente Iggy Pop) me desculpem, mas quem diz a verdade não merece castigo. Antes do concerto começar ainda pensei «Será que a espera valeu a pena?», mas bastou soarem os primeiros acordes de “Mountain Song” para ter uma epifania. Passadas décadas (e muitas tendências musicais), as composições da idade dourada desta banda – que estava na vanguarda alternativa quando esse termo ainda não valia um chavo – não perderam um pingo da sua frescura e originalidade. E pelo Palco Optimus desfilaram malhas que têm um lugar na História, como o transe erótico de “Three Days” (as bailarinas exóticas que desceram do tecto estavam ali por alguma razão), “Been Caught Stealing” – que tem um dos melhores vídeos que já vi –, a épica “Ocean Size” ou “Stop”. Se a arte não é esta capacidade de resistir à passagem do tempo, fecho já o bloco de notas e dedico-me à puericultura. O resto foi assistir a um dos maiores performers de sempre (Perry Farrell, claro, que não largou a sua garrafa de vinho tinto, brincou com as «bonitas raparigas – e rapazes, também – e mostrou de que fibra se faz uma rockstar), a um guitarrista ultra-talentoso como Dave Navarro (caguem nos mexericos, na atitude poseur e na fase RHCP) e a um espectáculo de rara magia. Para o encore guardaram “Jane Says”, uma das mais belas canções de amor (e putas, ok!) que conheço. Señores y señoras, de Los Angeles… Juana´s Addiction!!

Só não fui logo a seguir para casa por duas razões: a) gosto sempre de fumar uma cigarrada depois de mandar uma; b) nunca é demais ouvir Orelha Negra, mesmo que apenas se tenha direito a um cheirinho da super-banda. E só tive direito a dois shots: um medley que incluiu temas como “Adivinha Quem Voltou”, de Da Weasel, ou “Smack My Bitch Up”, dos Prodigy, e o original “A Cura”. Serviu, ainda assim, para testemunhar que a banda de Sam The Kid e João Gomes fica mais vibrante e solta de concerto para concerto, o que lhe permite improvisar durante os temas e passar carradas de energia para o público. Um dia o palco principal do Alive será deles.
· 11 Jul 2011 · 00:18 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net

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