Festival Optimus Alive!11
Passeio Marítimo de Algés, Lisboa
06-09 Jul 2011
Existe algo de muito belo e reconfortante no slogan da Optimus: de que é que precisas? Soa como se um pai, ao olhar carinhosamente para o seu filho, estivesse disposto a dar a sua vida para que o progénito cumpra o desígnio de todos os seres humanos, que é ser feliz. É suave e relaxante. Faz renascer a esperança em tempos de tamanha crise. É como se nos estendessem a mão e nos sussurrassem ao ouvido: "vai acabar tudo bem". Pois bem, cara Optimus. Isto é a lista daquilo que eu preciso. Preciso de dinheiro, naturalmente. Não muito - o suficiente para viver confortavelmente. Preciso de encontrar o amor da minha vida, e ser correspondido nesse mesmo amor. Preciso que os Smiths se reúnam. Mas precisava, acima de tudo precisava, de um fotógrafo que me acompanhasse no teu festival. Só que isso não aconteceu, e por isso não me sinto tão reconfortado quanto poderia estar. Mas eu sei que a culpa não é tua. A culpa só é tua quando no teu festival os telemóveis a ti ligados não têm rede, que nem é um problema que se possa dizer original. Não que eu tenha amigos a quem ligar, mas gosto de ver a barrinha cheia no canto esquerdo do ecrã no meu Nokia. Resolve lá isso um destes anos, por favor.

1º dia

A hora é a mesma de sempre; três da tarde, sinal para a corrida dos cem metros fanboy. Muitos jovens armados com cartazes e t-shirts do Viva La Vida ganharam. Perdeu a humanidade. Claro que tendo em conta a enchente que se iria verificar à noite até se percebe, mas na altura tal não me ocorreu. O que me ocorreu foi apenas isto: devo dar uma hipótese à programação nacional, ou devo dirigir-me já para o secundário esperar uma banda que não conheço? Enquanto me decidia, aproveitei para dar um pulo até ao coreto onde os Homens da Luta faziam os primeiros ensaios. Aplaudo desde já o excelente gosto do camarada Falâncio, armado com uma t-shirt de Misfits. Só que a espera adivinhava-se algo longa, e assim se decide ir dar uma volta pelo recinto. Muitas miúdas e miúdos betos, alguns casais com os filhos pela mão. Sol abrasador. A constatação de que uma imperial aqui dentro custa os olhos da cara (e nós já o sabemos, mas ficamos sempre chocados, é uma reacção instintiva). E assim se passa o tempo até darmos por nós na tenda número três, à espera do início do showcase da Amor Fúria em vez de ir ver quem raio são os The Naked And Famous. Que se dá finalmente às 17h, com O Verão Azul.

Relembremos o propósito da Amor Fúria: «...voluntaria-se na defesa da cultura em Portugal, especificando o seu raio de acção na valorização e promoção da cultura pope moderna». Após cinco minutos deste duo menino-menina de nome bonito e nostálgico, fica uma questão: quem raio vos pediu para o fazerem? Se por momentos ainda se pensa possuírem o mesmo sentido pop dos Aquaparque - ao saltarem de um trecho melódico para outro - logo nos apercebemos de que pura e simplesmente não têm a mesma classe desse igualmente duo. Não só são absurdamente chatos como ainda são dotados de uma infantilidade ao ponto da náusea que tira qualquer um do sério. E terá de ficar igualmente registado a tentativa do pobre, pobre menino em ter estilo enquanto roda uns botões. Não é toda a gente que o consegue, companheiro... mau demais para que tivesse sequer vontade de picar o restante showcase. E a julgar pelo público que se viu dentro da tenda no restante da tarde, não fui o único. Como é mais do que óbvio, estou a ser tremendamente injusto - tanto os Asterisco Cardinal Bomba Caveira, juntamente com os Salto no final da noite, pareceram estar a rasgar como se quer. Ao menos tinham guitarras. Mas dizer que o aperitivo não deixou um amargo de boca para a restante refeição seria uma inverdade. Antes ser um enorme filho da puta do que um mentiroso.

Em vez de me juntar à já boa casa que se via no palco secundário decidi espreitar o principal pela primeira vez, o que se veio a revelar uma escolha insensata tendo em conta o escaldão que apanhei. Tudo em nome do rock n´roll, certo? E falemos de rock n´roll, mais concretamente daquele que os Twilight Singers fazem. Sobem ao palco um pouco antes das 18h para dar a conhecer a sua marca pop/rock muito radio-friendly, mas não em mau - e considerando que iam partilhar o palco com os donos desse rótulo, até não estavam absolutamente nada desfasados. Falta, contudo, a Greg Dulli (ex-Afghan Whigs, para quem não sabe) e restantes um pouco mais de risco se se quiserem distanciar do restante joio. Assim, embora não sendo uma banda com más canções, são apenas uma cujos discos se oferecem a mães em crise de meia-idade que se sintam dispostas a voltar ao rock, aquelas que estiveram presentes no concerto dos Clash em 1981 e que hoje só têm olhos para o Adam Lambert. "On The Corner" tem um solo que puxa à air guitar, facto. Mas foi praticamente a única vez em que deles se sentiu estarem a aventurar-se perante uma plateia, digamos, menos virada para esse tal de roquenrow. Não faltando sequer uma alusão a Another Brick In The Wall (mas da parte um, que já não é tão cliché). E, claro, o concerto ia sendo igualmente interrompido nos ecrãs quando o realizador apontava para um determinado local no meio do público e de imediato uma dezena de braços se erguia. Estão a dizer adeus a quem, foda-se?

Entro no concerto dos Mona com baixas expectativas - o disco homónimo de estreia soou banal e dele apenas "Shooting The Moon" se distanciava enquanto malha a reter - mas, como em tudo na vida, errei ao fazê-lo. Não só porque antes disso os Avi Buffalo, cujo concerto perdi, andaram a distribuir bebida e comida pelo pessoal das primeiras filas, num gesto de convivência salutar (a sério, fiquei com pena de não os ter visto, pareciam ser uns autênticos bros), também porque deram um concerto enorme. Ao vivo o que em disco soou chato transformava-se num enorme sing-along, com o vocalista Nick Brown a mostrar uma boa presença em palco e uma voz incrível. E conquistou desde logo o meu coração quando decide insultar o grupo hipster sentado mesmo em frente ao palco. Isso é como mandar a vossa mãe para o caralho! Abençoado sejas, Nick Brown. Tens toda a razão do mundo: isto é um festival de rock, meu Deus. Levantem o traseiro do chão. Puseram muita gente a gritar ao longo de todo o espectáculo, mas é precisamente em "Shooting The Moon" que atingem a sua apoteose rock. Ficou a certeza de um grande momento do Alive, e a de que há que dar uma segunda oportunidade ao disco. Rapidamente.

E depois houve James Blake. Não se *ouviu* James Blake como se desejaria - é notório que precisa de uma sala muito muito muito mais intimista para o género de música que faz -, o silêncio que permeia as suas canções sendo interrompido pelo barulho dos outros palcos. Mas era James Blake, e começa como começa o seu enorme LP de estreia: com "Unluck". Apesar de ir agradecendo ao público com algum entusiasmo, percebe-se que é tão tímido como o disco pressupõe ser a sua voz. Aparenta uma mistura de receio e joie-de-vivre, caminha pé ante pé através do dubstep e da soul que lhe deram uma estrada onde desenvolver canções belíssimas. Como "I Never Learnt To Share", onde faz com que sintamos uma enorme pena dele (My brother and my sister don´t speak to me...) e que vai crescendo até desaguar nos graves que tão bem conhece do estilo nascido na Londres urbana. E não pode faltar, no seu set, "Lindisfarne", uma "CMYK" a relembrar que ele, Blake, nasceu no lado mais dançável da música, a belíssima versão de "Limit To Your Love" - que deixou muitos casais agarradinhos - e, naturalmente, "The Wilhelm Scream", a canção do pai que ninguém conhecia e que hoje há-de ter chegado a todos os cantos do mundo. James Blake mereceu cada aplauso, só não mereceu o espaço que lhe deram. Talvez se fechassem os lados à tenda...

Dos Blondie não sobrou muito para contar, até porque Blake me obrigou a chegar atrasado. Apenas isto: aos 66 anos, Debbie Harry continua a ser uma senhora muito respeitável no que toca aos atributos físicos. Gozem à vontade, a mulher é uma GILF. Só que o que aí mantém perde noutro lado, e neste caso foi na forma de estar em palco. Já não se empolga tanto quando o punk moda funk da sua banda de sempre vai ecoando pelo recinto, completo com bola de espelhos, e canta uma versão menos conseguida do hino dos Beastie Boys, "Fight For Your Right", e outra algo sofrível da imensa "Heart Of Glass". "One Way Or Another", rock n´roll acelerado como sempre, ainda salva a pouca meia-hora, tendo-se perdido êxitos como "Atomic" ou "Call Me" (bem, consegui ouvi-las no aquecimento, às duas da tarde). Mas é triste chegar à conclusão natural de que estão velhos. Ficarão para sempre os discos, claro.

Assim se chega aos Coldplay. Indiscutíveis cabeças de cartaz do único dia do evento que esgotou, odiados por muitos, amados por muitos mais. Os britânicos ainda demorariam para entrar, tempo suficiente para eu odiar com todas as fibras do meu ser uma pêga que não parava de troçar do cabelo do rapaz que lhe estava a tapar a visão, o que me levou a um daqueles momentos bros before hoes em que eu senti a necessidade de fazer o mesmo. Isto até no PA se ouvir "99 Problems", e eu não quis que o Jay-Z tivesse dó de mim. Mal as luzes se apagam, os Coldplay têm direito à ovação da praxe, e de imediato Chris Martin se senta ao piano para, em dueto com o fogo-de-artifício que ia sendo lançado, apresentar um dos vários novos temas que tem cantado ao vivo. Este era "Hurts Like Heaven", docinho pop mexido que deixou de imediato o público (se não o estivesse já) rendido aos encantos do marido da Gwyneth Paltrow. Mais o ficou quando de imediato inicia a fantástica "Yellow", o primeiro de muitos coros - à minha volta, todos sabiam a letra. Eu inclusive me surpreendi porque sabia a letra e não ouvia a canção há vários anos. De clássico para clássico, "In My Place" tem direito a confettis, balões gigantes, jogos de luzes - tudo o que faz um concerto pop apelativo à maioria do público, e até àqueles que iam do contra e saíram rendidos, porque admitamo-lo, toda a gente gosta destas mariquices. Dane-se a credibilidade, os Coldplay são grandes. "Violet Hill" é uma belíssima canção e momento, assim como "God Put A Smile Upon Your Face" numa versão mais pesada. Com um carisma que enche não só o palco mas todo o recinto, Martin dedica uma canção nova aos Blondie, "Us Against The World", que diz ser igualmente dedicada ao povo português (ou não, o malandro, que admite logo que frases dessas é só espectáculo). E, momento de magia antes do encore, o luxo pop de "Viva La Vida", que deverá ter arrecadado o maior número de gritos da noite. Findo o percurso principal, abandonam o palco como é tradição e deixam o público à espera (escreve aí que eles estão a fazer fita, diz-me o senhor simpático que me viu a tirar notas) de "Clocks", da bonita "Fix You" e da já-não-tão-nova "Every Teardrop Is A Waterfall", com mais fogo-de-artifício a condimentar a paisagem. Enorme concerto. Belas canções. Banda incrível ao vivo. E como que a querer comprová-lo, à saída do recinto ouve-se Patrick Wolf a cantar "Yellow". Maior prova de aprovação não há.
· 11 Jul 2011 · 00:18 ·
Hugo Rocha Pereira
hrochapereira@bodyspace.net

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