Glasser / Drawlings
Musicbox, Lisboa
20 Mai 2011
Tem sido algo recorrente, novos projectos (germinados nas margens do mercado) que lançam auspiciosos álbuns de estreia, sob aclamação instantânea de público e crítica, mas que depois não os conseguem transpor satisfatoriamente para os palcos, trapézio sem rede - umas vezes por causa do complexo de culpa resultante do sucesso comercial, outras vezes devido à excessiva componente de montagem pós-produção dos discos.

Glasser © Joana Cardoso


Foi o caso dos Mount Kimbie, duo britânico que passou pelo Musicbox, Lisboa, no passado fim-de-semana, desapontando pela forma como se dedicaram a distorcer um álbum, Crooks & Lovers (Hotflush, 2010), que prima pela quase-perfeição. Não foi o caso de Glasser, que actuou no mesmo espaço, sexta-feira 20, mimoseando os presentes com um maravilhoso concerto de cerca de 50 minutos. Curtinho, tal como a generalidade das 9 faixas de Ring (True Panther, 2010), mas deveras proveitoso.

«Não sabia o que esperar, mas sinto que tive muita sorte por ter chegado até tantas pessoas com um disco tão pessoal», revelou há dias Cameron Mesirow, em entrevista ao Bodyspace. Apesar do entusiasmo gerado em torno do álbum de estreia, faz questão de frisar que não se tornou famosa, «apenas há mais fotografias de mim do que anteriormente» (e aparições no "Late Night with Jimmy Fallon" da NBC). Em palco, coadjuvada pelo produtor Van Rivers (teclista, percussionista, hiper-talentoso), demonstra um profissionalismo a toda a prova, não sem um sentido estético e cenográfico de tirar meças ao paradigma Björk.

Glasser © Joana Cardoso


Mesirow poderia ter extendido as composições, mas optou pela qualidade em detrimento da quantidade. Tocou Ring de uma ponta à outra, embora um pouco mais despojadamente, perdendo alguns detalhes pelo caminho, não obstante os esforços em sentido contrário de Rivers, com o qual trocava olhares de cumplicidade. Tímida, quase não comunicou com a audiência, mas entregou-se por completo à vocalização de um mundo liquefeito, imaginário, de fluidez poética, atravessando florestas no dorso de golfinhos. E terminou sozinha no escuro, entoando, "a cappella", uma belíssima canção tradicional inglesa.

Drawlings © Joana Cardoso


Desculpou-se por não ter mais repertório, à semelhança dos Mount Kimbie. Mas Glasser, pelo contrário, encheu-nos as medidas. Onirismo carregado de ritmos tribais, apontamentos electrónicos e jazzísticos, melodias encantatórias, sonoridades simultaneamente frágeis e enérgicas, sensíveis e vigorosas, como que num jogo de contrastes: «Por vezes sou áspera e posso relacionar-me com um som áspero, outras vezes o meu humor tende para um som muito subtil, que pode ser descrito como delicado.» Em jeito de contraste, a primeira parte do serão foi assegurada Drawlings, projecto da mana de Avey Tare, dos Animal Collective. Matéria soporífera, talvez demasiado intimista para sair do reduto do quarto de infância.
· 22 Mai 2011 · 14:28 ·
Gustavo Sampaio
gsampaio@hotmail.com
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