Os concertos de Excepter em Portugal não podiam chegar em melhor altura. Em tempos em que por cá se expandem cada vez mais os projectos de noise ou música electrónica, a edição via CD-R ou MP3 - nas net labels ou em páginas próprias - (e os exemplos são cada vez mais, seja em que formato for, seja em que cidade ou região for, basta estar atento), as actuações de John Fell Ryan – ex-No Neck Blues Band - e dos seus companheiros parecem quase uma bênção à nova cena que agora emerge. Com essa ideia em mente, o concerto – primeiríssimo no norte - dos Gala Drop, o projecto que gira em volta de Tiago Miranda dos Loosers e de Nélson Gomes, assenta que nem uma luva na abertura do concerto dos Excepter. Muitas vezes comparados aos Hototogisu, os Gala Drop exploram estruturas desencadeadas por guitarras, vozes produzidas para o efeito e batidas que se incrustam na lava quente – a quantidade de maquinaria, fios e pedais em cima do palco era imensa. Este tipo de concertos tem o seu valor acrescentado na mudança constante de direcções, na possibilidade de transformação do estado das coisas de uma actuação para a outra, na exploração do caos como factor de redenção – e as actuações dos Gala Drop ainda não foram assim tantas. Procura-se a tal beleza escondida em paredes sonoras de arestas ásperas e a salvação pelo ruído.
![]() |
Excepter © Carlos Oliveira |
Em relação aos Excepter, o melhor mesmo é esquecer-se tudo o que já se viu. Os Excepter são oriundos de Brooklyn e fazem parte de um grupo de bandas como os Gang Gang Dance, os Black Dice e até mesmo os Animal Collective, que tentam criar novas bases para a música do futuro. Além dos MP3s e dos CDRs que editaram, “KA” é provavelmente o melhor ponto de partida para a música dos Excepter. Música que, pela sua singularidade, suscitou já opiniões que envolvem psicologia quântica, matemática e a maioria dos géneros musicais conhecidos. Os Excepter nasceram porque John Fell Ryan desejava fazer o tipo que discos que estivesse disposto a ouvir a toda a hora e, aparentemente, a melhor forma de o conseguir foi através da inserção de elementos da cultura DJ e vozes – uma torrente de vozes.
Mas ao vivo as coisas evoluem para qualquer coisa ainda mais difícil de descrever. John Fell Ryan, Dan Hougland, Macrae Semans, Calder Martin e Caitlin Cook. Esta última, dançarina e coreógrafa, surgiu vestida/despida (escolher uma opção) de uma forma que tão cedo os presentes não esquecerão: meias semi-transparentes, camisola preta, uma espécie de xaile por cima e as cuecas perfeitamente visíveis. Ainda para mais, Caitlin Cook passou o concerto todo na parte da frente do palco, de pernas abertas, a controlar os pedais, na forma mais lasciva possível (isto quando não andava pelo meio do público a cantar, agarrando-se aos presentes). John Fell Ryan mais parecia saído do Hawaii - o chapéu branco, a roupa maioritariamente branca e cool - ou de um filme de Tarantino, brincava com uma serpente ao faz de conta, subia as escadarias da “gruta” do Mercedes e pendurava-se nelas e colocou até algumas notas no meio do palco para que depois Caitlin Cook as calcasse com o tacão do seu sapato. Todos eles distribuíram-se em coreografias aleatórias, consequência de desvarios episódicos (ou talvez não) e aquilo que mais parecia o convocar do concílio dos Deuses.
![]() |
Gala Drop © Carlos Oliveira |
Musicalmente falando (porque os aspectos cénicos foram mais do que evidentes), a música dos Excepter beneficiou especialmente quando os tais elementos da cultura DJ se sobrepuseram a todos os outros. A guitarra e o baixo ainda começaram por mostrar um ar da sua graça no início do concerto mas cedo se calaram. Os teclados, as programações e a percussão desempenharam também papéis fundamentais na criação da teia imprevisível dos Excepter. Uma teia composta em tempo real, resultado de improvisações que derivam da colaboração de todos os membros. A mistura de elementos é diversa, mas parece ser a exploração do caos (iniciada bem cedo pelos Gala Drop) o fio condutor para as construções dos Excepter. A audiência não era muita, mas não será muito difícil perceber que saiu de cena, no mínimo, dividida. E talvez seja essa a intenção dos Excepter.
andregomes@bodyspace.net