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Gala Drop + Excepter
O Meu Mercedes, Porto
29/04/2005


Os concertos de Excepter em Portugal não podiam chegar em melhor altura. Em tempos em que por cá se expandem cada vez mais os projectos de noise ou música electrónica, a edição via CD-R ou MP3 - nas net labels ou em páginas próprias - (e os exemplos são cada vez mais, seja em que formato for, seja em que cidade ou região for, basta estar atento), as actuações de John Fell Ryan – ex-No Neck Blues Band - e dos seus companheiros parecem quase uma bênção à nova cena que agora emerge. Com essa ideia em mente, o concerto – primeiríssimo no norte - dos Gala Drop, o projecto que gira em volta de Tiago Miranda dos Loosers e de Nélson Gomes, assenta que nem uma luva na abertura do concerto dos Excepter. Muitas vezes comparados aos Hototogisu, os Gala Drop exploram estruturas desencadeadas por guitarras, vozes produzidas para o efeito e batidas que se incrustam na lava quente – a quantidade de maquinaria, fios e pedais em cima do palco era imensa. Este tipo de concertos tem o seu valor acrescentado na mudança constante de direcções, na possibilidade de transformação do estado das coisas de uma actuação para a outra, na exploração do caos como factor de redenção – e as actuações dos Gala Drop ainda não foram assim tantas. Procura-se a tal beleza escondida em paredes sonoras de arestas ásperas e a salvação pelo ruído.

Excepter © Carlos Oliveira

Em relação aos Excepter, o melhor mesmo é esquecer-se tudo o que já se viu. Os Excepter são oriundos de Brooklyn e fazem parte de um grupo de bandas como os Gang Gang Dance, os Black Dice e até mesmo os Animal Collective, que tentam criar novas bases para a música do futuro. Além dos MP3s e dos CDRs que editaram, “KA” é provavelmente o melhor ponto de partida para a música dos Excepter. Música que, pela sua singularidade, suscitou já opiniões que envolvem psicologia quântica, matemática e a maioria dos géneros musicais conhecidos. Os Excepter nasceram porque John Fell Ryan desejava fazer o tipo que discos que estivesse disposto a ouvir a toda a hora e, aparentemente, a melhor forma de o conseguir foi através da inserção de elementos da cultura DJ e vozes – uma torrente de vozes.

Mas ao vivo as coisas evoluem para qualquer coisa ainda mais difícil de descrever. John Fell Ryan, Dan Hougland, Macrae Semans, Calder Martin e Caitlin Cook. Esta última, dançarina e coreógrafa, surgiu vestida/despida (escolher uma opção) de uma forma que tão cedo os presentes não esquecerão: meias semi-transparentes, camisola preta, uma espécie de xaile por cima e as cuecas perfeitamente visíveis. Ainda para mais, Caitlin Cook passou o concerto todo na parte da frente do palco, de pernas abertas, a controlar os pedais, na forma mais lasciva possível (isto quando não andava pelo meio do público a cantar, agarrando-se aos presentes). John Fell Ryan mais parecia saído do Hawaii - o chapéu branco, a roupa maioritariamente branca e cool - ou de um filme de Tarantino, brincava com uma serpente ao faz de conta, subia as escadarias da “gruta” do Mercedes e pendurava-se nelas e colocou até algumas notas no meio do palco para que depois Caitlin Cook as calcasse com o tacão do seu sapato. Todos eles distribuíram-se em coreografias aleatórias, consequência de desvarios episódicos (ou talvez não) e aquilo que mais parecia o convocar do concílio dos Deuses.

Gala Drop © Carlos Oliveira

Musicalmente falando (porque os aspectos cénicos foram mais do que evidentes), a música dos Excepter beneficiou especialmente quando os tais elementos da cultura DJ se sobrepuseram a todos os outros. A guitarra e o baixo ainda começaram por mostrar um ar da sua graça no início do concerto mas cedo se calaram. Os teclados, as programações e a percussão desempenharam também papéis fundamentais na criação da teia imprevisível dos Excepter. Uma teia composta em tempo real, resultado de improvisações que derivam da colaboração de todos os membros. A mistura de elementos é diversa, mas parece ser a exploração do caos (iniciada bem cedo pelos Gala Drop) o fio condutor para as construções dos Excepter. A audiência não era muita, mas não será muito difícil perceber que saiu de cena, no mínimo, dividida. E talvez seja essa a intenção dos Excepter.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
29/04/2005