DISCOS
V/A
Deutsche Elektronische Musik
· 20 Mai 2010 · 11:52 ·
V/A
Deutsche Elektronische Musik
2010
Soul Jazz Records


Sítios oficiais:
- Soul Jazz Records
V/A
Deutsche Elektronische Musik
2010
Soul Jazz Records


Sítios oficiais:
- Soul Jazz Records
Assim nasceu a Kosmische Musik, aquilo a que os ingleses vieram chamar pejorativamente de krautrock. Depreciativo à parte, o legado ainda hoje é de uma elevação espiritual invejável.
É um dos momentos altos do ano. Confesso. Porque raras têm sido as antologias a aglomerar o espírito rebelde de uma nova geração alemã pós-guerra, este Deutsche Elektronische Musik - Experimental German Rock And Electronic Music 1972-83 é um exemplo de trabalho pesquisa que a Soul Jazz não deixou por mãos alheias. Especialmente o que há muito faltava fazer, com pormenor, em relação a um dos mais interessantes períodos musicais do universo anglo-saxónico; tanto na forma como os alemães se deixaram contagiar pelo do rock progressivo norte-americano e inglês e como todos esses elementos foram regurgitados pelos alemães depois de devidamente digeridos pela electrónica emergente de cidades como Colónia, Berlim ou Dusseldorf. O snobismo inglês chamou-lhe krautrock, mas os alemães, confiantes da superioridade da sua arte, nunca revelaram grande incómodo com essa depreciação.

Juntar e empilhar música experimental alemã dos anos 1970 é tarefa que qualquer um pode empreender tendo a matéria-prima ao seu dispor. Mas saber juntar eloquentemente as peças de um puzzle complexo, como aqui foi feito pelo estudioso Stuart Baker (e frequentemente noutros trabalhos para a Soul Jazz Records), já é sintomático de quem se interessou pela verdade dos factos que, há 30 anos, motivaram esses jovens inconformados a forjar um movimento com uma nova identidade nacional. Um movimento que quebrasse, em definitivo, com um status quo cultural e social onde ainda pesava sobre a consciência colectiva a herança negra que o nacional-socialismo de Hitler legou no futuro.

Inspirados pelas convicções dos movimentos civis numa América agoniada por uma guerra considerada alheia, as revoltas estudantis em França, as insurreições populares na chamada Primavera de Praga, enfermidade burguesa indiferente aos novos ideais da juventude, a generalização do flower power e a disseminação de novas drogas alucinogénias – entre outros ingredientes que fervilhavam numa instável caldeira social –, também os jovens alemães procuravam afirmar-se perante as mentalidades mais conservadoras da nação rasgando convenções que os limitavam social, política e culturalmente (tendo algumas almas mais radicais chegado a enveredar pelo terrorismo).

Não se estanhe, pois, que o fervor libertino da altura ainda hoje se pressinta na seminal escola dos Cluster, dos Can, dos Faust, dos Tangerine Dream, dos Neu! ou dos Amon Düül II ao ponto de se admitir, sem relutâncias, que muitas das excentricidades sonoras – amiúde repletas de interferências de radiação cósmica – estavam mesmo à frente do seu tempo. E que ainda hoje faz perfeito sentido toda esta música exemplo de pura escrita criativa (aqui encerrada em dois CD's).

É por isso que esta oportuna colectânea da Soul Jazz Records se torna obrigatória: não só se redescobre o motivo histórico que fundamentou os comportamentos anti-políticos e anti-culturais – aí os booklets da Soul Jazz são sempre irrepreensíveis nos enquadramentos –, como se descobre uma mão cheia de projectos experimentais mais obscuros que aprofundam ainda mais o conhecimento pop, rock, free-jazz e electrónico sobre um dos períodos mais influentes da música produzida na Europa. E nem a ausência no alinhamento de uns Kraftwerk (talvez numa fase pré-Autobahn) se torna minimamente num problema. Que venha um segundo volume.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

Parceiros