ENTREVISTAS
Bildmeister
Os mestres da imagem
· 20 Mar 2004 · 08:00 ·
Os Bildmeister, formados em 1997, estão de volta com o lançamento do single Here Alone, que antecede o primeiro álbum de originais que será lançado ainda este ano. Explay deu-nos a conhecer a banda de Vila do Conde e deixou ficar uma espécie de promessa rock. Seguiram-se os concertos (muitos, mais de trinta) e a cada vez mais segura definição do caminho a seguir, a preparação das rotativas pois dizem que "as paragens servem apenas para recomeçar". Os manos Hugo e Gil Ramos falaram-nos dos primeiros tempos da banda, da ligação ao cinema, do processo de criação, de Explay e dos planos futuros. Tudo em nome do live act with analog rock.
Da gravação de cassetes até aos dias de hoje, como cresceram os Bildmeister?

Acima de tudo, cresceram...nunca tivémos muitos apoios: a família olhava sempre com desconfiança para estas coisas; tudo o que temos e fizemos sempre dependeu do esforço da banda, colectivo e individual. Por exemplo, todo o material que temos foi comprado com o dinheiro dos concertos e com o investimento pessoal que cada um, à sua medida... podia. Os concertos também nunca davam muito dinheiro... mas mesmo assim fomos acumulando material e acima de tudo... experiência. Quando começámos quisemos logo gravar: como não tínhamos dinheiro para estúdios, gravámos dois temas com um gravador de cassetes no meio da sala de ensaios, e como continuávamos a não ter dinheiro, utilizámos a colecção de jogos spectrum como suporte! E foi assim; dois temas e um jogo spectrum do lado B da cassete!... Desde então fomos crescendo, tornando o nosso som mais consistente e agressivo, mais experimental e menos pop e menos disperso. Com o acumular de anos a tocar juntos, começámos a definir metas – mesmo que com prazos alargados – e a tentar chegar lá: mais concertos, mais discos, e acima de tudo, um prazer enorme a tocar.
Acho que nos estamos a divertir mais do que nunca, se bem que com a consciência de que as coisas são para ser levadas a sério.

As comparações a Sonic Youth, Ride ou My Bloody Valentine são habituais por toda a imprensa. Foram estas bandas que ajudaram a definir o tipo de som que praticam?

As referências surgem sempre. É uma forma de ver as coisas. Para nós é irrelevante pois nunca pensamos em recriar o som de alguém. No entanto, ouvimos muita música, fomos crescendo a ouvir certas bandas e podíamos mencionar dezenas delas... acho engraçado nunca ninguém ter falado dos Ramones, pois já tocamos dezenas de temas deles!... O som ‘Bildmeister’ surge quando estamos os quatro a tocar; se falta alguém deixa de ser a mesma coisa. Criamos de forma democrática, que rapidamente se torna anarquista, com golpes de estado, pois quando não chegamos a um consenso o melhor é fazer como o tema do Explay “Only Stop To Start Again” ... Pára-se e começa-se de novo para não nos chatearmos muito. Mas sobre influências na nossa música, as coisas tornam-se divertidamente interessantes quando nos apontam influências de bandas que desconhecemos por completo! É sempre um bom motivo para descobrir coisas novas...

As vossas canções alternam entre faixas instrumentais e temas com voz. Como é que acontece o processo de decisão da estrutura dessas mesmas canções?

Bem, tudo começa sempre pelo lado instrumental... alguém que traz alguma coisa de casa... às vezes acontece quando estamos a ensaiar e um desvio qualquer leva-nos até coisas novas... quando algo se precipita e ganha forma de um tema mais elaborado, então trabalhamos a parte instrumental; se ficarmos satisfeitos apenas com a intensidade melódica da composição, a voz torna-se redundante ou desnecessária... mas temo-nos esforçado por colocar vozes nos temas. Quanto mais não seja para dizer o que não conseguimos dizer com guitarras...

Os Bildmeister são mesmo os "Mestres da imagem"?

Mestres da Imagem... o nome da banda tem origem numa televisão de uma marca conhecida (Siemens), que era muito popular nos anos setenta, oitenta... acho que quase toda a gente já teve (ou tem) uma Bildmeister em casa... nós fazemos colecção! As imagens e os seus mestres sempre foram fonte de inspiração: o cinema, a televisão, o próprio objecto que é a televisão foram motivos significativos no processo de criação sonora, visual e estética... não seremos os “mestres da imagem”... tentamos, através da nossa acção, criar espirais sonoras que suportem as imagens que cada um poderá ver ao ouvir-nos...

A música dos Bildmeister esteve, desde sempre, relacionada com o cinema. Acham que a música dos Bildmeister é cinematográfica? Como surgiram essas ligações?

O festival de curtas de Vila do Conde é um dos responsáveis pela aproximação real ao cinema; quase todos os ‘Bildmeister’ já colaboraram (ou colaboram) com a organização do Festival. Assim, em 2001 surgiu o convite para sonorizar uma curta de Charles Bowers. Chama-se “Egged On” e foi realizada em 1926, um filme mudo. Era um filme com muita piada, e fomos colando-lhe pedaços sonoros do nosso universo e colorindo as cenas com intervenções muito livres. Por vezes estávamos a fazer algo que podia ser rock, pós-rock, pop, jazz, surf, tudo! Fomos criando em função das emoções que o filme reflectia.
Em 2002, repetimos a experiência com o projecto “Vintage Heroes, Analogue Monsters”: é um conjunto de quatro curtas que exploram um universo de monstros, dinossauros, tarântulas mutantes, louva-a-deus gigantes... muito serie B, muito divertido. Neste filme-concerto fomos muito mais rock, mais Bildmeister. É uma oportunidade para ver a Rachel Welch vestida com peles minúsculas e presenciar a primeira aparição de sempre de Clint Eastwood no cinema!
A nossa música pode funcionar como banda sonora pois tocamos coisas mais ou menos simples, mas intensas, o que colocando essa carga sonora ao lado de determinado contexto visual poderá resultar num boa conjugação.


Existe em Portugal, cada vez mais, mercado para bandas como os Bildmeister. Acreditam na existência de uma cena indie no nosso país?

Acho que sim. A Bor Land é o expoente dessa nova cena. Sem dúvida alguma. Veio preencher um espaço que se esvaziou... e que fazia falta. Um bocado como quando começámos – e ainda numa fase mesmo embrionária – existiam bandas e editoras que ocupavam esse lugar: do Algarve à Póvoa de Varzim, havia pólos de actividade indie, que se foram esgotando, provavelmente por cansaço face às dificuldades de edição e distribuição. Hoje parece que a cena, ou melhor, a actividade indie está retomada. A facilidade de meios para produzir coisas - discos, revistas, fanzines, sites, blogs, etc. – torna a criação mais acessível e directa.

Participaram, várias vezes, em festivais organizados pela câmara de Vila do Conde. Sentem apoio da cidade onde os nasceram?

Sim, temos contado com o apoio da câmara. Tem sido importante... mas também porque temos correspondido com seis/sete anos de actividade constante e crescente. Gostávamos de ver mais bandas e pessoas de Vila do Conde a fazer mais; valor pensamos que existe, falta talvez um pouco mais de perseverança e paciência. Vamos tentar ajudar outras bandas – através da Switch On Records – e estamos a começar a fazê-lo com os The Brights e The Electric Vulva... desde que os projectos sejam interessantes, vamos tentar ajudar.

Explay é, obviamente, um marco importante na carreira da banda. O que mudou com o EP de estreia?

Muita coisa. Muito mais exposição que até então, para começar; muitos mais concertos; uma resposta real ao nosso trabalho com as pessoas a comentarem o disco e o nosso som; ouvir críticas; ouvir bocas; ouvir elogios; ouvir tudo; assumir o nosso trabalho e tocando muitas vezes com cachets que não cobrem despesas de deslocação mas mesmo assim tocar, mostrar o nosso trabalho e tentar atender a todas as solicitações. Nós também mudámos: tornámo-nos mais livres e seguros, mais soltos, mas também conscientes das responsabilidades que a edição de um disco implica.

Mais recentemente, a banda foi apoiada pelo Rodrigo Cardoso. Como é a relação com a Bor Land?

É, acima de tudo, uma relação apoiada na vontade de fazermos coisas. A Bor Land foi um exemplo e ajudou-nos de forma crucial no crescimento que tivémos como banda nos últimos dois anos. Quando entregámos o “I only stop to start again” para a colectânea Your Imagination não fazíamos a mínima ideia do que ia acontecer. A reacção ao tema foi muito boa e isso criou uma motivação acrescida para criarmos e arriscar mais. Sobre o Explay quisémos ser nós a fazer, mas penso que a Bor Land também o poderia ter editado. Mas quisemos experimentar tudo o que é editar um disco. Tratar de estúdios, licenças, fábricas, CDs e fotolitos, tudo! ...Cometer erros e aprender, para que no futuro soubéssemos tudo o que é isso de editar, sem falhas de linguagem. Contámos com o apoio ilimitado da Bor Land e do Rodrigo, bem como de outras pessoas que nos ajudaram imenso em todas essas questões.
A Bor land é co-editora do novo single Here alone, vamos editar o álbum e temos ainda para este ano outros projectos de colaboração.

Em que condições surge a criação da Switch On Records?

Foi como já disse sobre o Explay: a vontade de editar o nosso primeiro disco, de aprender a fazer esse processo. Explay surge da ideia de experimental play, ou seja a nossa primeira experiência mais séria de edição (para além das cassetes e edições caseiras) e todo o gozo em o fazê-lo. Em montar capas de discos e colar um autocolante a dizer “Switch On Records proudly presents: Bildmeister. Explay”. Foi gratificante experimentar todas essas coisas. Agora, a Switch On Records pensa em alargar essa experiência a outras bandas, provavelmente aquelas mais locais (de Vila do Conde) desde que as propostas sejam boas e que encontremos motivos de interesse.

O que é, então, para vocês um "live act with analog rock"?

Hum... é um concerto dos Bildmeister!

Acabam de lançar o single "Here Alone". O que é que podemos esperar em termos de sonoridade?

As guitarras dominam, agora de forma ainda mais expressiva e agressiva. Não vamos mudar muito na nossa forma de criar, mas as últimas experiências tornaram-nos mais confiantes, mais soltos.

Esta é inevitável. Quais são os planos para o futuro?

Para já, o álbum!

Estão em fase de gravação desse mesmo álbum de estreia. Como é que está a decorrer o processo?

Estamos a gravar: temos um conjunto de temas já definidos e gravados e outros que estão numa forma mais básica, que vão conhecer desenvolvimentos à medida que as coisas ficam prontas. Como temos o nosso próprio estúdio, temos liberdade para experimentar. Mas achamos também que estamos à espera de que tudo esteja mais próximo do resultado final para pensar no título do álbum, na sua orientação gráfica e esses detalhes todos... não podemos fazer as coisas de forma desassociada; estamos a apurar o trabalho para que o disco tenha significado e não seja apenas um conjunto de temas.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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