ENTREVISTAS
JP Simões
Luso-samba
· 25 Jan 2007 · 08:00 ·
© Pedro Cláudio
Dizes que andavas à procura de uma casa no som que fosse mais parecido com o que gostavas. Como ficam agora os teus trabalhos anteriores depois desta descoberta?
Ficam como casas por onde passei e onde vivi com outras pessoas em regime de república.
Há quanto tempo pensavas em assinar um disco simplesmente como JP Simões? Sentes a necessidade de metamorfose de nome cada vez que decides mudar esteticamente com alguma urgência?
Assinei este disco em nome próprio porque o criei de uma ponta a outra sozinho e não porque andasse a pensar em assinar assim ou açores. À crisálida chama-se crisálida, apesar de ser o estado embrionário do que poderá vir a ser a borboleta que, por sua vez, se designa por borboleta.
Sabe-se que o disco se chama 1970 porque foi o ano em que nasceste e pelo regressar a um certo purismo. Como foi encontrar o futuro nos anos 70?
O passado e o futuro são duas ficções que vivem numa tensão permanente quando se procura determinar o fio que as une. A imaginação, lugar dessa tensão, não tem restrições cronológicas, apenas nos dá pistas vagas sobre o estado dos nossos afectos numa determinada circunstância. O futuro é para onde o teu afecto se dirige.
Há obviamente neste disco a influência do Brasil. Como foi descobrir, explorar e ouvir Chico Buarque de uma maneira exagerada?
Sim, obviamente. Chama-se uma pergunta fechada a uma questão que sugere ou impinge a resposta na sua enunciação. Por exemplo: “Como foi descobrir, colher e comer embondeiros de uma maneira tão pornográfica?â€.
Dizes que resolveste assumir em 1970 o teu direito de ser brasileiro. Como achas que seria se fosses brasileiro e se quisesses assumir o teu direito de ser português num disco com as intenções semelhantes a este?
Não faço ideia. Mas não vamos confundir direitos com intenções: primeiro, o direito a que me referi remete, por exemplo, à diferença que pode haver entre pai biológico e pai espiritual, ou seja, o direito de ser fiel ao que me é afectivamente mais relevante. Quanto à intenção do disco, que não é nenhuma que não a de tornar público o que crio em privado, pode-se dizer grosseiramente que foi uma tentativa de juntar os litigantes, pai biológico e pai espiritual, numa sessão de mediação familiar, com vista a apurar o que é melhor para o desenvolvimento da criança.
Como é que “Inquietação†de José Mário Branco surge num disco onde tentas aquilo que apelidas de luso-samba?
Porque eu não tento apenas aquilo que apelido de luso-samba: na relação entre Portugal e o Brasil existe Portugal, existe o Brasil e existe um imenso mar de relações imaginárias.
Qual te parece ser a reacção do portugueses ao luso-samba? Pode um povo tradicionalmente triste e nostálgico absorver 1970 na sua plenitude?
O meu maior receio é exactamente o contrário: que o lado mais dolente e nostálgico do disco afaste muita gente de uma identificação mais plena com as canções. Por outro lado, os portugueses não são assim tão facilmente resumÃveis nem é tão óbvia a sua conduta: isso é muito visÃvel na necessidade que têm de se alienar ou de se compensar em actividades lúdicas mais histéricas e desopilantes como o futebol, a música de alegre insinuação sexual e as grandes jantaradas com muito vinho. Uma caracterÃstica profundamente humana e tipicamente portuguesa sempre foi a vontade de ser o Outro ou de ter o melhor que o Outro tem. De certa forma, o Brasil representa um Outro: mais plenamente livre, alegre e musical. E eu sou português.
De que perspectiva te colocas pessoalmente para analisar a tua geração em “1970 (Retrato)� Não te atacou uma certa solidão depois de escrever essa canção?
A Geração que eu analisei foi a que encontrei dentro de mim: a um tempo, memória de uma circunstância histórica e de alguns personagens e comportamentos; mas também raiz e matriz inescapável do que sou agora. Quanto à solidão, que nos define a todos, fui eu que a ataquei quando procurei arrancar dela vestÃgios da presença dos outros, os que cresceram e crescem comigo. No fim, há a gratidão pelo encontro e fica a provocação/convite: “O que vamos fazer?â€.
Apesar de alguns momentos dados a uma certa taciturnidade, este 1970 parece um disco que foi divertido de gravar. Transpira isso em certos momentos. É verdade?
Sem dúvida. Foi como, imaginemos, um divertido e solarengo dia de trabalho numa oficina de mármores e escultura especializada em peças funerárias.
Nem tudo foram rosas neste disco. O atraso na saÃda de 1970 serviu para te tirar a paciência?
Bem, paciência nunca foi o meu forte. Mas o exercÃcio do desespero pode criar novas competências: acho que percebi que não devo – embora tenha o direito de o fazer - perder o meu tempo a chatear-me.
Já tiveste a oportunidade de apresentar 1970 ao vivo em alguns concertos. Como é que correram as coisas? Aprecias a ausência de máquinas do disco de que falavas algures?
Os concertos estão a correr cada vez melhor, à medida que os músicos fazem destes temas a sua música.
Existem planos para mostrar e promover este disco no Brasil?
Sim, existem. Recebi de vários jornalistas, músicos e apreciadores de música muitos cumprimentos pelo disco ExÃlio do Quinteto Tati - que esteve entre os melhores discos do ano (de 2005) no parecer de uma série de jornalistas da Rede Globo - e, em sequência, enviei o meu novo disco que foi igualmente bem acolhido. Uma jornalista em especial, Mariana Albanese de São Paulo, tem sido incansável na promoção do meu trabalho e hoje mesmo recebi dela um e-mail para confirmar se seria possÃvel estar com a banda em São Paulo a partir de 30 de Março. Alea Jacta Est.
Vale a pena mostrar o disco ao próprio Chico Buarque?
Sim, até porque a capa não é desagradável de todo.
Quais foram os últimos discos que te passaram pelos ouvidos nos últimos tempos?
Ouvi o último do Sérgio Godinho, o primeiro do Nuno Prata e um disco do Afonso Pais com a participação do Edu Lobo. Isto só falando de coisas que gostei.
Que retrato fazes da Coimbra dos dias de hoje? Romântico?
Um ameno retrato a preto e branco onde imagino as pessoas que amo a tentar ser felizes.
E que paÃs é este em que vivemos? Ou sobrevivemos?
É o paÃs que temos, que fizemos e fazemos.
André GomesFicam como casas por onde passei e onde vivi com outras pessoas em regime de república.
Há quanto tempo pensavas em assinar um disco simplesmente como JP Simões? Sentes a necessidade de metamorfose de nome cada vez que decides mudar esteticamente com alguma urgência?
Assinei este disco em nome próprio porque o criei de uma ponta a outra sozinho e não porque andasse a pensar em assinar assim ou açores. À crisálida chama-se crisálida, apesar de ser o estado embrionário do que poderá vir a ser a borboleta que, por sua vez, se designa por borboleta.
Sabe-se que o disco se chama 1970 porque foi o ano em que nasceste e pelo regressar a um certo purismo. Como foi encontrar o futuro nos anos 70?
O passado e o futuro são duas ficções que vivem numa tensão permanente quando se procura determinar o fio que as une. A imaginação, lugar dessa tensão, não tem restrições cronológicas, apenas nos dá pistas vagas sobre o estado dos nossos afectos numa determinada circunstância. O futuro é para onde o teu afecto se dirige.
© Pedro Cláudio |
Há obviamente neste disco a influência do Brasil. Como foi descobrir, explorar e ouvir Chico Buarque de uma maneira exagerada?
Sim, obviamente. Chama-se uma pergunta fechada a uma questão que sugere ou impinge a resposta na sua enunciação. Por exemplo: “Como foi descobrir, colher e comer embondeiros de uma maneira tão pornográfica?â€.
Dizes que resolveste assumir em 1970 o teu direito de ser brasileiro. Como achas que seria se fosses brasileiro e se quisesses assumir o teu direito de ser português num disco com as intenções semelhantes a este?
Não faço ideia. Mas não vamos confundir direitos com intenções: primeiro, o direito a que me referi remete, por exemplo, à diferença que pode haver entre pai biológico e pai espiritual, ou seja, o direito de ser fiel ao que me é afectivamente mais relevante. Quanto à intenção do disco, que não é nenhuma que não a de tornar público o que crio em privado, pode-se dizer grosseiramente que foi uma tentativa de juntar os litigantes, pai biológico e pai espiritual, numa sessão de mediação familiar, com vista a apurar o que é melhor para o desenvolvimento da criança.
Como é que “Inquietação†de José Mário Branco surge num disco onde tentas aquilo que apelidas de luso-samba?
Porque eu não tento apenas aquilo que apelido de luso-samba: na relação entre Portugal e o Brasil existe Portugal, existe o Brasil e existe um imenso mar de relações imaginárias.
Qual te parece ser a reacção do portugueses ao luso-samba? Pode um povo tradicionalmente triste e nostálgico absorver 1970 na sua plenitude?
O meu maior receio é exactamente o contrário: que o lado mais dolente e nostálgico do disco afaste muita gente de uma identificação mais plena com as canções. Por outro lado, os portugueses não são assim tão facilmente resumÃveis nem é tão óbvia a sua conduta: isso é muito visÃvel na necessidade que têm de se alienar ou de se compensar em actividades lúdicas mais histéricas e desopilantes como o futebol, a música de alegre insinuação sexual e as grandes jantaradas com muito vinho. Uma caracterÃstica profundamente humana e tipicamente portuguesa sempre foi a vontade de ser o Outro ou de ter o melhor que o Outro tem. De certa forma, o Brasil representa um Outro: mais plenamente livre, alegre e musical. E eu sou português.
De que perspectiva te colocas pessoalmente para analisar a tua geração em “1970 (Retrato)� Não te atacou uma certa solidão depois de escrever essa canção?
A Geração que eu analisei foi a que encontrei dentro de mim: a um tempo, memória de uma circunstância histórica e de alguns personagens e comportamentos; mas também raiz e matriz inescapável do que sou agora. Quanto à solidão, que nos define a todos, fui eu que a ataquei quando procurei arrancar dela vestÃgios da presença dos outros, os que cresceram e crescem comigo. No fim, há a gratidão pelo encontro e fica a provocação/convite: “O que vamos fazer?â€.
Apesar de alguns momentos dados a uma certa taciturnidade, este 1970 parece um disco que foi divertido de gravar. Transpira isso em certos momentos. É verdade?
Sem dúvida. Foi como, imaginemos, um divertido e solarengo dia de trabalho numa oficina de mármores e escultura especializada em peças funerárias.
Nem tudo foram rosas neste disco. O atraso na saÃda de 1970 serviu para te tirar a paciência?
Bem, paciência nunca foi o meu forte. Mas o exercÃcio do desespero pode criar novas competências: acho que percebi que não devo – embora tenha o direito de o fazer - perder o meu tempo a chatear-me.
© Pedro Cláudio |
Já tiveste a oportunidade de apresentar 1970 ao vivo em alguns concertos. Como é que correram as coisas? Aprecias a ausência de máquinas do disco de que falavas algures?
Os concertos estão a correr cada vez melhor, à medida que os músicos fazem destes temas a sua música.
Existem planos para mostrar e promover este disco no Brasil?
Sim, existem. Recebi de vários jornalistas, músicos e apreciadores de música muitos cumprimentos pelo disco ExÃlio do Quinteto Tati - que esteve entre os melhores discos do ano (de 2005) no parecer de uma série de jornalistas da Rede Globo - e, em sequência, enviei o meu novo disco que foi igualmente bem acolhido. Uma jornalista em especial, Mariana Albanese de São Paulo, tem sido incansável na promoção do meu trabalho e hoje mesmo recebi dela um e-mail para confirmar se seria possÃvel estar com a banda em São Paulo a partir de 30 de Março. Alea Jacta Est.
Vale a pena mostrar o disco ao próprio Chico Buarque?
Sim, até porque a capa não é desagradável de todo.
Quais foram os últimos discos que te passaram pelos ouvidos nos últimos tempos?
Ouvi o último do Sérgio Godinho, o primeiro do Nuno Prata e um disco do Afonso Pais com a participação do Edu Lobo. Isto só falando de coisas que gostei.
Que retrato fazes da Coimbra dos dias de hoje? Romântico?
Um ameno retrato a preto e branco onde imagino as pessoas que amo a tentar ser felizes.
E que paÃs é este em que vivemos? Ou sobrevivemos?
É o paÃs que temos, que fizemos e fazemos.
andregomes@bodyspace.net
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